PdH explica o que você precisa saber para escrever corretamente, seguindo o novo acordo ortográfico da língua portuguesa.
O mundo está em paz. Não há ninguém matando ou roubando. Casos de suicídio e sequestro não são mais registrados. Todos estão alegremente trabalhando, não há crise financeira em lugar algum. Fome, guerra, sofrimento e violência são palavras que não sabemos mais pronunciar. No intervalo entre uma margarita e outra (seguindo a tradição do nosso amigo Charlie Harper), alguém se levanta: “E o trema, pessoal? É um gasto desnecessário de tinta e bits, não?”. Outro sai da rede e diz: “Claro! Eu estava sonhando justamente com isso: um mundo sem acentos diferenciais“.
E então a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) propôs o acordo ortográfico em 1990, ratificado pelo Brasil em 1994, depois por Cabo Verde, em 2006, e São Tomé e Príncipe, em 2007. De oito (Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Timor Leste), bastavam 3 países para fazer valer a nova ortografia, mas o Brasil decidiu esperar Portugal, que estava hesitante e alegava sair perdendo com a mudança. Em março de 2008, Portugal concordou e, em setembro, o presidente Lula decretou a aplicação do acordo no Brasil.
A brincadeira acima se deve ao fato de que a nova ortografia não conseguiu atingir seu objetivo – unificar a língua escrita nos países lusófonos – e, ainda assim, exigirá um enorme esforço de implementação por partes de instituições de ensino e editoras, sem falar na perda de tempo para empresas e pessoas como você e eu. Ou seja, se é para nos unirmos, poderíamos usar tal disposição para resolver problemas muito mais urgentes.
Além disso, restringir a diversidade é sempre um modo de diminuir a riqueza. Não será estranho ler José Samarago sem nos depararmos com seus “actos” e “acções”? Sobre o acordo, o próprio autor diz: “Não sei o que temos a ganhar com isso, mas sei que temos muito a perder”.
—
Quais mudanças são importantes?
Quebramos a cabeça para preparar uma versão resumida das mudanças, pois a maioria dos guias produzidos repetem as regras já existentes. A lista completa pode ser consultada online no Guia da Reforma Ortográfica da Lingua Portuguesa. Lembrando que não há alteração alguma na pronúncia, apenas na grafia.
Saiba abaixo o que realmente importa. Se o seu QI for acima de 160, basta ler o que está em negrito e deduzirá todas as regras em 10 segundos (não estou brincando):
• O alfabeto fica com 26 letras, incluindo as letras “k“, “w“e“y“.
• O trema já era. “Frequência” e “sequência”, tranquilo? Se você se orgulhava de usar e se este era seu diferencial de inteligência em relação à grande massa, procure outro ou apenas escreva nomes próprios como o alemão “Müller” e o tibetano “Chödrön”.
• Para palavras compostas com prefixos (como “super”, “hiper” e “sub”) e o segundo elemento começando com “h”, tem hífen (“super-homem“). A única exceção (claro, tem de haver exceção para sabermos escrever exceção): “subumano”. Sem “h”, feio assim mesmo.
• Não se usa hífen quando o prefixo termina com uma vogal diferente daquela com que se inicia o segundo elemento (“autoescola“).
• Não se usa hífen quando o segundo elemento começa com “s” ou “r”, devendo estas consoantes ser duplicadas (“contrarregra“, “antissemita”). Com prefixos que acabam em “r” ou “s”, vale a outra regra e aparece o hífen: “super-regra”. Tricky, uh?
• Não se usa mais acento para diferenciar verbo de substantivo ou preposição: “para” agora é tanto flexão do verbo parar quanto preposição, por exemplo. O mesmo vale para “polo”, “pelo” e “pera”.
• O acento circunflexo desaparece em: “creem”, “deem”, “leem“, “veem”, “enjoo” e “voo”. Bonito, não? “Têm” e “vêm” (para demonstrar plural) e “pôr” (para diferenciar o verbo) continuam valendo.
• O acento agudo some para “assembleia”, “ideia“, “jiboia” e todos os ditongos abertos de paroxítonas. O mesmo vale para “feiura”.
• A título de curiosidade, em Portugal não mais se escreverá “acção” ou “óptimo”. Será como no Brasil: “ação” e “ótimo”. Coitado do Saramago…
—
É só isso que eu preciso saber?
Não, meu caro, se você ainda não sabe a diferença entre os 4 porquês, se usa “onde” em vez de “no qual”, abusa do “através” em casos em que nada atravessa coisa alguma (já ouviu falar de “por meio de”?), erra colocação da crase, escreve “CD’s e DVD’s”, tecla hífen entre afirmações em uma frase – memorize a sequência para teclar o traço: alt+150 –, fala “houveram muitas coisas”, “há anos atrás” e “ir de encontro a” para concordar, se “prefere isso do que aquilo”, vive em casa “germinada”, está “afim” de alguém, fala “ao meu ver”, analisa “a nível de”, conversa “no” telefone…
Entendeu? Então responda rápido:
• “Super interessante”, “super-interessante” ou “superinteressante”?
• “Auto centramento”, “auto-centramento” ou “autocentramento”?
Aqui no Papo de Homem, faremos um esforço para adequar nossos textos à nova ortografia. Contamos com a revisão de vocês!
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.