Não. Não seria, é ou será.

Mas a aposentadoria de um dos maiores craques de todos os tempos me fez pensar sobre a força dos jogadores como marcas. E divagar sobre a evolução do jornalismo e, também, do capitalismo. Lembrei de um post no blog do PVC, quando ainda escrevia para o Lance!, que ajuda a traçar um paralelo entre o talento no esporte e o talento para vender.

Paulo Vinícius Coelho certa vez disse, sem me lembrar ou achar o link com as exatas palavras, que antigamente, com a menor quantidade de câmeras, mídia e atenções voltadas para os atletas, a verdade praticamente absoluta estava nas mãos dos cronistas esportivos, como Nelson Rodrigues. Um tempo em que o jornalismo estava muito mais próximo da poesia do que da matemática e da física dos dias atuais, em que tudo tem tira-teima, 3D e velocidade medida com precisão.

Pois é, Nelson, hoje a poesia futebolística ficou nas mãos de Pedro Bial no “Fantástico”…

Naquela época, bons jogadores como Bellini, capitão da Seleção campeã de 58, eram descritos habilmente pela pena afiada de grandes escritores, capazes de dar emoção a lances que nem sempre tinham tanta glória. As crônicas descreviam a beleza e a imponência do capitão ao erguer a Taça Jules Rimet, como um verdadeiro herói, exaltando mais seu lado galã do que seu diferencial como jogador, que não era assim tão evidente.

Com menos informações, a imagem do herói esplêndido permaneceu.

Ainda segundo o que lembro do raciocínio de PVC, se Ronaldo tivesse sua trajetória descrita pela poesia antiga e não pela constante crítica analítica e racional dos dias de hoje com certeza teria sido muito maior do que foi. Sua trajetória de Fênix do esporte teria sido retratada com tamanha arte, que seu lugar no panteão dos heróis seria aclamado.

Não, Ronaldo não é, era ou será maior que Pelé. A maior prova disso é que o Rei ainda consegue manter sua imagem valorizada até hoje.

Pelé contra a Itália na Copa de 70, no México

E é sobre o valor da imagem que gostaria de me alongar aqui.

Atleta ou marca?

A profissionalização do esporte não mudou apenas a forma como os jornalistas descrevem as partidas, mudou toda a relação entre torcedor e ídolo. O esportista hoje é muito mais do que um atleta, é uma marca que tem valor, dita tendência e serve de exemplo.

Antes era comum jogador tomar uma cervejinha e fumar cigarro sem ser incomodado. Fazer sexo antes de uma partida? Nem se discutia este assunto. Por mais que o mundo tenha se tornado mais chato, é o interesse das marcas em investir em jogadores e times que torna tudo tão cheio de regras. Os produtos precisam de garotos propagandas e os jovens precisam de heróis. E os jornalistas precisam vender jornal, como já vimos.

Com o poder do capitalismo impulsionando carreiras, vemos jogadores serem alçados ao sucesso do dia para a noite, muitas vezes sem sequer terem se formado corretamente. No entanto, com tantos envolvidos, desconstruir um ídolo é igualmente rentável. Ídolos nascem em um dia, vendem milhões em produtos, transformam-se em deuses para a imprensa e o público, são chamados de novos Pelés, Jordans ou Sennas e não demoram nem um ano para se tornar alvo das maiores críticas. Do mesmo jeito que tudo veio fácil, vai fácil.

Ronaldinho Gaúcho, por exemplo, é sem dúvida um dos maiores jogadores que vi atuar, só que não me lembro um momento em que não tivesse sobre suas costas uma cobrança correspondente ao seu sucesso. Se você lembrar dos anos de bonança no Barcelona, lembro das críticas por não servir à Seleção com o mesmo destaque. Nessas horas ninguém se lembra que no time ele tinha espaço para brilhar, enquanto com a Amarelinha dividia não só os holofotes como as responsabilidades com os craques Ronaldo, Rivaldo, Kaká e Adriano…

Leia também  Mavericks e a real celebração

Não, Ronaldinho não apresentou sempre um futebol nota 9 ou 10 na Seleção. Mas raras foram as vezes que o vi jogar abaixo de uma nota 6. A questão é que com tanta mídia, tantas câmeras, tantos críticos sedentos, espera-se uma estabilidade que nem Pelé teve.

Observe o valor investido na divulgação de jogadores. Reflita sobre o valor gasto para produzir o último comercial da Nike com Kobe Bryant. Percebam, o valor não é para um time, é para um jogador.

A empresa americana, inclusive, é um excelente parâmetro para avaliar as idolatrias. Conhecidos pela mídia existem 3 contratos vitalícios entre a Nike e atletas: Michael Jordan, Tiger Woods e…. Ronaldo.

Apesar de seus feitos indiscutíveis no esporte, os três já foram alvos de escândalos fora do “trabalho”. O Fenômeno e Woods tiveram suas vidas completamente expostas – um pelas travessuras com travestis, outro por uma série inacreditável de puladas de cerca.

Mas os verdadeiros ídolos perduram e a sua imagem nunca vai ser abalada por deslizes menores.

O mundo precisa sempre criar mitos, menos ou mais produzidos. Como as bolas na trave que geram milhões de views no YouTube ou o voo sensacional que vira marca de tênis.

E muitas vezes a busca por novos heróis coloca grandes atletas na berlinda. A obrigação de substituir ou se equiparar aos grandes gênios de antigamente recai sobre os ombros de alguns talentosos. Rubinho já chorou muito por ser massacrado pela imprensa e pelo público ao não repetir os feitos de Senna. Atualmente, Lebron James vive o inferno que um dia já foi de Kobe: substituir Jordan. Tanta pressão e críticas que não fizeram seu talento se esconder, mas Bron foi aos horários comerciais perguntar: “O que vocês querem que eu faça?”.

A questão é: não haverá um novo Pelé, um novo Jordan, nem mesmo um novo Senna. Porque também não teremos novos Ronaldos ou Schumachers. O antigamente passou e surgirão sempre novos gênios, adaptados aos novos tempos. Nem maiores nem menores que os antigos. Alguns até sem a capacidade de serem gênios do marketing, como Rivaldo.

Ronaldo não é melhor que Pelé. É “apenas” um dos maiores do seu tempo. E você ainda vai usar o tênis com a marca do Jumpman23, comprar uma miniatura do McLaren MP4/4 com o número 12 na frente, mas vai também contar aos filhos o privilégio que foi ter visto um certo R9 em campo…

Um adendo

Pelé é um verdadeiro Rei não só pelo que fez em campo. Seu reinado perdura até hoje exatamente por saber lidar com a mídia e administrar sua imagem. Óbvio que já errou, sempre está por aí dizendo besteiras, se metendo em confusões ou briguinhas com Maradona. Mas seu poder é tão grande que, mesmo assim, foi o “jogador” que mais apareceu na mídia em 2010, ano da Copa do Mundo da África.

E se Bryant tem um filme feito exclusivamente para ele no auge da sua forma, o que dizer de Pelé, quase 40 anos após a sua aposentadoria, sendo ator principal de um curta-metragem comercial?

Link YouTube

Rodrigo Ferreira

Rodrigo Ferreira (<a>@rferreira_</a>) é jornalista ou publicitário