Talvez fosse desnecessário, mas gostaria de informar que agora estarei falando de coração. E preciso que vocês escutem de coração. Sei que isso é muito difícil. Difícil porque estou aqui agora como autor e você aí como leitor. E para falar e escutar de coração, precisamos que não existam autores nem leitores, que existam apenas pessoas. Eu e você.

Quero que você se lembre de quando lhe perguntaram a primeira vez: “quem é você?”. Pergunta cretina que parece não ter resposta. Eu também não sei a resposta. Podemos bocejar e dizer “sim, claro, não sou meu trabalho, não sou meu carro, não sou meu nome etc. Qual a novidade?”. Mas isso não é escutar de coração. Largue seus conceitos e certezas por um momento. Tenha um pouco mais de curiosidade. Procure não ficar só vendo um monte de palavras, mas deixe os significados criarem imagens, sensações, percepções na sua mente.

Um bebê, quando nasce, não sabe direito onde está nem o que está acontecendo, nada faz sentido. Mas ele não vai achar isso porque ele nem sabe o que é que faz sentido e nada seria melhor do que o que está acontecendo com ele naquele momento, porque não há referenciais nos quais se apoiar.

Não há palavras, ele não sabe que é humano, não entende o que as pessoas estão falando e talvez nem saiba o que são “eu” e “os outros”. A experiência dele é crua. Consegue imaginar?

Talvez, quando vamos imaginando isso, conseguimos então realmente sentir. Não saber, sentir que não somos nosso trabalho, nem nosso carro, nem nosso nome. Não somos nosso corpo, nem nossos pensamentos. A coisa vai ficando vazia e depressiva, ao ponto que pode começar a dar vontade de chorar. Talvez, pelo mesmo motivo que bebês choram.

E quando chega nesse ponto, estamos quase abraçando o niilismo e pegando a frase “foda-se o mundo” para tentar seguir agarrado a algo. Mas não precisamos chegar no vazio absoluto, nem nos revoltar.

De alguma forma, conduzida ou não, construímos nomes, trejeitos. opiniões, amores, trabalhos. Compramos roupas, carros, celulares. Aprendemos a falar que gostamos de música e não gostamos de jiló. Gostamos de rir e não gostamos de nos machucar. Construímos isso, do nada. Dizemos com a maior cara de pau que éramos assim quando nascemos, e continuamos dizendo para todos os lados.

“Eu sou uma vida inteira” deixa de ser uma frase superficial e comum. Lembramos da nossa infância, nossos pais, amigos, primeiros professores, primeiro beijo, primeira balada. Risadas, baladas, felicidade, sofrimentos que passaram. Em textos, onde cada palavra é uma palavra-chave, onde cada frase é uma placa apontando numa direção, uma sequência de palavras soltas como essas levam-nos a one hell of a trip.

Voltando à experiência do bebê. Saímos da barriga da mãe que não sabemos que é barriga, nem mãe. Estamos em um corpo que não sabemos que é corpo. Não sabemos de nada. Será que tem pensamentos na nossa mente?  Assim como nos perguntamos “o que um cego sonha?”; podemos nos perguntar “o que um recém nascido pensa?”

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E se não houverem pensamentos, será que temos a sensação de que existimos? Será que temos pelo menos a noção de eu? Será que somos um brilho preso a um corpo que se comunica com o mundo através de olhos, nariz, boca, ouvido e tato? Estamos naquele hosp… Lugar. E uma coisa meio forte que não sabemos que se chama luz irrita nossos olhos não acostumados. Mas não achamos ruim porque não sabemos que há outra forma das coisas serem além daquele momento presente com nossos corpos nus, que não sabemos que são corpos nem que estão nus, expostos a um vento que nunca experimentamos e nem sabemos que é vento.

Então a partir deste ponto onde não somos nada e a depressão começa a voltar, vamos construir algo. Temos essa liberdade. Não estamos fazendo magia nem misticismo. Estamos usando apenas palavras para conduzir nossas mentes com seus significados e fazer brotar sensações. Podemos fazer isso para nos construirmos de forma melhor no presente. Vamos tentar algo?

Se você quer ser feliz e eu também, podemos imaginar que o José também. E o José tem família, uma família que ele não consegue alimentar. Os filhos pedem todas as noites um pedaço de pão e ele diz que não tem. Enquanto senta na calçada com as mãos na cabeça encarando a guia, pode ouvir o choro baixinho dos filhos vindo de dentro do barraco enquanto tentam dormir. E ele nos encontrou à noite, enquanto voltávamos para casa. E ele colocou uma arma na nossa cabeça e ficamos com medo. Não vimos o olhar de desespero dele enquanto, com medo, sabia que estava fazendo algo de errado para conseguir alimento. E agora não temos raiva do José porque sabemos o mundo em que ele está e sentimos compaixão. Daríamos mais do que aquela nota de dez se soubéssemos disso tudo.

Podemos não só sentir vontade, mas realmente ajudar quando necessário. Pegar a bola da criança para que ela não tenha que correr ladeira abaixo. Abraçar aquele nosso amigo que está sofrendo por não passar no concurso para o qual estudou o ano inteiro. Sorrir para aquela mulher de rosto preocupado que encara a janela do ônibus. Gritar gol, contar a piada, gozar, bocejar, nos abrir, nos entregar. Expor o peito sem medo do mundo.

Desta forma, convido você a escrever um parágrafo. Conduzindo as mentes, assim como fizemos no texto todo, para lugares que nos trazem mais probabilidades de sermos felizes e gerar menos confusão. Que sejam parágrafos que nos tragam sentimentos de liberdade, generosidade, compaixão, amor, alegria, êxtase. E que possamos manter esse tipo de conexão com todas as pessoas. E que nossa mente aprenda a ficar cada vez mais estabilizada nessas regiões. E que, com a mente em repouso ali, possamos ter bons pensamentos. E que os bons pensamentos gerem boas ações.

Agora a palavra é sua. E sou todo ouvidos.

Cleyton Bruno

Arquiteto de software e aspirante a escritor. Mantém os projetos <a>"Oceano de Dharma"</a> e <a href="http://www.queropensar.com.br/">"Quero Pensar"</a>."