Quando publiquei a lista de 52 músicas de Rock Progressivo, percebi considerável (e bem-vinda) demanda por bandas nacionais do estilo. Por isso, meus caros, vem aí um texto sobre a cena brazuca, que havia sido iniciado, mas feita a passos mais lentos.
Continuando a “jornada progressiva”, a lista a seguir conta, a partir de 30 discos, um pouco da evolução e das principais bandas ligadas ao progressivo brasileiro entre os anos 1970 e início do século XXI.
O percurso progressivo brasileiro foi de qualidade, mas aos trancos, com um mercado não tão aberto ao gênero e bandas por vezes excessivamente influenciadas pelos medalhões ingleses, além de escassos eventos, festivais e gravadoras investindo exclusivamente no estilo. Mas, apesar dos problemas, o estilo no Brasil não deixou a dever em qualidade para as bandas europeias.
Deixei de fora alguns grupos (A Cor do Som, Secos e Molhados, Pholhas, Ave Sangria, Patrulha do Espaço, Angra) por sua classificação como “rock progressivo” sofrer controvérsias e questionamentos.
Primórdios
As raízes do Rock Progressivo Brasileiro surgem entre 1967/68, a partir de dois fenômenos musicais.
O primeiro veio de músicos ligados a Jovem Guarda e que, influenciados pela psicodelia que surgia na Inglaterra e EUA, passaram a explorar temas mais complexos em suas composições, em detrimento do rock despretensioso de outrora.
Grupos como The Beatniks, Blow Up, The Bubbles, e artistas como Ronnie Von, serviram de influência para músicos que seguiram com o rock na década seguinte.
Por outro lado, uma nova geração de músicos da MPB, em especial no Tropicalismo e ao movimento classificado como Clube da Esquina, também utilizaram da mistura de elementos e sonoridades brasileiras com o rock, jazz e a psicodelia, formando uma música inovadora e complexa.
Ronnie Von – Ronnie Von (1968)
O “príncipe”, usando dos bons contatos (Arnaldo Baptista e Damiano Cozzella) obtidos em seu programa na TV Record, resolveu experimentar por outros caminhos musicais, entrando em uma breve fase psicodélica que obteve boa aceitação da crítica, mas fria recepção do público.
O trabalho merece ser escutado pois é um dos primeiros a mostrar a dispersão da jovem guarda em outros caminhos sonoros, e de Ronnie saindo da “zona de conforto” e arriscando um rock mais experimental e complexo, que teve um tardio (mas merecido) status cult no rock brazuca no início dos anos 2000.
Tropicalia ou Panis et Circencis (1968)
O disco mostra que a música brasileira poderia oferecer psicodelia e pitadas de elementos vanguardistas/experimentais com a mesma qualidade dos norteamericanos e europeus.
Os Mutantes – Os Mutantes (1969)
O trio Rita Lee, Sérgio Dias e Arnaldo Baptista, com uma postura ao mesmo tempo moleca e audaciosa, misturava os mais diversos estilos musicais em suas canções, mas que conseguiam manter coesão e apresentar melodias eficientes. O segundo disco do trio mostra um pouco dessa proposta, justificando o respeito da banda para além da seara da MPB e psicodelia (e até mesmo fora do Brasil).
Módulo 1000 – Não fale com paredes (1971)
Para muitos, o trabalho que representa o “marco zero” do rock progressivo brasileiro. A bem realizada mistura da psicodelia com o hard rock (em especial Black Sabbath), oferece munição suficiente para classificar o disco como um dos precursores do prog no país.
Anos 1970
No início dos anos 70, muitos músicos, alguns bebendo na fonte oferecida pela “geração psicodélica” da década anterior, iriam iniciar o movimento progressivo no Brasil.
Tiveram que encarar diversos problemas para sua sobrevivência, como a censura reinante na época, a marginalização que os músicos ligados ao rock sofriam nesse período, e a pouca ou quase inexistente distribuição de discos progressivos no Brasil (resumido somente a Pink Floyd, Yes, Genesis e ELP)
A partir de 1972/73, apesar dessa difícil situação, a primeira geração de bandas progressivas surgia no Brasil. Sua música, apesar de qualidade, por vezes ficava comprometida, em parte pela influência um tanto limitada dos músicos e pela produção por vezes precária, mas compensada pela utilização de elementos da música brasileira em sua sonoridade.
Nessa época, a mídia não oferecia resistência na promoção do gênero e até algumas rádios (como a lendária Rádio Eldorado de São Paulo) ofereciam generoso espaço ao estilo. Mas, no final da década, com o advento do punk, o monopólio de rádios ligadas ao pop, o fim de diversos grupos ligados ao progressivo e a “fuga” de alguns músicos para outros gêneros esvaziaram o cenário, colocando questionamentos sobre sua continuação na década seguinte.
A Bolha – Um passo à frente (1973)
Surgido com o fim do grupo The Bubbles, ativo durante a jovem guarda, A Bolha seguiu por uma linha parecida com o Módulo 1000, transitando entre o progressivo e o hard-rock. Porém, como o próprio título do disco apresenta, o trabalho foi “um passo à frente”, com maior sofisticação sonora e um leque um pouco mais ampliado de influências, características visíveis, por exemplo, nas duas primeiras canções (“Um Passo à frente” e “Razão de existir”).
Som Imaginário – Matança do Porco (1973)
Seria com o Som Imaginário, importante banda de apoio a diferentes artistas nos anos 1970, que a relação entre o Clube da Esquina e o progressivo ficaria mais íntima. Em Matança, além da liderança de Wagner Tiso nas composições, o álbum oscila entre a música regional mineira, jazz, bossa nova e o progressivo (em alguns momentos resvalando no Pink Floyd, em outros, King Crimson).
Som nosso de Cada Dia – Snegs (1974)
Com Snegs, o rock progressivo brasileiro atingiu a maturidade e real consolidação. A produção do trabalho em algumas partes mostra-se precário, mas o virtuosismo dos músicos, somados a ousada tentativa de usar elementos oferecidos pelo progressivo sinfônico, vestindo-os com uma roupagem brasileira, garantem uma nítida qualidade para o trabalho.
Moto Perpétuo – Moto Perpétuo (1974)
Banda liderada por Guilherme Arantes – que, em entrevistas recentes, afirmou curtir o resultado final do trabalho, mas que detestou a experiência de liderar uma banda –, entre 1973-75 (primeira formação). O interessante no disco é que, além das melodias complexas, algumas partes lembram, discretamente, sonoridades de grupos “pop-prog” como 14-bis e a ótima carreira solo de Guilherme, que despontariam entre o final dos anos 1970 e primeira metade dos 1980.
A Barca do Sol – A barca do sol (1974)
Considero o primeiro disco da Barca do Sol, liderado por Jaques Morelenbaum e com participação do multi-instrumentista Egberto Gismonti em duas faixas, o disco que melhor uniu elementos brasileiros e progressivos nos anos 1970, o ápice de um pretenso “folk prog brazuca”.
Mutantes – Tudo foi feito pelo sol (1974)
O período entre 1973-4 foi tenso para os mutantes. Rita Lee e Arnaldo Baptista saindo de forma ressentida da banda, uma experiência progressiva com resultado apenas regular (O A e o Z, lançado somente em 1992), e um grupo reorganizado entrando no estúdio em um momento incerto e com ideias fragmentadas.
Tudo foi feito pelo sol, empreitada liderada por Sérgio Dias e Túlio Mourão, realizada em apenas um take, que obteve um surpreendente resultado final, apesar de todas as dificuldades. Consolidava-se a fase puramente progressiva do grupo, que duraria até 1977.
O Terço – Criaturas da noite (1975)
Um dos melhores e mais versáteis grupos progressivos brasileiros dos anos 1970. Nesse disco, capitaneado por Flávio Venturini, Sérgio Magrão e Sérgio Hinds, o grupo atira, de forma certeira, no hard rock, folk, MPB e progressivo sinfônico, misturando um pouco de tudo na bela faixa final 1974.
Casa das Máquinas – Lar de Maravilhas (1975)
Glam rock, hard rock e progressivo na medida certa em um trabalho liderado por músicos experientes (alguns em atividade desde a década anterior).
Saecula Saeculorum – Saecula Saeculorum (1976)
Dos grupos de “um disco só” que surgiram durante os 1970, o Saecula foi talvez o melhor exemplar, com um progressivo sinfônico de primeira linha em seus quase 28 minutos de duração.
Terreno Baldio – Além das Lendas Brasileiras (1976)
Chamado de “Gentle Giant brasileiro”, a banda usou de diversos elementos musicais brasileiros em sua música, dando uma brasilidade que a diferenciou de outros grupos da época. Isso fica claro nesse, segundo disco do grupo.
Recordando o Vale das Maçãs – As Crianças da Nova Floresta (1977)
Belo disco de estreia do profícuo grupo santista, com arranjos e vocais bem produzidos e coesos.
Vímana – On the rocks (1977)
O Vímana, em atividade entre 1974-78, teve um status cult longevo, devido ao pouco material disponível e das histórias de tensão e instabilidade entre os membros Ritchie, Lobão e Lulu Santos, intensificados com a entrada do ex-Yes Patrick Moraz (ou “Marick Pátraz” como Lulu Santos “carinhosamente” o chamava).
On the rocks, com material produzido durante essa fase tumultuada, e talvez devido a ela, mostra certa irregularidade, com ótimas faixas junto a outras não tão inspiradas. Mas a qualidade final do disco justifica parcialmente o culto obtido pelo grupo, que perdurou por décadas.
Anos 1980
O rock progressivo iniciaria a década de 80 enfraquecido, com um cenário reduzido e uma mídia agora hostil ao estilo. Porém novos artistas e bandas surgiram e mostraram que o progressivo brasileiro, apesar dos problemas, estava vivo e rendendo bons discos.
Bacamarte – Depois do Fim (1983)
A rádio niteroiense Fluminense (maldita) FM, em um dos seus primeiros concursos em 1982, escolheu produzir e lançar o disco do grupo Bacamarte, um raro álbum progressivo no meio de trabalhos ligados a new wave reinante da época.
A escolha mostrou-se acertada, disponibilizando talvez o melhor álbum progressivo da década de 1980. Apesar de influências de bandas como Renaissance, Curved Air e Jethro Tull serem percebidas, a sonoridade do Bacamarte mostrava uma identidade própria e as melodias possuem uma riqueza sonora que pouco envelheceu. O título mostrou-se ironicamente coerente, pois a banda, na ativa desde 1973, e com a recepção apenas discreta (mesmo que positiva) obtida pelo trabalho, sairia de cena um pouco depois do lançamento, retornando ocasionalmente em 1999 e entre 2012-2015. Mas o tempo deu ao disco a devida importância na cena progressiva brasileira.
Marco Antônio Araújo – Lucas (1984)
Melhor e mais amadurecido momento em estúdio do talentoso guitarrista mineiro, morto prematuramente em 1986. O disco apresenta melodias sofisticadas, mesclando entre a MPB e o progressivo sinfônico. Destaque para a suíte Lembranças.
Sagrado Coração da Terra – Flecha (1987)
Segundo disco do grupo/projeto liderado pelo violinista Marcus Viana, que confirmou todo o potencial musical do grupo, timidamente apresentado no primeiro trabalho. Uma boa crítica que considero do disco veio do meu pai ao ouvi-lo “poxa, curti esse álbum, um misto de Jean-Luc Ponty, Flávio Venturini e Almir Sater”
Violeta de Outono – Em toda parte (1989)
Banda liderada por Fábio Golfetti, que tem como proposta unir o pós punk, psicodelia e space rock, que atraiu boa recepção da imprensa musical e de fãs, muitos fora do rock progressivo. O disco citado foi quando essa proposta mostrou identidade e musicalidade próprias.
Anos 1990 em diante
A cena progressiva brasileira, ao entrar nos anos 1990, ainda sofria rejeição por parte da mídia especializada, mas que percebeu também que a pior fase já havia passado e que uma nova geração de músicos aparecia para a renovação do estilo no país.Durante essa década e início do novo milênio, uma gama diversificada de bandas e músicos surgiu no cenário prog brasileiro, que mostrou novos e interessantes grupos em diferentes subestilos. A região sudeste continuou sendo o lugar onde mais se produziu grupos ligados ao progressivo, apesar das regiões sul e nordeste, a partir de 2000, também estarem apresentando boas bandas, especialmente ligados ao post rock e prog metal, abrindo um pouco mais o leque do gênero no Brasil.
Quaterna Requiem – Velha Gravura (1990)
Disco de estreia do grupo liderado pela virtuosa tecladista Elisa Wiermann, onde são mostradas novas influências sonoras para o gênero (Camel e King Crimson), renovando as propostas para o progressivo brasileiro da época.
Tempus Fugit – The Dawn After The Storm (1999)
Grupo que, em seus três trabalhos de estúdio, transitou entre o sinfônico e o neoprogressivo. The Dawn revela a parte mais neoprogressiva do grupo. Apesar da produção e vocais por vezes incomodarem, o nível das composições e a qualidade instrumental dos músicos fazem com que esse disco chegue ao nível de álbuns que os ícones do estilo (IQ, Pallas, Pendragon e Arena) lançaram nessa época.
Poços e Nuvens – Província Universo (2001)
Grupo oriundo da cena gaúcha oitentista, que ofereceu boas propostas para o progressivo sinfônico, incluindo elementos musicais do Rio Grande do Sul em algumas faixas.
Cálix – A roda (2002)
Os anos 1990 e 2000 viu surgir uma pequena, mas produtiva, cena folk, representada por bandas como Ashtar e (caindo no metal) Tuatha de Danann. Dessas bandas, a que, pessoalmente, obteve melhores resultados foi o grupo mineiro Cálix, oferecendo boas letras e melodias em seus discos de estúdio.
Cartoon – Bigorna (2003)
Opera-rock frenética, com músicas rápidas, certeiras e bem executadas. Os vocais em inglês nem sempre funcionam, mas a banda merece citação por resgatar ideias psicodélicas de grupos como os mutantes e uní-los com o progressivo sinfônico e o folk prog.
Sleepwalker Sun – Sleepwalker Sun (2005)
O metal progressivo brazuca ofereceu boas bandas que obtiveram repercussão na mídia especializada e público (por exemplo, Deventter, Mindflow, Sigma 5 e Akashic). Desse cenário, o Sleepwalker ofereceu uma proposta diferenciada, incluindo elementos do progressivo sinfônico e neoprog em sua música, rendendo bons resultados em seu disco de estreia.
Satanique Samba Trio – Sangrou (2007)
A cena “vanguardista” progressiva no Brasil é escassa, porém não necessariamente inexistente. O Satanique, por exemplo, é uma boa exceção, realizando uma interessante mistura entre o samba e experimentalismo. Uma boa opção para quem gostaria de imaginar que tipo de som sairia se grupos como Fantômas, Mr. Bungle, Massacre ou Naked City arriscassem um sambinha.
Macaco Bong – Artista igual pedreiro (2008)
Um dos grupos de maior repercussão na cena post rock brasileira (sendo citados até em publicações estrangeiras como a Rolling Stone), com certa justiça. A banda de Mato Grosso, nesse disco, une elementos do rock alternativo/indie, jazz-rock, distorções, e pitadas de elementos regionais, dando uma sonoridade diferenciada.
Eloy Fritsch – Exogenesis (2012)
Em atividade desde 1991 com o grupo Apocalypse e em carreira solo, Fristch é o principal nome do progressivo eletrônico brasileiro, oferecendo novas e consistentes propostas sonoras, com discos que não deixam a dever a artistas clássicos como Tomita, Jean Michel Jarre e Kitaro.
Dialeto – The Last Tribe (2013)
Power trio, liderado pelo experiente músico Nelson Coelho, com influências do King Crimson, Pink Floyd e Present, apresentando um som pesado e com forte participação das guitarras nas composições. Dos três CDs de estúdio lançados pela banda, o acima é meu preferido.
Os discos citados são um bom ponto de partida para quem quer se aventurar na seara progressiva brasileira, uma viagem longa, porém prazerosa. Sim, alguns grupos mais recentes acabaram ficando de fora, por isso os comentários estão abertos para dicas de novas bandas e discos brasileiros que a galera precisa conhecer (além de elogios, críticas e sugestões a lista).
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