A Berghs School Of Communication, na Suécia, produziu uma série de onze vídeos sobre o medo do fracasso. Durante quatro dias, os alunos desta instituição reuniram diversos especialistas na área do design – além do Paulo Coelho, chamado por lá de Paul – para comentarem a respeito deste bloqueio que permeia o cotidiano de muitos estudantes e profissionais.

O conteúdo dos vídeos é uma série de insights preciosos sobre como encarar o medo, do ponto de vista de gente que conseguiu chegar lá e atingir o tão almejado sucesso, com direito a fama, reconhecimento acadêmico e todos os afagos ao ego que tanto perseguimos.

Link Vimeo | Milton Glaser e algumas doses de sabedoria afiada. Recomendo assistir os outros vídeos.

“The real embarrassing issue about failure is your own acknowledgement that you’re not a genius, that you’re not as good as you tought you were.” – Milton Glaser

De uma forma geral, o ponto central do discurso recorrente, tanto na opinião dos especialistas quanto nos conselhos de mesa de bar é: abrace o fracasso.

Sabemos muito bem o que é ficar paralisados diante da possibilidade de fracassar. Quase todos nós vivemos nossos dias com medo disso. Porém, a verdade é que, em termos práticos, atravessar este obstáculo é muito mais difícil do que pode parecer para um gênio curiosamente semelhante ao Sr. Burns.

Saber não basta

Nós sabemos, mesmo ouvindo com verdadeira admiração ao discurso inspirado de um mestre, que o medo de falhar nos acompanha e nos trava diariamente. Sabemos que não adianta ter medo. Sabemos que não há nada de essencialmente errado em grande parte dos fracassos que tememos. Nós já sabemos tudo o que nossos amigos, professores e psicólogos costumam dizer sobre o assunto, mas nada muda o fato de que nos assustamos naquelas determinadas condições. Ter entendimento racional sobre o medo não faz diferença alguma no momento em que esta trava surge.

Claro, eu poderia chegar aqui e falar que isto tudo é “humano”, “natural” e “acontece com todos”. Sabemos, no entanto, o quanto somos capazes de nos cobrar com extremo rigor. Exigimos nada menos que genialidade em tudo o que colocamos as mãos. Vemo-nos, mais do que a modéstia permite admitir, como gênios prestes a ser reconhecidos.

Seguindo uma lógica tortuosa, a melhor forma que a mente encontra de manter esta autoimagem exageradamente glorificada é paralisando-nos antes mesmo de falharmos. Sendo assim, se me sobressaio em uma conversa, vou para um boteco, sento na mesa e começo a tagarelar sem parar sobre vários assuntos. Por outro lado, se não sei dançar, qual o sentido de ir a uma balada? Tendemos, fortemente, a dar vazão ao orgulho e a permanecer confortáveis onde acertamos fácil.

Mas como nos posicionarmos além disso? Como podemos seguir um pouco menos acorrentados a esse padrão?

Viver além do medo

Eu, sinceramente, nunca descobri um jeito de viver sem medo. Inclusive, tenho a impressão de que, se fosse realmente esperar por esse dia, nunca me levantaria da cama. Basicamente, tudo o que faço é permeado por medo. Até mesmo escrever este texto é envolto num medo sutil de que estas ideias sejam mal recebidas, ou de que eu não seja capaz de amarrá-las firmemente e prolongar as discussões nos comentários, isso sem contar uma série de outros pensamentos aleatórios.

Portanto, não estou habilitado, de forma alguma, a dizer-lhes que devem viver sem medo. A única experiência que conheço sobre o medo é de que ele está em todo lugar.

Link YouTube | Fracasso: a gente vê por aqui.

Nós estamos todos com medo. Hoje, por algum motivo, decidimos discutir especificamente o medo do fracasso. Mas o medo se manifesta sob diversas máscaras: medo de sermos assaltados, medo de ficarmos sem dinheiro, medo da solidão, medo do silêncio, medo da morte, medo de cair de algum lugar alto, medo de avião, medo do sucesso e, principalmente, medo de ter medo.

“É preciso reconhecer o medo. Temos de perceber nosso medo e nos reconciliar com ele. Deveríamos observar como nos movimentamos, como falamos, como nos comportamos, como roemos as unhas, como por vezes colocamos as mãos no bolso sem necessidade. Descobriríamos assim alguma coisa sobre como o medo se exprime sob a forma de agitação. Devemos encarar o fato de que o medo nos espreita, sempre, em tudo o que fazemos.” Chögyam Trungpa em Shambhala: A Trilha Sagrada do Guerreiro.

De fato, quando dizemos ter medo do fracasso, na realidade temos medo da sensação, do sofrimento que projetamos no futuro, caso aquela falha ocorra. É muito comum pensarmos que nunca mais vamos arranjar um emprego, caso não cumpramos adequadamente uma determinada tarefa. Ou que, se levarmos um fora de uma mulher, tomaremos um tapa e seremos humilhados publicamente.

Num nível ainda mais sutil, o medo pode não ser exatamente do fracasso, mas de ter sucesso do ponto de vista das expectativas do que poderia acontecer. Suceder em algo pode simplesmente nos tirar do mundo que conhecemos e nos lançar direto em outra realidade onde nosso cinema-videogame-namoradinha não faz sentido algum. Assim, vão surgindo expressões cada vez mais sofisticadas que acabam por nos distrair do fato de que isso é apenas medo.

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De um modo estranhamento paradoxal e irônico, quando temos medo de fracassar, já fracassamos logo de saída. Portanto, para agir além do medo, devemos parar de ter medo de ter medo. Reconhecer que ele existe e relaxar. Rir de nós mesmos, gargalhar diante do próprio ridículo.

A coragem ou o destemor dizem respeito muito mais à forma como nos relacionamos com o medo do que propriamente com a ausência dele. Por isso, a única e verdadeira solução para este impasse é exatamente a mesma dos vídeos, dos livros, dos professores e amigos. Não há saída, precisamos pagar pra ver. Agir, mesmo perante o medo. Errar.

Para ir além do discurso bronha

Em algum momento da nossa vida aprendemos a operar desta maneira específica. Aprendemos a nos contrair diante de determinados desafios da mesma forma como aprendemos a falar.

Assim, podemos utilizar nossa habilidade em criar condicionamentos – coisa que fazemos o tempo inteiro, de maneira inconsciente – para fazê-lo de forma lúcida, com a finalidade de nos condicionarmos de maneira mais positiva e diminuir um pouco o sofrimento oriundo de nos sentirmos impotentes perante o hábito de travar.

Link YouTube | Exercício que exemplifica a impotência gerada pelo medo.

Paradoxalmente, para ir além do medo de fracassar, é preciso experimentar este medo, viver o fracasso completamente. Precisamos notar que, em geral, nós não sabemos fracassar. Em geral, nós negamos o fracasso. Maquiamos nossas ações e acabamos perdendo alguma coisa.

É importante perceber que não falta nada aos momentos e o pensamento de que poderíamos melhorá-lo é apenas fruto de autocentramento. Consideramo-nos importantes, como se nossa presença e nossa ação realmente fossem decisivas. Por isso achamos que poderíamos tornar aquele momento melhor do que foi. A realidade é que, se algo aconteceu e nós agimos ou deixamos de agir, não houve erro algum. Não há nada a se fazer. Aquele foi o momento. Acabou. Culpar alguém, sentir remorso, justificar, pedir perdão, nada disso vai mudar o fato de que aquele momento é inerentemente vazio de significado.

Guia prático para abraçar o medo

Para afiar a percepção de que estas ações só fazem sentido dentro deste jogo específico, separei um pequeno guia. A ideia é percebermos a prisão desta dualidade operando e, então, podermos nos posicionar além dela, num lugar onde o fracasso e o sucesso sequer sejam questões para orgulho ou sofrimento, mas fruto de ações mais ou menos autônomas, diminuindo expectativas e removendo pesos desnecessários.

1. Quando for bem sucedido em algo e o orgulho surgir, pare e olhe fixamente para o ocorrido. Observe como, no final, todo o esforço de repente começa a perder o sentido, uma espécie de vazio surge e, numa tentativa de evitá-lo, automaticamente já buscamos um novo objetivo, um novo esforço para empreendermos. Isso acontece, pois o sucesso, de fato, é vazio, não tem um sentido último, assim como o próprio fracasso. Então, abra os olhos para a percepção de que o orgulho é inflado por menos do que ar, por puro vazio. So, what’s the deal?

2. Ao fracassar, perceba o mesmo fenômeno. Perceba como, da mesma maneira, ao fracassar, deixamos algo vazio nos atingir e levar ao chão.

3.Viva de maneira imperfeita. Desista da perfeição, desista de ser um gênio. Os verdadeiros gênios estão muito ocupados fazendo algo concreto, ao invés de se preocuparem em ser perfeitos. Eles estão falhando constantemente, seguindo em frente e, volta e meia, acertam.

4. Caso perceba-se suscitando culpa, remorso ou tentando justificar-se, reconheça que está sendo arrastado. Pare e siga em frente.

5.Flagre-se com medo. Reconheça-o surgindo e desafie-o. Faça exatamente aquilo que travou seus pés e o impediu de caminhar. Treine agir em meio ao medo. Caso seja bem-sucedido, volte ao passo 1. Caso fracasse, passo 2.

Talvez esta não seja a melhor e nem a última forma de encarar um obstáculo que, muitas vezes, está mais enraizado do que gostaríamos de admitir. Este é apenas um entre muitos métodos existentes para fazê-lo. Método este que não tem respaldo científico algum, sendo apenas a minha experiência, totalmente sem garantias.

A discussão, claro, não se encerra tão simplesmente com um texto perigosamente resumido como este. E, mesmo que agora eu não tenha resistido ao impulso de me justificar, gostaria de deixar algumas perguntas. Como vocês têm encarado o medo do fracasso? Que métodos criaram para lidar com ele? Qual a experiência de vocês em fracassar ao verdadeiramente fracassar?

Luciano Ribeiro

Cantor, guitarrista, compositor e editor do PapodeHomem nas horas vagas. Você pode assistir no <a>Youtube</a>