[Uma coisa que aconteceu comigo semana passada no metrô e que, se eu fosse convidado pra participar de uma dessas coletâneas do tipo "i love rio", seria a trama do meu segmento].

Daí que eu tinha saído do futebol lá na Tijuca e entrei no metrô. No rosto, aquele cansaço e aquele desespero que apenas o atleta de meio de semana e o jogador profissional Márcio Araújo conseguem demonstrar, o corpo como uma imensa pokebola contendo, dentro dela, um Pokemón chamado “dor” que falaria apenas “dor dor dor dor… arrependimento!”. 

Por ser a primeira estação, as cadeiras estavam vazias e sem aquele dilema moral de sentar ou não. Então pego uma cadeira perto do final do vagão, me sento, coloco minha mochila do lado, vou dar aquela respirada funda que apenas pessoas cansadas e psicopatas de filme dão, e o metrô vai chegando na segunda estação. Logo após ele chegar, eu, já respirando normalmente, decido pegar um livro na mochila e começo um elaborado processo de busca arqueológica porque apenas vou jogando as coisas lá dentro, sem muito critério.

É aí então que ouço a porta do fundo do vagão se abrindo – não era daqueles vagões novos, vazados, era dos vagões antigos, com portinha de maçaneta – mas sigo na busca pelo livro, que aparentemente se colocou entre uma cueca e meu tênis de ir pro trabalho. E aí eu, olhando na direção contrária, ouço o cara que acabou de entrar no vagão gritar bem alto

“QUEM TIVER DINHEIRO NA CARTEIRA AÍ JÁ PODE IR SEPARANDO PRA ME PASSAR, NADA DE GRACINHA, PODE SEPARAR…”

E aí o tempo, num fenômeno que eu, que tranquei a faculdade de ciência no terceiro período, só posso classificar como “muito doido”, se dilata mas também se comprime. Se dilata porque tive tempo de pensar cerca de mil vezes o mantra “perdi tudo, vou morrer, perdi tudo, vou morrer, perdi tudo, vou morrer” e comprime porque eu nem tive tempo de conseguir achar a caceta do livro. Tava muito escondido o livro. Eu preciso organizar melhor essa bolsa. Tá complicado achar qualquer coisa lá.

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Mas era aquilo. "Perdeu, perdeu", e quando tu perde tu apenas perde, respira fundo, aceita que é a vida, aguenta o parabéns, com vela e tudo, com "é big é big é big", porque se reagir é pior, vamos viver pra lutar outro dia. Mas aí o cara, que tinha invadido o vagão gritando, completa a frase dele, é claro.

“QUEM TIVER DINHEIRO NA CARTEIRA AÍ JÁ PODE IR SEPARANDO PRA ME PASSAR, NADA DE GRACINHA, PODE SEPARAR…”“…PORQUE EU TÔ VENDENDO O CHOCOLATE MAIS GOSTOSO DO RIO DE JANEIRO!”

E aí ele dá uma risada. Aquela risada gostosa, uma risada cheia, a risada do olho que chega a brilhar. 

O filho da puta.

O filho da puta tava vendendo chocolate.

O filho da puta tava vendendo Suflair.

Peguei meu livro, xingando baixinho só pra mim. As pessoas ainda compraram uns 10 reais de Suflair dele.

A galera é foda. Sério.

A galera é foda.

Nota do editor: essa história é verdadeira, contada originalmente pelo João em seu Facebook, lá em 2015, republicado aqui por motivos de ser uma história incrível.

João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (<a>www.justwrapped.me/</a>) e discute diariamente os grandes temas - pagode