Que semana espetacular para quem acompanha futebol, não?
Talvez.
Após uma rodada em que os líderes confirmaram seu favoritismo e venceram contundentemente suas respectivas partidas pelo Campeonato Brasileiro, a segunda-feira trouxe consigo outra exibição de gala do CBF Team. A vitória maiúscula sobre Gana só não foi tão abordada pela sempre competente mídia especializada em função da convocação para a empolgante Copa Roca, a ser iniciada semana que vem. Como de praxe, Mano Menezes foi aclamado pelos seus 190 milhões de colegas de profissão, após convocar aqueles que são, indiscutivelmente, os melhores jogadores em atividade no país.
Embora haja quem concorde com o absurdo ponto de vista acima exposto, o debate deve tomar outra forma. Mergulhar no senso comum é tentador, porém faz com que você seja mais uma peça da engrenagem que move o futebol brasileiro atualmente. Para que esta engrenagem se solidifique, é importante que haja análises deturpadas, passionais e repletas de ignorância, vindas de muitos daqueles que deveriam ser estudiosos do assunto. Reflitamos juntos sobre o CBF Team (que me recuso de chamar de Seleção Brasileira, por uma série de fatores), a partida contra Gana e a convocação para a Copa Roca.
Quando os apressadinhos se divertem
O Brasil não fez um bom jogo contra Gana. O adversário, embora desfalcado de jogadores importantes como Kevin-Prince Boateng e Asamoah Gyan, tem bom senso tático e força física descomunal. O Brasil foi sólido defensivamente (o que era obrigação em função da vantagem numérica), mas poderia ser mais insinuante no setor ofensivo. Mesmo assim, é de lá que vem os dois personagens rapidamente eternizados por alguns setores da imprensa após o jogo: Ronaldinho e Leandro Damião.
Fui contrário à convocação de R10 para este amistoso, mas admito que estava errado. Embora ache difícil que Ronaldinho reúna condições físicas ideais para jogar em alto nível em 2014, é válido tê-lo numa seleção que ainda tenta se encontrar num modelo de jogo de difícil implementação (4-2-3-1 com muita mobilidade no ataque, marcação no campo defensivo adversário e tentativa de retomada rápida de posse de bola, apenas para citar alguns fatores). Gaúcho fez bom jogo, mas houve quem o colocasse imediatamente no patamar de salvador da pátria futebolística, quando, na verdade, ele deveria ser observado de maneira gradual, numa espécie de reaproximação para com o selecionado nacional. Da mesma maneira que Ronaldinho mostrou no Flamengo que soube se reinventar (as arrancadas e lances individuais foram substituídas por assistências em massa), é preciso dar tempo para que este jeito de jogar se consolide com a camisa amarela.
Já Leandro Damião tem indiscutivel qualidade e estilo de jogo bastante singular dentre os atacantes brasileiros. A força física aliada à boa técnica em quase todos os fundamentos fazem do centroavante colorado uma grande opção de ataque. Porém, Damião ainda não pode ser visto como a principal referência ofensiva brasileira, a esperança de gols para 2014. É necessário que o camisa 9 enfrente seleções de melhor porte, e saiba se valer da baixa idade para evoluir em todos os aspectos do jogo tanto quanto possível.
Alexandre Pato não é carta fora do baralho; embora não esteja em bom momento, o atacante do Milan é igualmente qualificado, e mesmo tendo estilo de jogo ligeiramente distinto, pode ser muito importante no futuro. É válido lembrar que há alguns anos, o próprio Pato era visto como a menina dos olhos do futebol brasileiro, um jogador absolutamente fora de série. Tratá-lo agora como uma peça facilmente substituível seria incoerente, para dizer o mínimo.
Menos teorias mirabolantes e mais objetividade
A discordância com relação a jogadores convocados para uma determinada seleção é mais do que comum, e vem da época em que se amarravam cachorros com linguiças, como diria o filósofo Big Phil. O problema é quando as críticas passam do ponto, e deixam de lado a esfera técnica para montar teorias que não trazem consigo nenhum fundamento. Acusar Mano Menezes de convocar o jogador A, B, ou C para valorizá-lo, ou insinuar que a intenção do técnico é prejudicar o clube X ou Y (o que nem vale para as partidas contra a Argentina) é simples de ser dito. O problema é comprovar tais insinuações, ou mesmo analisar de maneira um pouco mais minuciosa as decisões tomadas pelo treinador e observar se há coerência com a sua a filosofia de trabalho.
Vamos dividir em grupos os jogadores convocados e alguns que ficaram de fora, e observar uma pequena mistura das ideias expostas por Mano Menezes, com o meu ponto de vista:
- Convocações coerentes: Fábio (Cruzeiro); Jéferson (Botafogo); Danilo (Santos); Kléber (Internacional); Dedé (Vasco); Rhodolfo (São Paulo); Casemiro (São Paulo); Paulinho e Ralf (Corinthians); Lucas (São Paulo); Oscar (Internacional); Thiago Neves e Ronaldinho (Flamengo); Leandro Damião (Internacional); Neymar (Santos).
Aqui se encontram vários nomes indiscutíveis, cuja convocação chega a ser obrigatória. Dentre os que podem ser questionados, temos Rhodolfo — regularíssimo desde o Atlético Paranaense — e Paulinho e Oscar, de desempenho muito acima da média apresentado nos últimos meses. Danilo, embora jovem, adquiriu experiência considerável desde a chegada ao Santos, e cresceu vertiginosamente de produção. Kléber não é mais o jogador de assistências certeiras de anos atrás, mas a carência de jogadores para a posição é benéfica ao lateral colorado.
- Convocações discutíveis: Rafael (Santos); Mário Fernandes (Grêmio); Bruno Cortês (Botafogo); Réver (Atlético-MG); Henrique (Palmeiras); Rômulo (Vasco); Cícero (São Paulo); Renato Abreu (Flamengo); Fred (Fluminense).
É importante criar dois sub-grupos: os que têm idade para disputar os Jogos Olímpicos e os que não estão nesta faixa etária. Dentre os que podem ir à Londres, o nome que mais me convence é Rafael; goleiro jovem, porém muito seguro. Mário Fernandes é versátil e um bom marcador; já Rômulo alia força física ao bom posicionamento tático. Porém, ambos jogam em posições nas quais atuam outros atletas de alto nível e que são decisivos para seus clubes há bem mais tempo. O que faz com que surjam questionamentos sobre suas convocações.
Já dentre os que não irão à Londres, Cícero e Renato Abreu (este nascido muito antes de 89, ressalte-se) são nomes surpreedentes, de meias que não são fracos, mas inferiores a vários outros da posição. Réver e Henrique não vão pelas atuações do momento, e sim pelas boas temporadas de outrora. Se não fosse negociado com o Qatar, o ex-vascaíno Anderson Martins fatalmente seria convocado na vaga de Henrique. Outro que vai mais pelo passado do que pelo presente é Fred, de atuações irregulares tanto no Fluminense quanto na equipe da CBF. Por fim, Bruno Cortês se firma como a ascensão mais meteórica do futebol brasileiro em anos. Embora seja bom jogador, talvez a convocação tenha chegado cedo demais, para quem joga em alto nível há pouquíssimo tempo. Numa posição mais concorrida, provavelmnete não seria chamado.
- Convocações que não se confirmaram: Willians e Leonardo Moura (Flamengo); Elkeson (Botafogo); Osvaldo (Ceará); Borges (Santos); Dagoberto (São Paulo); Douglas (Grêmio); Fillipe Soutto (Atlético-MG); Kléber (Palmeiras).
Quase todos os nomes acima seriam convocados sem maiores ressalvas por parte de torcida e imprensa, exceção feita à Osvaldo e Fillipe Soutto. O atacante do Ceará é a revelação deste Campeonato Brasileiro e tem idade olímpica. Assim como o volante atleticano, muito boa opção de marcação e saída de jogo qualificada. Willians e Léo Moura foram surpresas ao contrário, já que a regularidade das suas atuações fazia de ambos nomes praticamente certos dentre os convocados. Elkeson é um belíssimo meia, de passadas largas e finalização certeira, que poderia facilmente ocupar a vaga de Cícero ou Renato Abreu.
Borges faz gols por onde passa, mas talvez pague por não ser expert em marketing pessoal. Kléber foi fundamental para o Cruzeiro e é muito importante para o Palmeiras, o que faz dele uma alternativa interessante. Dagoberto seria uma excelente opção para os lados do campo, da mesma forma que Douglas seria pelo centro, na armação de jogadas. O gremista é muito bom jogador, tem o estilo de jogo mais próximo de Paulo Henrique Ganso dentre todos os jogadores brasileiros, mas a falha cometida contra a Argentina, no ano passado, aparentemente reverbera nas listas de Mano Menezes até hoje.
Talvez o tom das críticas tenha sido demasiadamente elevado em função dos resultados acumulados por Mano Menezes, e não pela convocação em si. Fosse um outro momento, e a reação do grande público aos nomes chamados seria envolvida por uma dose de otimismo, de uma seleção que empolga e mostra uma nova face do futebol brasileiro. O jogo insosso contra Gana ajudou a maximizar a revolta de torcida e parte da imprensa; só não sei até que ponto é válido tamanho alvoroço, e com os argumentos que nos são colocados guela abaixo. Com senso crítico e driblando a trivialidade, creio que daremos um passo considerável rumo ao Reset, tanto administrativo quanto cultural.
É o que de melhor pode acontecer.
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