Divertida como entretenimento, a história do pacificador também levanta ótimas reflexões sobre masculinidades, violência, traumas, alegrias e redenção
Confesso que sou “marvete” e, quando tem lançamentos da DC, eu reluto. Demoro a ver as produções. Minha impressão é que a DC se leva muito a sério (e eu sou uma fã de comédias, não de tiroteios e perseguições de 20 minutos).
Foi pelo amor às comédias que, dois meses depois do lançamento, eu resolvi assistir Peacemaker, a série da DC, dirigida por James Gun, que conta a história do “pacificador” (disponível na HBO Max). O figurino e a abertura (que é icônica) entregam que a série não é mais uma produção escura e sisuda da DC.
https://www.youtube.com/embed/_mrr3UNALww?rel=0
Eu já esperava trocadilhos e ironias. O que eu não esperava era que Peacemaker fizesse uma discussão tão boa sobre masculinidades. E é por isso que eu resolvi falar sobre a série no PDH.
“Trazer a paz ao mundo não importa quantos homens, mulheres e crianças eu tenha que matar pra isso”.
Esse é o lema do nosso herói Chris Smith, um homem extremamente preocupado com seus músculos, que sabe manusear qualquer tipo de arma e que acredita nos seus valores, sem olhar para as consequências de seus métodos. Ao mesmo tempo que o pacificador tenta trazer a paz ao mundo pela força bruta, ele quer dar orgulho ao seu pai, um soldado que criou o filho para ser uma máquina e que não aceita qualquer demonstração de fraqueza.
O personagem do pacificador, interpretado pelo ex-lutador de luta livre, John Cena (mais suprasumo da “cultura macho” que isso?), representa um ideal da masculinidade que se destaca pela força.
No entanto a séria usa todo o potencial da comédia para mostrar que por trás dos músculos de Cena existem farsas, camadas profundas que se somam: para além da casca de assassino brutal, existem tristezas, comportamentos patéticos, traumas, também alegrias — que se expressam pelos vinis de rock — e comprometimentos, responsabilidades, sensibilidades. É justamente quando toda essa complexidade vem à tona, que o pacificador se torna um personagem muito melhor de se amar.
Sem dar spoilers, a série vai mostrar esse prisioneiro sendo chantageado em mais uma missão impossível. Mas ela vai muito além disso: retrata um protagonista revendo suas dores, suas crenças, seus valores e métodos. Adentrando a trama os diálogos vão ficando mais específicos e profundos. Conhecer os sentimentos e histórias que habitam o pacificador abre muitas portas para conversas sobre o universo masculino. [Se você já assistiu, podemos conversar sobre os detalhes nos comentários]
A discussão sobre masculinidades é ótima, mas não é o único motivo pelo qual Peacemaker vale a pena: a trilha sonora, tal qual em Guardiões da Galáxia (2014) é excepcional, afinal “não existe hora ruim para ouvir rock”. A comédia é escrachada sem ser óbvia.
Todos os episódios tem uma cena pós-crédito que mostra os atores prolongando piadas a níveis divertidíssimos. As cenas de ação vem recheadas de sangue, feridas gráficas e numa velocidade que empolga e não enjoa. Os figurinos exagerados e a tecnologia caricata a la “Power Ranger” é uma cereja no bolo.
James Gun consegue novamente. Assim como no MCU, sem delongas, nem volteios, a produção nos conquistas com todo o time de personagens: Adebayo, Harcourt, Economos, Murn, Vigilante. Todos os coadjuvantes (e vilões) tem sua própria trajetória bem desenvolvida e entrelaçada com a missão. Não há um ponto final para os problemas individuais, mas há elaboração. Um aprende com o outro, tomam forças para encarar as diferentes inseguranças e se fortalecem mesmo sem extinguir as dores.
A série não é, em nada, professoral. Sem palestrinhas, a trama comenta sobre tonelada de temas sociais importantes: racismo, violência policial e crinalização especialmente dirigida a pessoas negras, supremacia branca, gordofobia, legalização da maconha, pena de morte, fakenews, machismo, inseguranças e vaidades masculinas, paternidades, aquecimento global, colonização, decisões autoritárias X decisões incertas que sejam coletivas.
Peacemaker tende a agradar muitos públicos: os fãs de super heróis, de tramas de ação, de comédia e estudiosos de discussões de gênero. E pode ser um ótimo puxador de conversas para levar debates sobre masculinidades além dos círculos de costume.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.