Eu odiava o Tinder e julgava bastante as pessoas que usavam. Achava uma perda de tempo e acreditava piamente que se alguém chegava ao ponto de depender de um aplicativo pra paquerar, no mínimo não era uma pessoa com quem eu gastaria meia hora de bar.

Hoje eu tenho um perfil no Tinder.

A primeira vez que eu disse isso em voz alta, senti uma vergonha que vocês só vão entender me acompanhando em um exercício simples. Imagina que a Carol de meses atrás se materializou na minha frente e começou a rir, com direito a apontar no meu nariz, chamar os outros pra gargalhar junto e fazer uma rodinha em volta.

Essa mesma sensação de tapa na cara se repete em vários momentos da nossa vida. Dei o exemplo do Tinder porque é algo super simples e, em tese, não muda nada na vida de ninguém. Também tem aquele livro dos vampiros que você falava super mal, ou o filme popzão que tava na boca do povo e você não queria admitir que também gostava, só pra ser cult. 

E o crocs do seu pai que você achava de péssimo gosto? Compartilhava memes no Facebook e tudo, até que usou semana passada pra ir comprar pão e voltou pra casa pensando como ia explicar o fato de não querer mais calçar outra coisa.

Essas são as experiências menores, e nem por isso menos importantes. Mas existem as maiores. Aquelas em que você perde a chance de rever grandes aspectos da sua vida em nome do ego.

Me lembro bem do quanto eu dizia, quando era criança, que não queria ser como meus pais. Que eu deixaria minhas filhas irem brincar na casa dos amigos a qualquer hora, compraria todas as bolachas do mercado para elas e não as levaria ao médico quando estivessem doentes porque tomar injeção era maldade. Isso se sustentou por um período curto, afinal de contas eu cresci e percebi o absurdo do meu pensamento. Mas levou um tempo pra admitir pra mim mesma que a minha opinião havia mudado. E pior, que eu tinha dado o braço a torcer para os meus pais.

Existe todo aquele lance de não deixar de fazer coisas pensando no que os outros vão falar. Mas e quando você se priva de situações pensando no julgamento que você mesmo vai fazer sobre si?

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Entrar em algumas discussões dizendo que queria impeachment e sair gritando que é golpe, aceitar a vaga naquela empresa que você sempre criticou mas que, no fim das contas, não era tão ruim. Isso poderia render uma baita crise existencial pra algumas pessoas, porque elas se sentiriam traindo a si mesmas. E isso vai reforçando a tendência de se colocar em uma bolha pra não mudar, não aceitar que o livro X pode sim ser bom, ou que o argumento da pessoa que tá discutindo com você tem bons fundamentos. 

Parece que auto julgamento funciona como uma espécie de termômetro da vergonha de si mesmo. Até que ponto eu posso fazer ou pensar coisas sem trair meus ideais, sem mudar minha essência?

É lógico que existe uma linha tênue separando o "mudei de opinião porque ouvi um argumento sólido que me convenceu do contrário" e o "mudei de opinião porque sim". E isso vale até para o crocs do seu pai. Você começou a usar ele porque sentiu que estava pisando nas nuvens de tanto conforto e isso fez bem pra você? Ou porque viu alguém importante dizendo que é legal e só? 

Quando se fazem coisas ou se mudam pensamentos com base em bons argumentos e questões importantes pra você (e veja que “ser importante” é relativo), não há motivos pra se cobrar e imaginar seu alter ego rindo da decisão.

Porque esse pacto que você faz consigo mesmo é quebrável.  

Mudar de opinião não é deixar de ser coerente com o que você pensa. É acompanhar o movimento, a mudança, é permitir a você mesmo que exista crescimento e avanço. Fazer coisas que você jurou nunca fazer pode ser benéfico e vai te trazer experiências novas. Sufocar esses desejos é uma forma de se auto sabotar.

Depois dessa discussão toda, eu não consigo pensar em nenhuma outra coisa que não seja essa música. Em outros tempos eu tentaria me livrar do clichê só pra não ser tão óbvia, mas metamorfose ambulante diz tanto sobre esse assunto que eu vou colocar ela pra fechar esse texto sem medo de ser feliz. 

 

Carol Rocha

Leonina não praticante. Produziu a série <a> Nossa História Invisível</a>