Homem mesmo o cara só vira quando leva o primeiro par de chifres.
Leva, não: ganha.
Chifre só pode ser presente. Lembro bem do meu primeiro conjuntinho de lustrosos. Era um inverno medonho, desses que se usa gelo para esquentar o suco, e eu estava no primeiro ano do ensino médio, pela segunda vez. No alto dos meus 15 anos, portanto.
Ela não era muito mais velha. Só outros dois anos de experiência no primeiro ano do ensino médio. Infelizmente, um mundo gigante separa os 17 dos 15 anos. É muito maior que a diferença entre 60 e 30. Ser corno é não compreender as diferenças mais elementares do mundo.
Enfim, a viv’alma não achava que era minha namorada. E não era mesmo. Tecnicamente, um namoro é aquilo que recebe o botão starter quando os pais são apresentados aos seus respectivos genros. Eu conhecia a mãe dela. Trabalhava num supermercado aqui perto. Como ela não conhecia a minha, eu estava namorando sozinho, portanto. Esse detalhe é relevante para a identificação de um corno em potencial. Naquela época eu não sabia disso. Como eu disse, ser corno é não reconhecer essas diferenças simples.
Por algum motivo escabroso, aquela escola era separada da rua por um fosso. Igual a esses que a gente vê em estádios de futebol fora do padrão FIFA. (Deve haver muitos cornos na FIFA para eles não gostarem de fossos também.)
E lá foi o local do adultério.
Existe outra regra para esses casos: o corno é sempre o último a reconhecer a própria cornisse. Só dei o flagrante depois que metade do recreio já estava me olhando com cara de piedade. A outra metade, nada piedosa, ria descaradamente da minha cara. Quero acreditar que, quanto maior a humilhação, maior é a hombridade extraída da experiência. Mas essa é uma tese mais difícil de ser sustentada.
Procurando pela ninfeta, esbarrei em um par de casacos enterrado no fosso. Eram dois, mas pareciam um casaco só, bicolor e de uma pessoa muito gorda. Fui recebido com a famosa frase “precisamos conversar”.
Corno com dignidade não conversa, né?
Ser corno tudo bem. Mas perder a oportunidade de apanhar igual de um adolescente com o dobro do meu peso? Isso eu não admitiria!
Comecei a rolar com aquele futuro presidiário e só batia onde corria o risco de sangrar. Melhor: eu tentava bater onde corria o risco de sangrar. Não obtive sucesso algum. Apanhei infinitamente mais, mas sem sangue não há vitoriosos e derrotados. E eu não estava sangrando. Por fim, ele ralou a cara em uma pedra no chão e eu já estava exausto demais. Se não fosse o frio e a quantidade de casacos, o estrago seria maior, aposto.
Quando a briga parou, o vice-diretor do turno da manhã, Professor Mauro, já nos tinha cada um em uma mão. A história terminou com eu camuflando meus três dias de suspensão. Ou não acabou ainda. Vai saber. Ser corno é uma espécie de irmandade.
Uma vez corno, é para sempre.
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