Calibrado. Este é o melhor adjetivo que posso dar para o Mad Max: Estrada da Fúria


George Miller, diretor/roteirista/produtor desse e dos outros três filmes da franquia, entre outros como Babe – O Porquinho AtrapalhadoHappy Feet: O Pinguim (pelo qual ganhou o Oscar de melhor animação) soube muito bem como equilibrar tudo o que o filme precisava ter, sem se deixar levar pela nova onda das explosões epiléticas ou para a ligação emocional que as pessoas poderiam ter com os filmes anteriores.

Inúmeros foram os fatores que separaram esse Estrada da Fúria dos outros filmes e Mel Gibson do projeto, da ascensão da carreira do ator e suas confusões pessoais até o 11 se setembro, a guerra no Iraque e o destino em si. Foram 30 anos para que se chegasse o agora. E, graças aos céus, a coisa não degringolou com o tempo.

Mad Max retoma a ação sensata


Os filmes de ação perderam-se um pouco nos anos 2000 com a solidificação do CGI. Filmes de herói como Homem-Aranha e X-Men eram deleites visuais, mas o recurso começou a ser utilizado muito mais para esse tesão de ver o teioso voando por Manhattan do que para auxiliar na história. Feito brinquedo novo na mão de criança, sabe? Quem poderia culpá-los.

O novo Mad Max consegue ser grandioso e manter os pés no chão. Noventa porcento do filme foi efetivamente filmado, usando a tecnologia a seu favor para retocar o que já era grande. Baita ponto para o filme que não se perde em punhetação de grandeza. Muitas sequências de câmera dão aquela nostalgia da estética dos anos 80, mas sempre com frescor, o que coloca a narrativa nos dias de hoje e não com a cabeça lá atrás.

Silêncios pontuados, o ruído intenso em momentos muito precisos. Um baita cuidado para não rocambolear sequências de ação no melhor (pior) estilo Michael Bay.

Respeito aos Westerns


Esse é um verdadeiro faroeste de comboio:

O primeiro Mad Max, de 1979, ecoava Rastros de Ódio (1959) e outros westerns de vingança na trama do cavaleiro solitário que caçava os “índios” que dizimaram sua família. Dois anos depois, Mad Max 2 aderia ao subgênero da defesa do forte, com Gibson integrado a um grupo de colonos do futuro. Ao servir de gladiador de aluguel em Além da Cúpula do Trovão (1985), Max não se diferenciava muito dos pistoleiros como o Shane de Os Brutos Também Amam (1953), que se veem no meio de um confronto pelo controle de um oásis próspero no deserto. 

[…] De resto, desconfie de quem acha que “falta roteiro” neste Mad Max; westerns de comboio são exatamente assim, enxutos e pautados pela ação, pelo menos desde 1939, ano de No Tempo das Diligências.

Marcelo Hessel, em sua crítica no Omelete.

Leia também  Dicionário Criativo: a paixão pelas palavras é incurável

Mais do que ter uma sequência em sua narrativa em si, os filmes da franquia Mad Max se constroem e se ligam muito mais pela evolução nos subgêneros dos clássicos do western. Assim como faz o filme Drive, há uma homenagem em outra estética, em vez de uma homenagem retrô (tão bonita quanto, mas um pouco mais galhofa) d’Os Mercenários

Histórias são recontadas o tempo todo e, em Mad Max, isso é feito com respeito.

O empoderamento feminino


Claro que isso é incrível, não há como negar o teor feminista do filme e me deixa muito contente assistir uma história contada em duas horas em que não há conotação sexual e não utiliza as personagens femininas como alívio sexual no filme. Mais que isso, o Mad Max não faz com duas mãos o que a Furiosa, personagem da Charlize Theron, faz com uma. 

Não que o sensual e o sexual precise ficar de fora dos filmes, mas é legal demais perceber que o diretor não precisou dessas muletas nem uma vez. Salva de palmas e que mais cineastas enxerguem isso como qualidade.

Mad Max não se leva a sério demais


No final das contas, com toda essa carga por trás, estamos falando de um filme de ação, certo?

Adrenalina, barulho, explosões, pancadaria, gritaria, velocidade, (pequeno mas insignificante spoiler aqui, mas parágrafo seguinte continua tudo limpo) guitarrista maluco atazanando

Tá tudo lá, teria que estar tudo lá. A película tem, sim, sua farofa. Um filme esquisito nesse porte – um faroeste travestido de distopia desértica australiana – precisava dela, de uma pitada de extravagância, da linha fina entre o brega e o estiloso. E isso tudo é feito de forma muito coerente. A narrativa é suficiente para carregar o filme do início ao seu fim, sem explicações complexas, sem amarrações espertas demais, sem Christopher Nolanzices. O mínimo que precisaria haver era o respeito ao intelecto de quem está assistindo e isso acontece. Quando fica espalhafatoso, tem seu porquê e, quando se mantém com os pés no chão, é para o bem de toda a obra.

Que sejam novos tempos de filmes de ação com mais parcimônia de efeitos especiais e com mais piração do entretenimento equilibrado.


Calibrado.

Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados