Que graça tem viver uma vida comum? Acordar e escovar os dentes, ir para o trabalho de segunda à sexta-feira, sempre na mesma hora e com as mesmas roupas. Encontrar as mesmas pessoas e fazer o mesmo trajeto dirigindo um ônibus todo o santo dia. Ir no mesmo bar para ver os mesmos amigos. Repetir tudo na manhã seguinte. E de novo.
E mais uma vez.
Mas que poderia soar como a provável coisa mais chata de todo o universo, se olharmos com um pouquinho mais de atenção, vai se parecer muito com algo que temos como bem íntimo e familiar: a nossa própria vida.
E não tem como escapar, amigo. Você pode correr atrás de ser um astro do cinema ou da teledramaturgia brasileira, médico ou traficante de entorpecentes, o rei do fucking camarote. Qualquer que seja o seu ideal de vida, há rotina até mesmo na aventura.
E há beleza na rotina. Muita. E Paterson é prova disso. Veja bem. Paterson é um motorista de ônibus que mora em Paterson, Nova Jersey. Todos os dias ele caminha até a garagem da companhia e passa por seu enorme logo pintado na parede: "Paterson".
A repetição.
Sua esposa (a iraniana Golshifteh Farahani) sonha que eles tinham gêmeos e, nos dias seguintes, ele se depara com irmãos idênticos, no bar, pra fora da janela e dentro de seu ônibus. A repetição. Ao chegar em casa, toda vez Paterson encontra a caixa do correio torta. Pega as correspondências e ajeita a angulação da madeira fincada no gramado. Nesse meio tempo. ele vai escrevendo poesias em um caderninho. Sempre antes de começar a dirigir o ônibus e na hora do intervalo, sentado sempre com a lancheira aberta.
E o que era pra ser monotonia vai se transformando em poesia junto com seus escritos retratados na tela enquanto ele os escreve. Jim Jarmusch é um diretor que sabe muito bem como trabalhar para que recortes assimétricos soem como algo bonito, para que pequenos desconfortos bobos nos cheguem como deliciosos arroubos. De Sobre Café e Cigarros ao Bill Murray catatônico em Flores Partidas, seu intuito é que percebamos a máxima: as coisas são a importância que damos para elas. As coincidências, as repetições, o embaraço, as epifanias e tragédias que julgamos para mais ou para menos em nosso humor no dia a dia. Adam Driver é um Paterson é um impávido e gentil com o mundo. Nada o abala a ponto de sair de um eixo. As coisas boas ele as delicia de mordiscadas. As coisas ruins ele deixa escorrer feito chuva no cabelo da menina.
E a vida é boa demais assim.
O ponto está em perceber os detalhes do trivial, a beleza sempre nova das bolinhas que sua mulher pinta nas paredes, nos vestidos, nos bolinhos que ela faz para a feira de pequenos produtores. É o se colocar disponível para o microscópico fascínio diário, o se colocar no aqui e no agora, sem baboseira de carpe diem, mas no simples fato de olhar, de ver e de reparar.
É a tal combinação perfeita de dois pés no chão e a cabeça nas nuvens.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.