Ah, o poder das palavras. Estes simples verbetes podem nos condenar, culpar, martirizar, julgar, machucar, definir, redimir, edificar, incentivar, manipular e tantos outros infinitivos que eu pudesse enumerar aqui.

Mas sabe o que anda me intrigando esses dias? Aquelas palavras que não têm masculino. Diferente dos epicenos que você estudou na quinta série, como o masculino de jacaré, que é jacaréia “o jacaré fêmea”. Falo também daquelas palavras que definem comportamentos específicos. Específicos das mulheres, sendo eu mais específica.

Por exemplo, você pode me dizer qual é o masculino de “biscate”? E qual é o masculino de “vadia”? E quanto a “piranha”, qual o masculino? Por acaso “periguete” tem algum equivalente masculino? “Puta” até tem, mas usa-se em outro sentido na maioria das vezes, né?

“Hum, deixa eu ver se entendi: se meu desejo for seu, ok, mas se meu desejo for livre, eu sou uma puta?”

Não me considero uma pessoa retrógrada, mas muitas dessas inequivalências ainda me fazem matutar um bocado. Apesar de ser cria dos anos 80-90, muito depois da filosofia de sexo, drogas, rock ‘n roll, amor livre e paz-e-amor ter ascendido e declinado (esses ex-maconheiros já eram yuppies quando nasci), me considero relativamente moderna. É claro que se você for me comparar com as Sandys que a sociedade mantém como padrão de ideal de “moça de família”, eu sou um urubu carnicento rondando o cocô do cavalo do bandido.

Ainda assim, arregalam-me os olhos alguns nomes dados a certas atitudes femininas. Não sei se é engraçado ou cruel, mas é no mínimo interessante a maneira que a sociedade num todo é muito mais cruel com as mulheres e complacente com os homens, no tocante da (caham) moral e dos bons costumes. Certas… qualidades descritivas para as mulheres ainda reprimem algumas vontades e comportamentos, por mais porra-lôca que uma criatura envaginada seja.

Tudo bem que a Bíblia é ficção mas desde o Jardim do Éden as mulheres carregam duas cargas, talvez desmerecidas, a seguir:

1. As manipuladoras;

2. As culpadas.

Posto que nós, mulheres, manipulamos, induzimos os homens – pobres, inocentes e ingênuos, coitadinhos – ao pecado. E daí que Adão quis comer a maçã por si só? A Eva que induziu o pobrezinho a comê-la. Para aqueles que estudaram o mínimo de Teologia, sabem o que a metáfora que a maçã representa. A maçã nada mais é que o símbolo do ato sexual. Deus disse a Adão e Eva:

“Olha só: cês andam pelados, brincam pelados, se abraçam pelados. Mas sexo, meus filhos, não pode. Ter tesão é motivo pra arder no inferno, apesar de ser algo natural. Mas ó: papai ama vocês, tá?”

A serpente, do alto de sua sabedoria ofídica, que não precisava ficar cheia de dedos por motivos óbvios, logo mostrou para Eva o que era tesão e a pequena ta-ta-ta-tataravó da Jezebel, como boa bróder que era, foi compartilhar o novo brinquedinho macio e úmido com Adão, seu macho, irmão e companheiro. Então, mesmo que Adão esteja na mais pura filosofia do “fi-lo porque qui-lo”, a culpa é da Eva. Coitado do Adão, ele só foi manipulado pela jararaca vaginenta. Ele, tadinho, não haveria de fazer nada se não fosse essa tentação ambulante, manipuladora, vadia e periguete, se esforçando ao máximo para tirá-lo do caminho do Bem.

Neste ponto, peço-lhes que pause este texto e assista ao vídeo abaixo. Duvido muito que você não tenha lido nem ouvido falar sobre o barraco de Sorocaba, mas caso você seja um alien ou tenha acabado de acordar de um coma profundo, é melhor assistir antes de prosseguir:

Link YouTube | Ela começa se achando no direito de humilhar e acaba com violência física

Assistindo a esse vídeo, não pude evitar de ficar me questionando algumas coisas. Por mais que a “corna” e a “putinha” fossem amigas (por mim, podiam até ser irmãs), quem é que carregava um anel de compromisso sempiterno com a “corna”?

Quem foi que jurou, diante de um padre e amigos e padrinhos, que faria a “corna” feliz na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, até que a morte vos separe? Quem é que tinha filhos com ela, morava com ela, olhava-a nos olhos e dizia “eu te amo”?

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A putinha é que não, afinal, ela é só uma putinha que sai procurando homem na rua, não é?

Não vou ser hipócrita e dizer que achei o cúmulo do absurdo esse vídeo. Como boa misantropa, adoro ver um(a) babaca se fodendo, mas não consigo deixar de me perguntar: por que diabos a “corna” foi tirar satisfação com a outra, ao invés de ir acertar os pontos com o marido, aquele que lhe deve lealdade e votos de confiança? Bem, aí fechamos o círculo do presente texto.

A corna foi tirar satisfação porque a outra é “a manipuladora”, “a culpada”.

O filho-duma-puta que lhe botou cornos é apenas um ingênuo, um Adãozinho inocente fadado ao Paraíso que nada teria feito se não fosse a puta, cachorra, vadia e piranha ter lhe tentado a cabeça de baixo. A culpa é sua, mulher manipuladora.

Por herança cultural, temos a obrigação de ser as “direitas” na história. Homem quer comer qualquer uma, mas mulher não pode querer transar com qualquer um. Por quê? É que… veja bem, a mulher é… certinha, sabe… e ela não pode ser, tipos, loucona de sair dando e tal porque… porque… um dia ela vai ser mãe, e tem que dar o exemplo e… e aí se ela tiver filhas… ela tem que dar o exemplo, sabe? E segurar a periquita senão, se depender da vontade da maioria dos homens, tudo vira uma suruba generalizada. E… e aí… aí Deus vai mandar queimar tudo, igual ele fez com Sodoma e Gomorra.

Créditos: Atheist Cartoons.

Queridos leitores, eu não sou psicóloga, nem uma grande conhecedora de antropologia, nem feminista e nem especialista em porra nenhuma. Sou apenas uma observadora que gosta de tentar entender o mundo, e humilde o suficiente para admitir que certas coisas estão além da minha capacidade de compreensão. A única explicação – porca, vazia, esfarrapada e sem muita base argumentativa – que enxergo para tal afobamento em reprimir e condenar atitudes femininas relacionadas a sexo é: isso não está escrito no script.

Façam o favor de me contrariar, de contra-argumentar, de me iluminar as ideias nos comentários, mas do ponto de vista de quem está do lado rosa da Força, tais palavras destrutivas, pejorativas e que só servem para julgar e punir, como biscate, vadia, piranha, periguete e afins só existem porque está escrito no script que as mulheres não podem (ou ao menos não devem) ser sexualmente desencanadas.

De acordo com nossas bases biológicas, um homem pode gerar quase que inúmeros descendentes em várias parceiras diferentes num período de um mês. Eu, como mulher, só posso gerar um, ou um par de gêmeos, no prazo de nove meses. Isso, teoricamente, explicaria o porquê de os homens quererem meter em qualquer buraquinho úmido e as mulheres sentirem a necessidade de escolher melhor o seu parceiro, tentar abocanhar preferencialmente o macho-alfa.

Mas hoje em dia existe camisinha, anti-concepcional, coito interrompido, pílula do dia seguinte. E eu terminei com o namorado ontem e tô afim de trepar com o primeiro que aparecer na frente. Fui na boate e fiquei com 15 meninos numa noite só. Tô sem fazer nada em casa e vou chamar meus amigos pra uma suruba. Me deu curiosidade e resolvi ir numa casa de swing. Senti tesão e gravei um vídeo me masturbando na webcam.

E daí?

“Bel, você não está seguindo o caminho correto.”

Pois é, colega… se você acha que difícil é ter que manter a ereção, matar barata e aturar as DRs da sua namorada, experimenta vir com uma vagina na sua próxima encarnação. Qualquer sacanagenzinha que você queira fazer estará sujeita a uma vasta gama de xingamentos e repressões. E tem coisa pior que te reprimirem justamente durante o sexo?

Se foder, véio. Depois a gente sai queimando sutiã e vocês não entendem por quê.

Bel

Paradoxal, crítica, chata, ex-fumante e ex-alcoólatra, adepta do hedonismo e misantropia. Mas é uma boa pessoa. No Twitter: <a>@lemonndrop</a>."