Um guerreiro barbudo usa arco e flecha para atacar de distância segura. Uma garota, com traje medieval esvoaçante, manuseia habilmente sua lança até ser encurralada por espadachins e tombar com golpe mortal pelas costas. O confronto reúne aproximadamente 40 jovens no gramado atrás do Auditório do Ibirapuera.

Concentração antes da batalha “mortal”
Swordplay: os guerreiros medievais do Ibirapuera

Com espadas e machados em punho, um dos grupos avança rapidamente e monta cerco. O outro bando permanece compactado sob proteção de escudos e exibe suas armas enquanto avalia a estratégia inimiga. Frequentadores do parque observam, curiosos, a movimentação em passos lentos. Ao sinal de um dos comandantes, linhas de defesa e ataque se desfazem, dando lugar à correria da batalha campal. Iluminadas pelo sol de verão, espadas se tocam no ar com sons abafados.

Em menos de cinco minutos, os mais graduados combatentes lutam sem proteção de seus subalternos. Alguns correm desesperadamente para escapar das investidas rivais, mas acabam rodeados e atingidos. Por fim, um machado de duas lâminas acerta o peito do último oponente e encerra a batalha. Quatro sobreviventes festejam a vitória em meio a gritos e aplausos dos colegas mortos.

A cena singular é parte de um treinamento de swordplay, atividade física que simula combates com armas brancas tendo como inspiração a era medieval europeia e as artes marciais do oriente. A prática deriva do RPG (Role Playing Game), jogo de interpretação, e de sua variante ao vivo denominada LARP (Live Action Role Play), em que praticantes se vestem, falam e agem como seus personagens.

Nas regras do confronto fingido, golpe no tronco do oponente é considerado mortal. Os combatentes que tiverem braço e perna tocados pela espada inimiga ficam vetados de usar os membros feridos. Ataques no pescoço e na cabeça são proibidos. Cada embate requer honestidade em acusar os golpes sofridos e aceitar a derrota.

Sérgio de Araújo Pirajá, funcionário público do setor de previdência do Estado de São Paulo, caminha soberano entre os membros do Draikaner, grupo de swordplay de temática arthuriana que comanda desde 2010. Aos 23 anos, o cavaleiro formado em Economia sai todos os domingos da zona norte da capital paulista com roupa temática e variados modelos de armas dentro de uma sacola.

“Não tenho vergonha, mas é melhor não chamar a atenção. As armas maiores são difíceis de esconder. Quando alguém pergunta, resumo que é teatro”.

No parque, devidamente paramentado, ele é sir Pirajá, embora reconheça que Pirajá não é um nome muito inglês.

Uma luta brutal entre o sir Pirajá (esq.) e outro guerreiro medieval
Swordplay: os guerreiros medievais do Ibirapuera

Sir Pirajá não gosta de jogar futebol. Fã de video game, de RPG e de rock, já treinou Kung-Fu, Tai-chi-chuan e Ninjutsu. Faz aula de teatro e pretende iniciar um curso de arco e flecha para melhorar o desempenho na histórica modalidade. Conheceu a namorada, estudante de jornalismo, num grupo de esgrima renascentista.

“Temos um perfil parecido, um gosto em comum por coisas medievais, por lutas. Sou ateu, mas ela é sacerdotisa bruxa e eu acabo um pouco envolvido com isso também”.

O líder máximo do grupo Draikaner bebe cerveja, sai com amigos e mantém uma rotina comum.

“Eu sou um cara normal. A diferença é que eu gosto de lutar com espadinhas”.

Para que os ferimentos das lutas fantasiadas não se tornem reais, as armas utilizadas nos combates são feitas de canos de PVC, revestidos com espuma de baixa densidade e cobertos por fita adesiva do tipo silver tape. Sir Pirajá se orgulha dos avanços na tecnologia de equipamentos que seu grupo trouxe para o swordplay brasileiro. “Temos um guardião responsável pela forja. Descobrimos a espuma adequada e reduzimos custos de fabricação. Cada peça dura mais ou menos um ano, e é possível fazer uma nova espada em apenas 20 minutos”.

Armas exóticas exigem criatividade e maior dedicação, mas costumam ser um diferencial para o triunfo. “Venci um torneio com uma arma que ninguém tinha visto”, vangloria-se Pirajá sobre sua invenção: uma lança especial com mangual (originalmente a bola espinhada de metal) na ponta. O uniforme do Draikaner – capa vermelha e amarela presa ao corpo por um cinto preto – é produzido por uma costureira em Guaianases ao preço de 25 reais. A caracterização é indispensável nos enfrentamentos com outras equipes, como na “Guerra de Clãs” realizada anualmente e que, no ano passado, reuniu mais de cem guerreiros divididos em exércitos.

Para subir de posto no grupo, os praticantes passam por testes de graduação que reúnem prova teórica sobre armas medievais, testes físicos e desempenho em combate. Os cavaleiros, no topo da hierarquia, passam conhecimento a guardiões, sargentos, soldados, guerreiros e aprendizes. Os treinos podem ser técnicos, desenvolvendo habilidade com espadas, lanças e escudos, ou táticos, ensinando estratégias de ataque e defesa que serão utilizadas nas batalhas. Pirajá é irredutível em punir atrasos e erros com flexões.

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“Se não fosse pelo swordplay, tem muita gente aqui que não sairia da frente do computador”.

Além da reunião semanal no Ibirapuera, o Draikaner também conta com uma base no Centro de Artes Marciais Maguila, em Osasco.

O precursor do swordplay na cidade é Diego de Brito Henrique, o Caos, admirado e temido pelo seu peculiar estilo de luta. Máscara e capa com capuz pretas compõem o visual misterioso e amedrontador do cavaleiro que abusa de saltos e esquivas para derrotar os inimigos.

O temido “Caos” que, nas horas vagas, trabalha com sistema de informação
Swordplay: os guerreiros medievais do Ibirapuera

“É um estilo mais agressivo. Tento chamar a atenção dos adversários e desorganizar suas estratégias para permitir que meus companheiros possam invadir seus territórios. Todos gostam do personagem, então costumo usar a máscara para lutar”. Os pulos com pernas e braços abertos, que por vezes lembram o movimento de um sapo, tornam Caos impiedoso diante dos adversários. A técnica é apurada semanalmente com aulas de saltos e acrobacias.

Desde que começou a simular batalhas medievais, o jovem de 24 anos, formado em Sistema de Informação, atraiu seguidores na Zona Oeste de São Paulo, onde mora. As lutas no meio da rua já reuniram até 15 pessoas, entre vizinhos e passantes atraídos pelo embate.

Chacotas parecem não afetar a honra dos praticantes do swordplay, mas Pirajá acha prudente evitar batalhas nas áreas mais frequentadas do parque. “Se chegamos perto, gritam Power Rangers, He-Man, Highlander”. O destemido Caos também releva provocações e conta que já entregou sua arma a zombeteiros que, hipnotizados pelo vai e vem das espadas, mudaram de ideia e pediram para lutar também.

Criando o próprio exército

Não é complicado organizar um combate caseiro de swordplay entre amigos, mas é preciso responsabilidade na hora de confeccionar as armas: nada de espetos, facas de churrasco e armas de fogo. Os membros do Draikaner recomendam esses passos:

  • Bases de madeira leves, revestidas com espuma e cobertas com muita fita adesiva;
  • Você deve testar o equipamento dando alguns golpes no próprio corpo, atento para que nenhuma ponta da madeira tenha ficado exposta;
  • Priorize confrontos um contra um, deixando outros amigos como observadores, embora acusar os golpes recebidos seja um valor básico dos grandes guerreiros;
  • Não use as lutas para “acertar as contas” com ninguém;
  • Nunca mire na cabeça.

Juntando-se à infantaria

Link YouTube | Vídeo feito pelo pessoal do Draikaner

Para quem não teme skatista qualquer gritando “Power Rangers, He-Man, Highlander” nem outros 500 bullyings possíveis, o ideal é aprender com quem sabe. O Draikaner se reúne aos domingos, próximo ao Auditório do Ibirapuera, a partir das 14h. Você não paga para fazer a aula, em que é possível aquecer, aprender algumas movimentações básicas com os armamentos, entender um pouco da estratégia de combate e lutar: primeiro um contra um e depois numa simulação de batalha campal.

Lembre-se de usar roupas leves, que não atrapalhem exercícios físicos. Os treinamentos respeitam as limitações de cada participante e são bastante animados. Mas não confunda animação e diversão com esculhambação. Se for lá, é preciso entrar no clima.

O preço da guerra

Fazer parte de um grupo de swordplay tem baixo custo:

  • Cerca de R$ 25 pela roupa;
  • Outros R$ 15 por uma boa arma e;
  • Volta e meia, uma contribuição espontânea para cobrir gastos com competições.

Mais do que dinheiro, é preciso comprometimento com treinamentos semanais para desenvolver suas habilidades com espadas, lanças, flechas, para entender melhor estratégias de ataque e defesa e evitar a morte no primeiro minuto de combate.

De tempos em tempos, você pode avançar na hierarquia passando por testes de graduação, que levam em conta desempenho físico, habilidade com armas, inteligência estratégica e conhecimentos sobre Idade Média. Quando os cavaleiros máximos do grupo decidirem que sua hora chegou, você poderá participar de uma batalha de clãs, lutando contra outros grupos.

Se um dia você ficar bom o suficiente, pode arriscar montra o seu próprio clã.

No site do Draikaner você encontra informações completas do grupo. Que os deuses sejam bondosos contigo nas batalhas.

Obs: A primeira e terceira foto foram tiradas pelo próprio André, quando foi escrever esse artigo no Ibirapuera, em fevereiro desse ano. Tem tem mais fotos no Flickr dele.

Andre Schroder

Jornalista, fotógrafo e baterista. Cerveja, McCartney e Houellebecq.