“Medicina hay una sola, y es la que cura.”

Esta frase é atribuída a um grande sanitarista e pediatra argentino, Florencio Escardó, que sofreu duras perseguições em seu país por discordar do discurso ortodoxo da medicina convencional. Durante muitos anos usei-a em minha assinatura de e-mail e, como ela nunca mais me saiu da cabeça, acabei por incluí-la em meu livro Ecologia Celular.

Link YouTube | Segundo o Globo Repórter, a graviola pode ajudar no tratamento do câncer

Só existe um tipo de medicina, e é aquela que cura. Parece óbvio, não? Basta assistir aos inúmeros programas de televisão sobre saúde para se dar conta que a coisa não é tão simples. Peguemos a maior rede de TV: na sexta-feira, é possível assistir a um programa falando sobre o poder terapêutico das plantas e dos alimentos; no sábado, a notícia da noite é a nova vacina ou tratamento para lidar com uma doença grave e incurável; e fechamos o domingo ouvindo algum médico respeitável confirmar a reportagem engraçadinha mostrando que determinado tratamento não funciona, que não é científico, que as Sociedades Médicas não o reconhecem etc. Confuso, não? Muito.

Se a frase que dá título a este artigo tem algum sentido para você, posso lhe dizer que você acabou de tomar partido e está no meio de uma discussão de classe, de uma luta de poder entre diversos segmentos de uma profissão. Sim, a medicina vive, desde seus primórdios, numa eterna disputa entre correntes de pensamento, uma tentando eliminar a outra. E por que não trabalham em conjunto? Pelo mesmo motivo que os povos se matam desde o início dos tempos: poder.

Posso resumir o quadro atual num embate entre a medicina convencional ou ortodoxa (também chamada de medicina científica ou medicina baseada em evidências) e um grupo amorfo chamado de medicina alternativa ou complementar. Nesta briga pelo poder, quem perde são aqueles que deveriam ser os mais beneficiados: os pacientes.

O título também expressa, de alguma maneira, minha maneira de pensar a respeito de como deveria ser a atuação médica. Sou médico clínico e não me especializei em nada. Fui professor de fisiologia humana nos primeiros anos pós-formado e acredito que esta base acabou por moldar minha forma de ver o paciente. Hoje, atuo mais próximo do que chamamos de medicina integrativa (ou medicina integral). Isto significa que eu não restrinjo minha atuação numa única forma ou ideologia: posso usar quiropraxia, osteopatia ou indicar cirurgia; posso prescrever homeopatia ou medicamentos alopáticos; posso indicar psicanálise ou sugerir dançar ou fazer mais amor. Quer dizer, posso ser médico.

De novo parece óbvio, não? Mas acredite: o médico que pensa assim não pode almejar cargos importantes ou de direção numa instituição, e é melhor que guarde suas opiniões para si mesmo.  A simples menção das palavras acima o afasta de seus pares e o coloca num limbo onde será submetido a escárnio e desdém. E é provável que o coloque sob suspeita, passível de punição pelos Conselhos Profissionais.

“A simples menção das palavras acima o afasta de seus pares e o coloca num limbo”

Existem várias razões para isto acontecer, mas a medicina de hoje em dia está assentada sobre alguns paradigmas que devem ser rompidos para que ela volte a ter o status que tinha no passado e o médico recupere a autonomia de decidir o melhor para seus pacientes, algo hoje inexistente. Como disse uma vez José Antonio Campoy, diretor de uma das melhores revistas de saúde que já li, a espanhola Discovery DSALUD:

“O atual paradigma médico está morto, e o pior é que nem os médicos, nem os pacientes sabem disso!”

Exagero? Vamos ver.

A teoria da bala mágica

Este termo (magic bullets) foi cunhado pelo ganhador do Nobel de Medicina de 1908, Paul Ehrlich, ao explicar seu conceito de que cada doença estaria atrelada a um alvo molecular, bastando assim encontrar as drogas que se ligassem a esses alvos. Ao serem administradas, atingiriam apenas o alvo da doença, deixando intactas as outras células do organismo.

Foi em cima deste conceito que a medicina passou a depender cada vez mais da química, dando início à grande parceria entre esta indústria e a prática médica. Como expliquei no artigo sobre potencial zeta, esta interdependência chegou ao campo das ideologias quando, no início do século passado, os governos europeus começaram a criar políticas proibindo as pesquisas e terapias que não fossem de base química.

Todos nós fomos criados segundo esta ideologia e, por isso, não achamos estranha a ideia propagada cotidianamente de que existe para cada doença, uma cura. A TV nos mostra isso a todo instante. Comeu demais? Há um remedinho para isso. Bebeu demais? É só abrir um envelope e misturar com água. Dor de cabeça? Há uma pílula para isto. Por isso achamos que precisamos de remédios para controlar a pressão, para baixar o colesterol, para controlar o diabete… Basta irmos ao médico e contarmos nosso problema para ele estabelecer um diagnóstico e definir o remédio correto. Pode parecer perfeitamente normal para você, mas aí está o resultado da ideologia que citei acima: que existem enfermidades que devem ser combatidas com drogas. E ainda acreditamos que esta droga atua somente naquilo com a qual ela se propõe a lidar.

Pode parecer lógico, mas é somente a interpretação química do conceito da bala mágica de Ehrlich. Uma outra forma se explicá-la seria assim: o caçador dá um tiro, a bala atravessa a floresta, desvia da árvore, passa por cima das rochas, desce em direção ao vale para finalmente atingir a caça lá embaixo. Estranho? Ué, então por que você acha mais fácil acreditar que tomando uma pílula que entra pela boca, cai no estômago, é absorvida no intestino, chega à corrente sanguínea, passa pelo fígado onde é metabolizada, segue até encontrar a área lesionada (e somente essa área), para finalmente entrar na célula afetada e fazer seu efeito? Mágico, não?

Não precisamos ser muito espertos para descobrirmos que a base farmacológica da medicina é sustentada por um conceito abstrato criado há mais de cem anos e o que a indústria farmacêutica tem feito desde então é tentar convencer os médicos e a população de que esta é a única teoria científica.

E dá-lhe departamento de marketing para lidar com os problemas desta teoria furada! Quer um exemplo? O próprio nome efeito colateral já é uma invenção mercadológica. A ciência chama de efeito secundário ou indesejado. Este efeito não tem nada de inesperado: é o efeito da droga mesmo. Achar que ela atua somente naquele local ou naquela célula é um raciocínio que não tem nada de científico. A droga não tem esta especificidade que tentam nos mostrar.

What the Bleep!? Down the Rabbit Hole
Quem Somos Nós? Uma Nova Evolução

É por isso que me diverti ao assistir no final do DVD , traduzido aqui como (meu amigo Gustavo Gitti tem uma síncope cada vez que alguém fala neste filme). O físico John Hagelin, criador da Teoria dos Campos Unificados, está numa mesa-redonda e profere esta frase emblemática:

“O problema das pessoas é achar que a comunidade científica é científica.”

A audiência cai na gargalhada diante da afirmação feita por um cientista.

Eu chego a brincar em minhas palestras que “todo cientista é um poeta”. Na verdade, eu quero dizer que muito daquilo que muitos consideram ciência está baseado em teorias não comprovadas. É por isso que considerado um erro semântico tomar a medicina ortodoxa como medicina científica.

Sendo sincero, precisamos de uma boa dose de crença para acreditar na ciência. Não é piada. Recomendo o livro O Cérebro Emocional, do neurocientista Joseph Ledoux. Ele conta a história da neurociência desde os primórdios até os dias atuais. Você ficará impressionado ao descobrir que muitos dos conceitos sedimentados pela ciência são, na verdade, abstrações.

Nenhum problema nisso, mas o que me chama a atenção é que vem alguém e baseia todo o seu pensamento num conceito. Nenhum problema nisso, mas seus defensores acabam por acreditar naquilo como verdade absoluta e perseguir os detratores da “verdade”.

A falácia do racionalismo

Não estou aqui criticando o racionalismo científico, mas apenas desmistificando-o. A atuação médica ortodoxa se baseia e é defendida pelos seus seguidores numa imagem de cientificismo patrocinada pela indústria química e farmacêutica. Que, na prática, são subsidiárias da indústria petrolífera, já que a maioria de seus produtos é derivada do petróleo.

Pode até ser científica, mas está substancialmente atrasada. A atuação médica atual se baseia exclusivamente na física newtoniana, algo que data do século XVIII. Não, eu não estou excluindo a física newtoniana, mas estou cansado de ter de ouvir de meus colegas que eles não acreditam em outras coisas, como física quântica, por exemplo. Eu me divirto ao ouvir isto e respondo: “então você não acredita em ressonância nuclear magnética, nem nos supercondutores que movimentam o trem-bala?”

Outros mais espertos rebatem: “mas a física quântica só funciona no campo das coisas infinitamente pequenas, não com corpos materiais mais densos”. Se você é um desses, aconselho a ler o livro A Ciência e o Campo Akáshico, de Ervin Laszlo. Lá, você aprenderá que os princípios da física quântica se aplicam a todos os corpos, inclusive os celestes, incluindo planetas, sóis e galáxias. Quanto mais no seu corpinho.

É, de novo, a crença… a crença na física newtoniana e no seu deus, a lesão tecidual, que faz o médico dizer para você: “não sei por que você está sentindo dor, pois seus exames não mostram nada”. Na medicina lesional, se não há lesão, não há doença. Em compensação, se há lesão, basta retirá-la ou tratá-la que você estará curado.

Essa dor no estômago pode ser curada. Basta retirar o estômago

Não há nada de racional na crença de que extirpando a lesão, o problema está resolvido. Não há nada de racional na crença de que se o estômago está inflamado, é só usar um remédio para diminuir a acidez durante o resto da vida. Não há nada de racional na crença de que basta retirar a vesícula cheia de cálculos para resolver seu problema. Na verdade, o que está agredindo a mucosa do estômago, o que está produzindo cálculos na vesícula? A atuação médica não se preocupa com essas questões:

“Eu já tirei sua vesícula. Sua cirurgia foi um sucesso. Acho que esta dor é psicológica. Você deve estar estressado. Eis aqui um remedinho para tratar sua ansiedade.”

O corpo não adoece por partes

Não há qualquer lógica na crença de que o corpo adoece por partes. A tiroide está ruim? Extirpe-a. O fígado está baleado? Trate-o. E pronto! Você está curado.

Volto a este tema mais uma vez: não é culpa de seu médico, mas do tipo de medicina ensinado nas universidades. Os profissionais são treinados para pensar e atuar desta maneira. Caso você assim não queira, será considerado um pária, um crítico da profissão, passível de punição pelos Conselhos Médicos.

O Dr. Jayme Landmann escreveu um livro que li durante meu curso médico, chamado A Outra Face da Medicina – Um estudo das ideologias médicas. Escrito em 1984, ele já decretava:

“O estudante de medicina entra na faculdade um idealista e sai um cínico.”

Forte, não? Também acho, mas você já foi atendido num pronto-socorro público? Já foi consultado por um médico em cinco minutos? Leia de novo a frase do parágrafo anterior.

House também já foi um idealista

Quer entender como esta ação é sutil? Recentemente houve um encontro sobre câncer nos EUA. Nem preciso estar lá para saber que estão sendo discutidas terapias com vacinas, novas drogas, novos métodos de detecção precoce… Mas eis o que o Landmann falava em seu livro:

“O enfoque científico das causas do câncer é distorcido por pressões políticas e econômicas. Fala-se muito em comportamento individual e câncer e, assim, apela-se para uma modificação de hábitos, no sentido de diminuir sua incidência.
A sociedade atual oferece pouca oportunidade de escolha para que alguém possa decidir onde viver, onde trabalhar, que atmosfera respirar, que alimento comer, que anúncios ver e ouvir. Uma redução significativa de substâncias cancerígenas no trabalho, na atmosfera, nos alimentos só poderá vir de uma ação política organizada.  O câncer pode ser prevenido. Os fatores políticos que bloqueiam essa prevenção, aliados de forças econômicas, devem ser denunciados, combatidos e propalados.
A comunidade médica ainda não se posicionou como deveria. As próprias escolas médicas deveriam mudar o enfoque tecnológico em relação ao câncer, abolindo a visão puramente científica para uma visão sociopolítica e econômica.
A prevenção do câncer é uma matéria idêntica à inflação, ao desemprego e a outros grandes problemas nacionais. A arena de sua discussão não é a Academia de Medicina ou a sociedade médica. É o parlamento. É o comício!”

Quantas vezes você ouviu um político com este discurso? Nenhuma, né? Mas político dando remédio de graça tem bastante, concorda?

E você aí, não acreditando em ideologias…

O que é ato médico?

Em seu livro As Razões da Terapêutica, Eduardo Almeida considera todas as etapas do ato médico como sendo terapêuticas: o escutar, o examinar, a solicitação do exame complementar, o aconselhamento, a interdição, a dietética e a prescrição. Até mesmo a diagnose assume dimensões terapêuticas, principalmente nas sociedades altamente medicalizadas, onde a busca do “saber o que tenho” costuma ser a primeira demanda do paciente. Na verdade, apenas o exercício mental (raciocínio clínico) do médico pode ser considerado como não terapêutico.

Se antes o médico atuava engajado no resultado terapêutico, o modelo que se desenvolveu por influência da escola norte-americana desde a década de 1970 foi paulatinamente retirando do médico este poder. Pode parecer estranha esta afirmação, mas com uma leitura mais acurada o quadro começa a se delinear com mais clareza. Vou resumir o pensamento do Dr. Eduardo:

Nestas últimas décadas, a terapêutica foi assumida quase que exclusivamente pela indústria farmacêutica – produtora da pesquisa, do medicamento e da informação (marketing). O médico tornou-se um mero receptor de informações oriundas da indústria farmacêutica. Não houve nesse fato, ao contrário do que muitos pensam, usurpação de um direito do médico. Houve uma concordância e, mesmo, uma delegação: o médico delegou a produção do saber terapêutico à indústria farmacêutica.
O estudo do saber médico perde o foco no paciente, no enfermo, para se voltar ao modelo da produção de conhecimento sobre as doenças. Com isso, acabou por atribuir erroneamente um lugar secundário à terapêutica. Foi a ênfase no modelo newtoniano (mecânico-causal) que acabou por criar uma ciência das doenças e os médicos passaram a serem investigadores. O processo de intervenção com fins terapêuticos perdeu seu lugar, foi empurrado para a periferia do núcleo de preocupação da medicina. No plano do ato médico consumou-se o domínio da diagnose sobre a terapêutica, do diagnóstico sobre o tratamento.
A terapêutica médica atual ficou cada vez mais reduzida ao uso de medicamentos e à cirurgia, instâncias em que é possível a busca de cientificidade, segundo o modelo dominante. A pergunta que os médicos deveriam fazer é: a terapêutica é um campo onde se possa aplicar uma razão exclusiva?
O ato médico sempre se equilibrou entre o conhecer (diagnóstico) e o agir (terapêutica). Na medicina ocidental contemporânea a balança de desequilibrou substancialmente, com o diagnóstico ou diagnose (ciências das doenças) sobrepujando a terapêutica. Desconhecer esse fenômeno produz uma separação perigosa; ou seja, quanto mais a medicina se aprofunda na busca do diagnóstico, mais difícil se torna encontrar correspondência direta no plano da terapêutica, já que os recursos terapêuticos se encontram em outro plano.
A terapêutica não é um campo dependente da diagnose, pois tem brilho e personalidade próprios. Grande parte da conduta médico-terapêutica não encontra amparo nas teorias médicas, e sim na cultura, na vida socioeconômica, na ideologia e na experiência do terapeuta. A terapêutica deve ter como principal parâmetro de avaliação o resultado, e não a coerência lógica de seus pressupostos; assim, não haveria incompatibilidade entre os vários sistemas terapêuticos. A prática terapêutica se sustenta, empiricamente, na própria terapêutica; não há, portanto, a necessidade de ser validada pela fisiopatologia. Não caberia, assim, à terapêutica o ônus principal de demonstrar os fundamentos e possíveis mecanismos envolvidos.
A terapêutica é um campo de afirmação do empirismo – ou, dito de outra forma, a manifestação de uma ciência empírica. O empirismo nos ofereceu não só a maioria dos medicamentos, mas também a possibilidade de considerar a interação do medicamento com a complexidade e a singularidade do organismo. Contrapõe-se, assim, à característica fundamental do medicamento segundo a lógica racionalista – a ação do medicamento definida pela estrutura química sem considerações sobre o organismo receptor. Os livros que descrevem os fracassos da medicina ao longo da história mostram a realidade do desenvolvimento médico. Apesar de até rirmos de determinadas práticas medievais, milhões de pessoas continuam morrendo ainda hoje por conta das intervenções médicas aprovadas pela ciência.

Se você não concorda com estas conclusões, não se preocupe. Desde Hipócrates, o pensamento médico se move entre essas duas tendências básicas: o racionalismo e o empirismo. A evolução médica produziu inúmeras rupturas e mudanças, mas não rompeu a essência desse processo.

“O que eu faço agora, Hipócrates?”

Mas é impossível reconhecer o brilhantismo das observações do Eduardo Almeida. Para ele, ao contrário do que poderíamos pensar, a hegemonia da diagnose não surge com a medicina ocidental contemporânea, mas acompanha o pensamento racionalista na medicina. O problema atual apenas é mais sério, pois acentua, na prática, o descompasso entre diagnose e terapêutica. E se você acha que isto significa a vitória do discurso mecanicista, a simples observação de que mais de 90% dos medicamentos foram (e são) “produtos do empirismo” mostra que o campo da terapêutica ainda não entregou os pontos. Tanto é verdade que descobrir o mecanismo ou a causa de muitas doenças (inclusive as mais simples) não implica na descoberta da terapêutica apropriada.

A medicina evoluiu tanto, mas não consegue dizer por que as pessoas têm soluços. Ou por que o nariz escorre quando colocamos os pés no chão.

Os protocolos

Não ache que somente os médicos ortodoxos são os atingidos por esta forma de pensar. Mesmo os ditos alternativos, mesmo aqueles que reconhecem que “existem enfermos, não enfermidades”, assim que veem seus pacientes, os catalogam como pessoas que sofrem desta ou daquela enfermidade. E, sem tirar a responsabilidade do paciente, quantas vezes você foi ao médico e perguntou: “mas doutor, o que eu tenho?

Ao catalogar cada paciente com uma doença, posso procurar em meus livros ou na memória a maneira de tratá-lo. Todo estudante e recém-formado possui seu livro de diagnósticos e esquemas terapêuticos que servem a todos os doentes. À medida que o tempo passa, mais ele abandona o livro e segue sua experiência, e por que não dizer, sua intuição (uma palavra que os médicos odeiam).

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Sempre foi assim, desde que o mundo médico é mundo.

Com o passar do tempo, os médicos foram se especializando em áreas específicas. De tal maneira que foi necessário reuni-los em Sociedades Médicas (Sociedade de Cardiologia, de Ginecologia e Obstetrícia etc.). Essas Sociedades passaram a ser os órgãos de discussão das especialidades, definindo padrões de conduta e estabelecendo os chamados Protocolos Terapêuticos.

Isso parece bom, não? Protege o paciente, não?

Será?

Uma análise simples poderia dizer que sim, mas observemos o perigo embutido neste pensamento. Se antes os protocolos serviam como base, o problema agora é mais amplo: eles se tornaram quase que obrigatórios. Não digo que são obrigatórios, pois sempre existem aqueles que se dão conta de seus inúmeros fracassos a despeito do tratamento “correto” ou que ficam cansados de repetir tratamentos que não curam, apenas mascaram sintomas e cronificam as doenças. Mas estes, ao sair do manto protetor do “protocolo”, se tornam presas fáceis dos Conselhos Médicos: “você não fez o que preconizava a sua Sociedade Médica.” Se sigo o preconizado e o paciente não melhora, ou mesmo vem a falecer, o discurso é: “fiz o que devia; segui o protocolo.”

Antes se seguia o protocolo apenas por preguiça ou falta de segurança. Agora, não segui-lo é avançar sobre um terreno muito perigoso.

A formação médica

A formação médica atual é voltada para a formação de um tipo específico de profissional: os que estão aptos a implantar tratamentos a base de protocolos. No livro Ecologia Celular, ilustrei assim este ponto:

“(…) Baseado na localização da disfunção celular há um sintoma ou um grupo de sintomas correlacionados; estes sinais mostram que algo está errado e que algo deve ser feito. A medicina as chama de doenças e suprimir os sintomas não significa erradicar a doença. Não há a menor racionalidade científica nesta abordagem. Imagine que repentinamente acenda a luz do óleo do seu carro e, em vez de parar para verificar o nível do óleo do motor, você pare num autoelétrico e peça ao mecânico para desligar a lâmpada; agora ela não vai mais incomodá-lo e seu motor pode “fundir tranquilamente”. Tentar suprimir os sintomas, esse grito de ajuda celular, é permitir que o processo se instale cada vez mais profundamente; é de uma ignorância atroz. É um assassinato legalizado pelo treinamento nas escolas médicas.
E por que esta situação não muda? Numa única palavra – e sem condescendência: dinheiro! Na década de 1980, um executivo da indústria farmacêutica deu uma bombástica entrevista ao jornal norte-americano Herald Tribune afirmando: “O primeiro desastre é se você mata as pessoas. O segundo desastre é se as cura. As drogas de verdade são aquelas que você pode usar por longo e longo tempo”.
O Dr. Francisco Humberto Azevedo diz: “Se as escolas brasileiras de medicina não ensinam a seus alunos oxigenoterapia hiperbárica, acupuntura e homeopatia, reconhecidas como especialidades médicas há mais de uma década, como esperar que informem sobre outros métodos terapêuticos praticados em outros lugares do mundo? Quem quiser aprender algo diferente, terá que buscar no exterior e, na volta, correr o risco de ter seu registro cassado”.
O Dr. Eduardo Almeida, em seu livro O Elo Perdido da Medicina, diz que o currículo das escolas médicas do mundo todo é elaborado de maneira a garantir que os alunos saiam de lá treinados para corrigir os sintomas. Seus hospitais e centros de pesquisa são financiados pelas grandes indústrias farmacêuticas que investem milhões de dólares para ter certeza de que os futuros médicos não aprendam homotoxicologia e bioquímica nutricional, as duas principais matérias para o tratamento da doença celular.
Imagine o risco para estas empresas se a medicina questionasse sua própria toxicidade, cirurgias desnecessárias, remoção desnecessária de órgãos, radiação e quimioterapia; se médicos perguntassem: “Mas, professor, por que prescrevemos drogas que suprimem os sintomas e produzem múltiplos efeitos colaterais?” A profissão médica está assentada na supressão dos sintomas, mas sintomas não são doenças. São sinais de alerta que nos indicam que algo deve ser feito: mudança de hábito alimentar, de estilo de vida, desintoxicação, reposição de nutrientes, afastamento de ambientes e pessoas tóxicas.
Pense nisso!”

E os alunos? Não deveriam gritar e pedir mudanças em seu ensino? Sim, deveriam, mas acabam coniventes com este estado de coisa. Uma vez perguntei ao Eduardo Almeida, professor da Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ), sobre isso. E ele me respondeu: “Carlos, tem aluno que se levanta no meio da aula e sai indignado com as coisas que eu falo; alguns, com raiva, chegam a bater a porta da sala.”

O próprio Dr. Jayme Landmann explica o que considero as raízes deste fenômeno no livro que já citei. Para ele, a classe médica é dividida em três grupos principais: a do tipo A, a do tipo B e a do tipo C. Os médicos tipo A são os detentores das cátedras nas universidades, são os presidentes de sociedades médicas, são os diretores de hospitais e serviços renomados. Os médicos do tipo B são aqueles que querem subir de posto e se tornar A um dia. Na verdade, são os que alimentam os A de pacientes, de elogios, os que votam neles e fazem campanhas para sua permanência no cargo. Aqui a relação é simbiótica: um depende do outro. Os do tipo C são a maioria que não quer – e muitas vezes nem pode – almejar ser A ou B.

Há um grupo que cresce cada vez mais e que não foi abordado pelo Dr. Landmann. Identifico como sendo aqueles que se rebelam e resolvem mudar. São aqueles que não aceitam mais serem empregados de clínicas, que não querem mais depender de seu emprego público mal remunerado e com péssimas condições de trabalho. Ou simplesmente aqueles que não querem ser médicos convencionais por não acreditarem neste tipo de medicina, seja por crer em outras alternativas, seja por ter se decepcionado com o resultado de sua prática até então. São os que buscam alternativas de tratamento para seus pacientes. Com um mercado alternativo crescente, existem aqueles que buscam somente (se é que isso existe) ganhar algum dinheiro, mas este é um tema que não vou abordar aqui.

Imagine, então, o aluno de uma faculdade de medicina que está num curso que aufere tamanho poder sobre a vida das pessoas. Imagine que ele esteja estudando numa faculdade particular, pagando mensalmente valores entre R$ 2 mil e R$ 7 mil reais. O que este aluno quer ouvir na sala de aula? Que abobrinha e brócolis fazem bem à saúde ou sobre a mais moderna técnica para colocação de um cateter cardíaco ou qualquer outra coisa que o valha?

Inclua aí um jogo muito mais amplos de interesses. Da indústria de equipamentos médicos às revistas especializadas. Da indústria farmacêutica que gasta milhões de dólares para criar uma droga (e bilhões de marketing para divulgá-la) às revistas e telejornais que vendem a imagem de que a cura do câncer está próxima, que uma nova vacina para a AIDS está pronta para ser usada em seres humanos, que descobriram uma pílula para curar a (___________). (Preencha com a doença que preferir.)

A publicidade de medicamentos está cada vez mais criativa, não?

E não julgue este mundo sem entender todo o processo. Se você for o editor de um jornal ou revista semanal, qual é a notícia que você acha que vende mais? A do brócolis? E os anunciantes, então? Em qual revista eles irão colocar seus anúncios?

Como você já pôde perceber, as peças deste jogo estão na posição necessária para manter tudo como está. Para você ter uma ideia, o Dr. Landmann foi processado eticamente pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro por causa da publicação do livro do qual falei antes. A acusação: denegrir a imagem da medicina. É claro que esta saga gerou outro livro: A Ética Médica sem Máscaras, mas não é o tema deste artigo.

Cassações, demissões, perseguições, desacreditações… O enredo deste samba dá um bom material para um livro de suspense, ação e espionagem. Ou, pelo menos, uma novela mexicana.

A manutenção do poder

Max Planck disse uma vez: “Uma nova verdade científica triunfa não porque convença seus oponentes fazendo-os ver a luz, mas por eles eventualmente morrerem e uma nova geração crescer familiarizando-se com ela. Na mesma linha, Schopenhauer escreveu: Toda verdade passa por três fases: primeiramente é ridicularizada; depois, violentamente negada e, por fim, aceita como evidência.”

Jayme Landmann morreu em 1992, assim como muitos dos que o processaram. Seus livros e ideias fazem parte da história da medicina, mas isto não quer dizer que podemos falar livremente destes temas na área médica. Chegará o dia em que o que escrevo aqui será tema de discussão nas universidades. Até lá…

Até lá a engrenagem do sistema continua girando. Imaginemos um chefe de departamento ou de uma cátedra numa universidade. É ele que determina as linhas a seguir em seu setor: o que será investigado, o que será ensinado, o que será debatido… Os demais professores e pesquisadores encontram-se sob seu domínio. Que tipo de bibliografia, quais autores, que revistas indexadas são aceitas… tudo necessita de aprovação da chefia. Se algo está fora da ordem estabelecida, não existe… e pronto!

Com isso, se garante que os médicos saiam aptos a operar sofisticados aparatos tecnológicos: ressonância nuclear magnética, tomografia axial computadorizada, analisadores farmacológicos e genéticos. Se observarmos o avanço da medicina nas últimas décadas, veremos que, na verdade, ela se beneficiou de métodos desenvolvidos por matemáticos, físicos, químicos, engenheiros, informáticos… Em suma, modernos aparelhos que fazem os médicos parecerem estar na vanguarda da ciência, mas na realidade não são nem eles que os operam. Sem esse aparato, a medicina não teria avançado tanto quanto está no imaginário popular.

O currículo médico está limitado à física newtoniana de causas e efeito. Quantos médicos ou estudantes de medicina conhecem o trabalho de alguns dos cientistas mais influentes do século XX: Karl Pribram, Heisemberg, Schrödinger, Laing, Bateson, David Böhm, Ken Wilber, Allan Watts, David Lorimer, Stanislav Grof, Linus Pauling, Francisco Varela, Henderson, Ervin Laszlo, F. David Peat, Richard Berger, Stanley Krippner, Rupert Sheldrake, Larry Dossey, David Lorimer, Michael Talbot, Peter Russell, Daniel Goleman, Claudio Naranjo, B. Grifiths, James Lovelock, Fritjof Capra?

A ditadura da medicina farmacológica impede que os médicos tenham acesso ao conceito de matriz extracelular desenvolvido por Alfred Pischinger, cujo livro escrito em 1975 permanece fora da bibliografia ensinada nas universidades brasileiras. Ignora a continuidade que James Oschman deu aos trabalhos de Albert Von Szent-Györgyi sobre energia e o sistema de informação subjacente ao sistema nervoso. Enfim, poderia escrever parágrafos e mais parágrafos falando de pesquisas de alta complexidade sendo feitas no mundo inteiro que mostram que basear o tratamento médico ao modelo newtoniano está totalmente superado.

Para avançar além do próprio umbigo, a medicina deveria estar discutindo esses novos conceitos para entender como aplicá-los à prática clínica. É difícil de se crer, mas o fato é que a chamada medicina científica está uns 50 anos defasada dos conhecimentos científicos de vanguarda.

O mais comum é encontrar médicos que dizem que alguns conceitos não são “científicos” ou que eles “não acreditam nisso”. Como se a medicina estivesse no campo da crença. E mais do que acreditar na sua “verdade”, esses médicos acabam lutando para manter o status quo. Como se ele fosse bom… Estou errado?

Vejamos.

Os médicos estão entre os profissionais de saúde que mais anos de estudo necessitam antes de entrar no mercado de trabalho. Logo depois de formados ainda têm de se submeter à exploração de hospitais e clínicas que os usam como mão de obra barata. Diz-se que são necessários dez anos de formado para se estabelecer em sua profissão. Num mundo onde temos presidentes de empresas antes dos 25 anos parece demasiado, não?

Analisemos o estado de saúde física e mental da classe médica: sofrem o dobro das patologias mentais do que o resto da população, são os que usam três vezes mais tóxicos, os que se suicidam três vezes mais… É uma das classes com mais alto grau de insatisfação profissional e de remuneração. Se sentem explorados tanto no sistema público quanto no privado. Mais da metade, se pudesse, abandonaria a profissão. A razão básica: esgotamento emocional por despersonalização (desumanização) que sofrem.

E o que fazem os órgãos médicos? Lutam por bandeiras práticas, como melhores salários, melhores condições de trabalho, tabelas de remuneração justas com os convênios… Bandeiras estas que nunca resolverão os problemas que citei acima. E ainda, num perfeito trabalho coordenado com a ideologia dominante, persegue aqueles profissionais que criticam este modelo. Vai entender…

Como diria o poeta marginal: o buraco é mais embaixo.

Vislumbrando uma saída

O saber médico só retomará sua autoestima e autonomia quando passar a desmistificar o modelo do desenho racional do medicamento e, por consequência, a imagem de cientificismo patrocinada pela indústria farmacêutica e apropriada pela medicina. O desenho racional do medicamento seria um modelo idealizado em que teríamos um determinado medicamento previamente desenhado (ação e mecanismo de ação) para agir em determinada doença. Ou seja, descobre-se e conhece-se um medicamento para depois usá-lo em uma doença com mecanismo semelhante.

Isso quase nunca ocorreu na história da terapêutica química moderna. Os medicamentos têm sido descobertos ao acaso, nos processos de testagem em massa (screening) e na modificação de moléculas (cópias). Essas evidências corroboram a afirmação do famoso médico empírico Celsus, contemporâneo de Galeno:

“O remédio não é uma descoberta que segue um fundamento, mas só após a sua descoberta é que se lhe busca o fundamento.”

Enquanto este mito não for desconstruído, permanecerá a errônea noção de que a terapêutica médica se sustenta apenas no conhecimento biomédico e na farmacologia. Se fosse assim, como explicar o trabalho da Dra. Lynn Payer sobre a influência da cultura no estilo de pensamento médico?

Ela analisou a prática médica em quatro países e descobriu que o diagnóstico e a terapia variam de lugar a lugar: em um, pode ser reconhecida oficialmente; em outro, ser considerado um procedimento condenável (malpractice). Se você pensou em países de terceiro mundo, se enganou: segundo ela, na França, os médicos diagnosticarão sintomas imprecisos como espasmofilia ou algo a ver com o fígado; na Alemanha, explicarão que é devido ao coração, queda de pressão arterial ou distonia vasovegetativa; na Inglaterra, receberá o diagnóstico de distúrbio emocional, como depressão; e nos EUA, é provável que o diagnóstico seja de virose ou de causa alérgica.

Na Inglaterra, depressão; na Alemanha, queda de pressão arterial

Humm… Interessante, não? Quantas vezes você já foi ao médico aqui no Brasil e recebeu o diagnóstico de “virose”, “alergia”, “dor de crescimento”? Bem científico, não?

Na França, se usam menos procedimentos invasivos nas UTIs do que nos Estados Unidos, mas os pacientes se recuperam da mesma maneira em ambos os países. O termo alemão Herzinsuffizienz, frequentemente traduzido como insuficiência cardíaca, na verdade não tem tradução na Inglaterra, França ou EUA, pois não é considerada uma doença. Coincidentemente ou não, os alemães usam seis vezes mais remédios para o coração do que os franceses ou ingleses.

Existem mais de 90.000 quiropraxistas no mundo todo e a profissão sequer é regulamentada no Brasil. Os norte-americanos atravessam a fronteira com o México para se tratarem de câncer com procedimentos que são proibidos em seu país. O ozônio é largamente utilizado na Alemanha, mas no Brasil é proibido pela ANVISA.

Onde está a racionalidade científica?

Somente resgatando a autonomia terapêutica em relação às teorias médicas e aos modelos explicativos do adoecimento irá trazer à tona a individualidade. Só assim a medicina resgataria sua dimensão de arte capaz de lidar com a singularidade de cada enfermo.

Não caia na tentação de acusar este artigo de ser contra o diagnóstico. O valor da diagnose não está sendo desconsiderado. Diferença é sutil, e existem diagnose e diagnose, mas como diz Eduardo Almeida: “não é indispensável o diagnóstico da entidade nosológica (agente causador) para se estabelecer uma terapêutica.”

Também não cabe negar os avanços proporcionados pela terapêutica química atual. Apenas está sendo feita uma crítica ao pensamento simplificador e aos interesses econômicos, que “fecham os olhos” a uma série de evidências fundamentais que deveriam estar conduzindo a atuação médica para um plano mais eficiente e seguro.

É por isso que quando vejo alguém proferindo um discurso sobre a ética ou que determinado atitude foi tomada pensando no bem da população, o primeiro pensamento que me vem à cabeça é: tem dinheiro e/ou poder envolvido na história.

Simplificando: o discurso ético é o último recurso do canalha.

Nota do editor: o artigo original foi dividido em duas partes para que o leitor pudesse se aprofundar em cada trecho com mais afinco. Publicaremos em breve a segunda parte do artigo.

Carlos Braghini Jr.

Médico, foi pesquisador em Fisiologia Humana e professor universitário. O questionamento em relação aos rumos da medicina convencional o levou aos EUA, onde aprofundou seus estudos sobre a quiropraxia e a naturopatia. É membro da Texas State Naturopathic Medical Association. Participa do Grupo de Estudos sobre Medicina Complementar e da Comissão Pró-Regulamentação da Quiropraxia no Brasil. É palestrante e escritor, e atua em seu consultório no Rio Grande do Sul. Site: <a>ecologiacelular.com.br</a>. Twitter: <a href="http://twitter.com/#!/cbraghini">@cbr"