“Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo.”
Voltaire
Pode ser até que o iluminista francês não disse a tal célebre frase a ele atribuída, mas o que importa aqui é a afirmação em si, que cai como luva nas ações de James Donovan, interpretado por Tom Hanks em mais uma empreitada com Steven Spielberg. Pontes dos espiões é um filme que fala de justiça e tolerância, fatores que levam – ao menos na ficção – um resultado bom para todo mundo.
Donovan é um advogado que trabalha com seguros e precisa defender, nos tribunais, um cidadão britânico acusado de ser espião a mando da União Soviética no ápice da Guerra Fria. Os Estados Unidos vêm de uma era Bush e guerra contra o terror e, agora, de eleições primárias com tons de xenofobia islâmica. O (nada) bom e velho “nós contra eles”. E em Pontes dos Espiões já começamos com o oposto, um homem de princípios que vê “seu cara” como mais uma pessoa a ser defendida sob as leis da constituição americana. Disso, outra pequena volta nos que achariam que esse seria mais um filme de devoção à liberdade e democracia dos Estados Unidos. Todos os envolvidos, agentes do governo e da justiça, estão atrás de vingança, da eliminação imediata da ameaça.
Mas o mundo é um pouco mais complexo e a Guerra Fria também. E é isso que Spielberg vai nos mostrar. Uma primeira parte que aponta para uma trama de tribunais se transforma em um drama de negociação. Um piloto americano é capturado na União Soviética e precisa voltar para casa. cada país com uma moeda de troca. Cada corrida de informação com medo que o outro lado obtenha mais sucesso com possíveis confissões.
A coisa fica grande.
E Steven Spielberg tem duas armas na mão. A primeira é nova, a co-roteirização da história feita pelos irmãos Ethan e Joel Coen, conhecidos pelas comédias ácidas e de pessimismo cotidiano. Essa mistura da grandiloquência idealista do diretor com o fatalismo engraçado dos Coen dão um equilíbrio que faz deste Ponte de Espiões, o melhor filme do Spielberg em anos, provavelmente sua melhor obra de caráter histórico. A segunda arma é a usual parceria com Tom Hanks, que empresta a Donovan uma estrutura cômica deliciosa, potencializada pela boa escrita dos Coen.
E os Estados Unidos ficam um pouco menos heroicos nessa história. Os governos de ambos os lados são iguais e agem da mesma forma, cada um com sua cultura e ferramentas. Eles querem, em síntese, captar o máximo de informação do outro lado com o mínimo de conhecimento captado pelo inimigo. Não há humanismo ou vontade de resgatar um cidadão de seu país, mas minimizar os vazamentos e a derrota para o outro lado. “Precisamos ter um diálogo que nossos governos não conseguem ter”, diz Donovan em negociação com o articulista soviético. Toda essa desconstrução é contada de maneira didática, quase documental.
Não deixa de ser uma produção que não se arrisca em momento algum, entretenimento seguro para toda a família, mas garante ótimo ritmo e não se deixa afetar pelas pequenas derrapadas de mostrar que a “América” é a melhor democracia já vista.
Pra um Spielberg, é baita avanço.
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