Será que a evolução pode explicar o ciúme humano?

Situação hipotética 1:

sua namorada chega de viagem e lhe conta que, durante aquele feriado que vocês não se viram, ela foi para a praia com as amigas e aconteceu algo que não deveria ter acontecido. Ela foi para a balada, ficou de lado enquanto as amigas arrumavam companhia, acabou conversando com um cara, bebeu bastante, e se despediram.

No dia seguinte, eles se encontraram na praia, passaram o dia conversando e se conheceram bem. Não rolou nada físico, mas ela acabou se apaixonando por ele. Depois de muito refletir, ela não quis abrir mão do relacionamento com você e desencanou do cara.

Situação hipotética 2:

sua namorada chega e lhe conta que, durante aquele feriado que vocês não se viram, ela foi para a praia com as amigas e aconteceu algo que não deveria ter acontecido. Ela foi para a balada, ficou de lado enquanto as amigas arrumavam companhia, acabou conversando com um cara, bebeu bastante, e acabou transando com ele.

No dia seguinte, ela percebeu a besteira que fez, se arrependeu completamente e nunca mais falou com o fulano.

Em qual das duas situações você se vê desculpando sua namorada mais facilmente? Se você é homem e tivesse sensores em seus dedos, como aqueles de máquinas detectoras de mentira, certamente teria registrado bem mais stress e nervosismo na segunda situação.

Apaixonar tudo bem, mas dar pra alguém nunca!

Mas pergunte para sua amiga – recomendo que não pergunte para sua namorada, mulher ou afins, sob risco de ser mal compreendido – qual das duas situações ela acha pior. A maioria das mulheres responderá que acha que, o homem se apaixonar por outra é muito pior do que transar apenas uma noite.

Quem vai nos ajudar a entender o porquê disso é o pai orgulhoso da foto aí embaixo:

– Orgulho do papai, meu filhão herdou tudo de bom da minha família, tem o tamanho do avô!

O filhote aí em cima é um cuco. Já o pai dele não, pelo menos o “pai” que cuida e alimenta ele. Na verdade uma fêmea do cuco deixou um ovo no ninho de uma outra espécie, o filhote dela nasceu antes, jogou todos os outros para fora do ninho, e agora aproveita sozinho a casa.

Estão entendendo onde quero chegar?

Por mais batido que seja falar isso, homens e mulheres são diferentes. Física e mentalmente, fomos selecionados para finalidades diferentes, a mulher para ter e cuidar dos filhos, e o homem para se reproduzir e garantir provisões para a mulher e os filhos. Sei que os tempos são outros, as mulheres são muito mais independentes, e esse texto pode estar soando machista. Mas se aceitamos que os corpos feminino e masculino mostram essa diferença, temos que aceitar que o cérebro também deve refletir isso.

Homens e mulheres que não deram o melhor de si para se reproduzir simplesmente não deixaram nenhum descendente para contar a história. Dito isso, vamos pensar nas consequências. Quando uma mulher engravida, ela tem certeza que é a mãe – isso pode parecer meio óbvio agora, mas garanto que vai ser relevante.

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Durante os últimos meses da gravidez, e os primeiros anos da(o) filha(o), pelo menos até a criança poder andar relativamente bem, ela vai depender muito do companheiro para conseguir mais alimento e proteção – pense na mulher das cavernas, representante de milhares de anos da nossa história, não na empresária com uma babá.

Com isso em mente, pense nos problemas trazidos pela infidelidade do marido.

Se ele apenas (um apenas bem grande) transou com outra, problema dela e da família dela se engravidar. Contanto que ele invista o tempo e o cuidado dele em você, não existem grandes problemas. Agora se ele está apaixonado por outra, isso quer dizer que ele vai deixar de investir o tempo e o cuidado dele em você, para investir naquela maldita.

E você, homem zeloso que leu o texto até aqui, o que tem a ver com isso?

Sua mulher tem certeza de que é a mãe, agora e você, quem lhe garante que é o pai? Olhou de novo para o cuco ali em cima? Qual a conseqüência da sua mulher se apaixonar por outro, se não rolou nada? Quase nenhuma.

Agora, se ela transou com outro… Se ela transou com outro, quem garante que o filho, no qual você vai investir todo seu tempo e dinheiro, ou pelo menos investiria nos últimos milhares de anos sem teste de paternidade, vai te trazer o retorno esperado e passar os seus genes adiante?

– Ah Capitu! ; Machado, esse sim entendia da coisa

O prejuízo da infidelidade sexual feminina é muito maior do que o inverso.

Nesse caso, os pais que criaram filhos de outros homens não deixaram seus genes na população. Enquanto os Ricardões e os ciumentos garantiram seu sucesso.

Como efeito disso, em boa parte das culturas, a traição feminina é punida com separação, violência, prisão, e até mesmo a morte. Enquanto a masculina geralmente não é nem mencionada.

Já casos de assassinato dificilmente têm um peso diferente de acordo com o gênero. Em muitos casos de estupro feminino, os homens das mulheres violentadas são mais traumatizados do que elas, chegando ao ponto de alguns preferirem que elas tenham marcas de violência, como forma de demonstrar que houve resistência.

Theodore Dobzhansky, biólogo evolucionista, declarou:

“- Nada em Biologia faz sentido, a não ser sob a luz da evolução.”

E, quem diria, ele acertou até na dor-de-corno!


Obs1: A discussão do texto é sob o ponto de vista evolutivo, infelizmente generalizações se fazem necessárias.

Obs2: O Gustavo me avisou que, por coincidência saiu recentemente um texto sobre o mesmo tema, do Contardo Calligaris [para assinantes apenas]. Um ótimo contraponto ao texto.

Obs3: Fonte e bibliografia recomendada: “The Red Queen: Sex and the Evolution of Human Nature” de Matt Ridley, sem tradução no Brasil.

Atila Iamarino

Doutorando pela USP, biólogo viciado em informação e ciência. Autor do excelente blog <a>Rainha Vermelha</a> e editor do <a href="http://scienceblogs.com.br/">Science Blogs Brasil</a>