O Brasil não é o país da corrupção. Apesar de concordar Deputada Cidinha Campos quando ela disse que “a corrupção está no DNA do brasileiro”, acredito que a grande mazela da nossa pátria seja outra: a impunidade.
Vivemos numa terra contaminada pela sem-vergonhice. Criminalidade deixou de ser motivo de pudor ou de medo, já que a probabilidade de uma investigação acurada, seguida de condenação e execução da sentença é baixíssima.
Cansados e chicoteados por essa realidade, acabamos com o nosso senso de justiça viciado. Dessa forma, temos uma grande facilidade a nos agarrar em fatos mínimos e condenáveis sob o aspecto ético, moral ou legal (ou tudo junto) e explodirmos, extravasando toda nossa frustração e angústia, como se rasgássemos a mordaça do descaso e nos livrássemos das amarras do ostracismo. Revestidos de senso de justiça social, desejamos dura punição aos causadores.
Pautados por esse nobre sentimento, facilmente compramos quase qualquer acontecimento midiático. Passamos a desejar a forca pro cara do Big Brother que sabe-se lá se estuprou a outra participante. Bradamos que a mulher que espancou o cachorrinho até a morte seja levada à cadeira elétrica.
O mesmo ocorre quando algo teoricamente condenável acontece com uma personalidade notória. Despejamos ali toda nossa frustração, ansiosos por aquilo que chamamos de justiça — mas que, nesses casos, é no mínimo injusta, visto que, em vez de perseguirmos a real averiguação dos fatos para os desdobramentos pertinentes, limitamos nossos desejos à simples punição imediata.
Ao mesmo tempo, esquecemos facilmente daquilo que está perto. Fazemos vista grossa para o nosso vizinho, aquele que bate na esposa e todo mundo sabe; mal lembramos do amigo sonegador de impostos, ou daquele primo que “passa umas balas só de vez em quando, nas raves”.
Estamos acostumados a abraçar somente uma grande causa por vez, em vez de nos preocuparmos com o cotidiano do pequeno mundo à nossa volta. E quem é a bola da vez? Thor Batista.
É notícia que no último fim de semana o filho mais velho do megaempresário Eike Batista atropelou um ciclista na BR-040, causando sua morte. Logo depois, surgiu a previsível onda de revolta na sociedade. Carente que só ela, instantaneamente quis jogar o abastado rapaz na cadeia, enquanto canonizava o ciclista pobre e humilde.
Nas entrelinhas dessa reação, o que leio é o seguinte: “em decorrência da desigualdade social e da falta de oportunidades, estou arrasado e frustrado sob todos os aspectos em que eu consiga conceber. Logo, me sentirei aliviado, ainda que momentaneamente, se um cara que dirige um carro que vale mais do que minha família toda ganhará em dez gerações se foder ao menos um pouquinho”.
O portal G1, parcial como poucos, fez questão de estampar em sua capa a manchete de que “o filho do Eike” já acumulou 51 pontos em sua CNH. Facilmente influenciáveis, todos ficam na torcida por um indiciamento por homicídio doloso. Tenho quase certeza que a maioria esmagadora se sentiria muito mais feliz se, pelo mesmo período em que ficasse preso pelo crime, tivesse a mesada cortada pelo seu bilionário pai. Assim, ele se aproximaria um pouco da vida desgraçada vivida pela massa.
Que o incidente deve ser averiguado? Sim. Que o rapaz deverá arcar com as consequências dos atos comprovados? Sem dúvida. Entretanto, a mesma justiça tem que ser aplicada ao ladrão de galinha do bairro.
Também tenho o grande sonho do fim da impunidade. Mas não posso me esquecer de que a construção de um lugar melhor começa no meu mundo tangível: não furando uma fila ou não estacionando o meu carro numa vaga de deficientes, por exemplo.
Luto pelo fim da hipocrisia e do país com dois pesos e duas medidas. Para desejar que o parlamentar corrupto seja punido, antes devo aprender a devolver os centavos de troco a mais que recebi na padaria da esquina.
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