Eu escrevo. Minha ideia é sempre levar algum tipo de benefício a quem lê o que escrevo, alguma nova visão, qualquer comichão que deixe o leitor curioso consigo mesmo.
Não sou lá dos que pretendem escrever grandes verdades absolutas, novas teorias de como as coisas podem ou devem funcionar. Meu negócio é a ficção, o cotidiano, treinar um outro olhar, o início de tudo, o primeiro passo que é admitir. Mas claro que tenho vontade de mudar o mundo. Quem não tem? A escritora Moçambicana Paulina Chiziane escreveu no site da UNICEF Mozambique:
É preciso ensinar a sonhar através de práticas positivas e não por palavras.
Bela maneira de ilustrar esse abre para a tradução feita do trecho do livro The Book of Life da School of Life, “O Livro da Vida” na tradução mais livre possível. A ideia é pegar a proposta “ambiciosa” que é fazer um livro, mas escrito por várias pessoas e por um longo tempo, para que seu conteúdo continue mudando e evoluindo, e não fadado a se datar ou ter a visão única de apenas uma pessoa.
É chamado de O Livro da Vida , porque é sobre as coisas mais importantes em sua vida: seus relacionamentos, sua renda , sua carreira, suas ansiedades.
Abaixo, o trecho “Sobre o desejo de mudar o Mundo 1“, que consta na última parte – Utopia – do primeiro capítulo – Capitalismo – da obra.
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O mundo precisa de mudanças de todos os tipos, e com urgência: a grande questão é como efetuar essas mudanças. A resposta mais popular e atraente, há bastante tempo, tem sido escrever um livro: se retirar para o topo de uma montanha, colocar os pensamentos no papel com paixão e de forma cogente, se esforçar por vender quantas cópias forem possíveis, e esperar pela mudança.
Por pelo menos os últimos 200 anos essa atividade é cercada de prestígio, e, à distância, parece ter sido muito bem sucedida. Alguns livros sem dúvida tiveram um grande impacto (O Capital, Assim Falou Zaratustra, Primavera Silenciosa, Deus, um Delírio…)
Ainda assim, desconsiderando as vendas de livros, o mundo continuou a mudar bem menos do que devia, permanecendo surpreendentemente comprometido com suas mesquinhezas, apesar da existência de muitos livros bem pensados, revolucionários, maravilhosos e populares.
Isso se deu porque nos falta reconhecer algo. Os livros – não importa o quão maravilhosos sejam – não podem, por si só, mudar muito as coisas. E a crença generalizada de que eles são capazes disso, atrasa fortemente as causas progressivas e a eficácia das mentes esclarecidas.
Um livro, é claro, é um lugar ideal para descrever ambições, organizar os pensamentos e obter seguidores. Mas basicamente se resume a isso. Um livro por si só não pode causar mudanças reais porque o mundo não se mantém coeso apenas por ideias: ele é feito de leis, práticas, instituições, arranjos financeiros, negócios e governos. Em outras palavras, é como os músculos do mundo fossem feitos de instituições. E, portanto, a única forma de causar mudança verdadeira é agir através de instituições que se contraponham as existentes. As revoluções na consciência não se fazem duradouras e efetivas até que legiões de pessoas comecem a trabalhar juntas coerentemente na direção de um objetivo comum, e em vez de confiar nos pronunciamentos intermitentes de profetas das montanhas, até que comecem a tarefa profundamente chata de lutar com questões legislativas, dinheiro, comunicação em massa ao longo de muito tempo, administração e pleito.
Na República Platão confessou um entendimento profundo e melancólico (vindo da experiência amarga) dos limites dos intelectuais, quando apontou que o mundo nunca seria corrigido até que, em suas palavras, “filósofos se tornassem reis, ou reis filósofos”. Com isso ele quis dizer que pensadores deveriam parar de imaginar que suas ideias podem mudar a realidade e reconhecer que apenas instituições – o posto de “rei”, naquele contexto –, poderiam ter qualquer chance de influência o mundo efetiva e adequadamente.
Em parte o problema diz respeito a temperamento. Aqueles que tem boas ideias geralmente não são bons com dinheiro, se entediam com detalhes, podem ter personalidades elitistas que não se misturam bem as pessoas em geral, e não gostam de ir para o escritório ou compartilhar um pódio. Nosso ideal coletivo de um livre pensador é alguém que se encontra além dos limites de qualquer sistema particular, desdenha “coisas entediantes”, e é desvinculado de questões práticas, talvez até em segredo seja um tanto orgulhoso de não ser capaz de ler uma planilha contábil. É uma receita fatalmente romântica para manter o status quo inalterado.
Como resultado disso, aqueles que se interessam em mudar as coisas tipicamente botam para funcionar o que são, de fato, indústrias de nicho. Eles podem conseguir assegurar um breve momento de fama para si mesmos, mas não são capazes de assentar suas realizações de forma estável, e consistentemente replicar seus insights ou corrigir suas fraquezas. O autor como individuo não pode ser uma resposta lógica de longo prazo para resolver as complexidades das questões globais mais significativas.
O mundo moderno não é, claro, destituído de instituições, apenas que a maioria delas é do tipo errado. As instituições mais poderosas são corporações comerciais com poder incomparável, milhares de empregados, um foco implacável no lucro e um interesse unifocado no lado material da vida.
Há uma exceção para isso: os pensadores que aspiram mudança devem passar algum tempo estudando as religiões. O que torna as religiões peculiares e inspiradoras nesse contexto é seu gênio organizador. O que quer que pensemos de suas ideias (esse portal é profundamente secular), as religiões não dizem respeito apenas a elas, ao contrário do que os ateístas algumas vezes cometem o erro de pensar (isto é, tomá-las no nível das ideias é portanto insustentável, porque elas são, em primeiro lugar, instituições). As religiões são enormes aglomerações de pessoas com apetite incessante por administração e burocracia. Por exemplo, o cristianismo, o judaísmo e o budismo conseguiram sobreviver por tanto tempo porque ligaram ideias amplas de salvação da humanidade com atividades “chatas” tais como gerenciar bancos, times de legisladores, centros comunitários, orquestras, movimentos jovens, retiros de fins de semana, estações de rádio, centros de palestra e desenho de vestimentas.
A esperança de Platão de que os filósofos se tornassem reis, e os reis filósofos, se concretizou parcialmente muitas centenas de anos depois de ser expressa, quando em 313 DC, graças aos esforços do Imperador Constantino, Jesus alçou à posição de chefe de uma enorme igreja cristã patrocinada pelo estado, tendo, portanto, se tornando o primeiro governante quase filosófico que foi bem sucedido em propagar suas crenças com apoio institucional.
Uma combinação semelhante de poder e pensamento é encontrada em todas as principais religiões, e são alianças que podemos admirar e com que podemos aprender, sem que precisemos subscrever a suas ideologias.
O problema com o mundo hoje não é falta de boas ideias. Temos ideias ótimas, razoáveis, belas e esclarecidas para durar cem gerações. Chega de livros! Não precisamos depurar mais as coisas. Temos que fazer o que já sabemos bem ser mais efetivo no mundo. A questão urgente é como aliar as muitas boas ideias que atualmente dormem nos recantos da vida intelectual com ferramentas organizacionais adequadas que tenham uma chance efetiva de lhes permitir realmente impactar o mundo.
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