Depois das eleições, nada melhor do que conversarmos sobre política inspirados pelo filme Tropa de Elite 2. Para levantar o tema, chamamos o Thyago Ferreira, que trabalha imerso nessa realidade. Seguimos o papo nos comentários.

Para mim, é impossível falar mal do filme Tropa de Elite 2. Como não vibrar com o capitão – que mesmo sendo promovido a tenente-coronel, continua sendo o bom e velho capitão – Nascimento? Como não cerrar os punhos nas inúmeras cenas em que o personagem vivido pelo Wagner Moura protagoniza uma luta no melhor estilo Davi e Golias? Um oficial honesto sozinho enfrenta um sistema corrupto.

Com certeza os senhores não esperam que eu faça uma análise sociológica ou estética do filme, mas sim uma opinião focada na visão mais próxima do que eu já vi na realidade sobre tudo isso.

“Porra, o senhor tá parecendo o Bush invadindo o Iraque!”

“O sistema é foda, parceiro.”

Eu começo parafraseando o protagonista do filme: “Cara, o sistema é foda!”. Sem dúvida o filme nos remete a um cenário não tão atual, mais ainda quente. É impossível não fazer analogias dos personagens do filme com personalidades da Secretaria de Segurança e do Governo de alguns, poucos, anos atrás.

Existem exageros? Com certeza! Mas tudo tem um fundo, mesmo que pequeno, de verdade. Mais uma vez o que posso falar é do que vi e vivi. Nunca presenciei um policial militar ser morto por outro como aconteceu com um dos personagens no filme, mas histórias parecidas não faltam.

É impossível não notar o dedo do Capitão Rodrigo Pimentel, criador de Tropa de Elite e caveira, na obra. O que mais caracteriza essa afirmativa é atitude do jovem oficial Mathias, que procura a imprensa para – literalmente – soltar o verbo.

Para quem não sabe o capitão Pimentel foi muito criticado por sua participação em entrevistas e documentários em que, no melhor estilo Nascimento de ser, ele mostrava a realidade nua e crua, expondo sua opinião acerca de temas polêmicos como a ação da polícia militar no episódio do ônibus 174 e sobre a política de segurança pública, no documentário Notícias de uma Guerra Particular.

Link YouTube | Entrevista com Rodrigo Pimental (em “Notícias de uma guerra particular”)

Alguém conseguiria agir pra valer como fez Capitão Nascimento?

É inegável que existem duas polícias, a corrupta e a honesta. É simples distinguir? Absolutamente não! Vivemos em uma sociedade onde o que é correto se confunde com o aceitável, e que na verdade é o ilegal. Nosso jeitinho brasileiro nos conduziu a uma situação em que as máscaras persistem em se tornarem os rostos.

É possível que as atitudes do eterno capitão Nascimento se tornem realidade? Pouco provável. Digamos que o “sistema” pegou leve demais com ele. Você, que viu o filme, deve estar achando que estou exagerando, afinal, aquilo é pegar leve? Sim, meus amigos é.

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A realidade é muito mais cruel, mas a crueldade não é como a ferida exposta em um curso de operações especiais, ela é mais parecida com um câncer. Ela é quieta, paulatina e de uma frieza mórbida. Existem inúmeras formas de se frustrar um capitão Nascimento, uma transferência para um lugar bem longe do Estado por exemplo; ou inúmeros procedimentos administrativos (pilhas e pilhas de papéis) para lhe tirar tempo.

Milícias, o inimigo azul

O filme aborda um tema seríssimo: milícias. Lembro bem que em 2006 assisti, no auditório de uma universidade do Rio de Janeiro, ao Cel Mário Sérgio, atual Comandante Geral da PMERJ, discursando sobre a seriedade desse inimigo. A milícia representa um dos piores inimigos que sociedade pode enfrentar: o inimigo azul.

“Tu tá ligado que o BOPE pode trabalhar pra nós?”

Inimigo azul é uma terminologia para aqueles inimigos que se camuflam de aliados. Ou seja, policiais que matam policiais. O dinheiro e o poder são os grandes alimentadores desse cenário de antropofagia que vivemos. O calcanhar de Aquiles disso tudo esta na reflexão: se a milícia tira o tráfico de drogas de uma comunidade, por que a PMERJ não faz isso?

Amigos e amigas, infelizmente, eu não sei. As Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) hoje dão uma boa resposta de como isso é viável… Precisamos de alguns ajustes é verdade, mas isso funciona.

Herói nacional

As impressões da tropa de verdade em relação ao filme são as mais variadas. Alguns chegam a demonstrar seu descontentamento com a forma na qual o José Padilha retrata a Corporação, quase que de forma caricata. Isso se justifica quando nos damos conta que a verdade dói.

Mas não dói só na Polícia Militar dessa vez… Agora a nossa Assembléia Legislativa também teve o seu quinhão nessa temática.

Ver os conflitos vividos pelo Nascimento nos lembra de nossa própria realidade. A verdade é que muitos de nós policiais militares sacrificamos nossa vida familiar e saúde em prol de uma luta inglória contra esse sistema. É difícil, meus amigos. O que importa é que, pelo menos no filme, liberamos todos os nossos demônios por meio desse novo herói nacional.

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E vocês?

Gostaram do filme? Vocês se surpreenderam com alguma cenas? Pensam que a realidade é pior ou um pouco melhor do que a retratada?

Como veem as campanhas apelativas e a eleição da Dilma sob a lanterna de Tropa de Elite 2? Estão felizes, estão decepcionados?

“Eu não sou igual a muitos políticos brasileiros! Eu sou apenas um personagem!”

Thyago Ferreira

Oficial da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Amante de armas, explosivos, operações de inteligência, guerra eletrônica e coisas do gênero. Carioca, flamenguista, sonhador e escritor nas horas vagas. No Twitter, <a>@ferreirinha_rj</a>."