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O vídeo acima apresenta movimentos velozes, efetuados com uma precisão sobre-humana. Saltos arriscados, de alturas que amedrontam até os mais corajosos. Acrobacias executadas sem nenhuma proteção, ao ar livre. Se algo der errado, já era.
Esse é o parkour que acabou se tornando mais conhecido, mais pop, e também é a imagem que seduz interessados e curiosos de todo o mundo. Era também a visão que eu tinha quando comecei a treinar, após assistir pela primeira vez a um vídeo sobre a coisa na internet.
Isso é sensacional, mas não é parkour.
Por que nos movemos?
Me pego sempre questionando o tamanho da incoerência, da loucura, que é perguntar por que alguém se move. Será que nos perguntaríamos isso ao ver um macaco transitando livre por entre as árvores?
No entanto, é uma pergunta que frequentemente aparece quando alguém toma contato com o parkour.
Temos braços, pernas e uma capacidade incrível. Podemos subir em quase qualquer árvore e atravessar quase qualquer muro. Nós, os praticantes de parkour, utilizamos essa capacidade para nos sentir livres, expressar nosso corpo e criar um laço com nós mesmos. Nos tornamos autossuficientes.
Podemos nadar para não nos afogar, ou saltar um muro caso fiquemos presos. Auxiliar alguém que está passando mal e precisa ser carregado, ou simplesmente chegar mais rápido a um lugar de difícil acesso. Por meio dos treinos e da superação de situações adversas buscamos, de diversas formas, aprender mais sobre nós mesmos.
Para nós, a pergunta que faz mais sentido, e que surge quando vemos as outras pessoas, é “Por que eles não se movem?”
Parkour é isso:
ᔥYouTube | Parkour, literalmente
Parkour é treinar o corpo com o objetivo de ultrapassar qualquer obstáculo em um caminho, negociando sua movimentação entre os obstáculos da maneira mais eficiente possível. É uma disciplina física não-competitiva na qual os participantes correm por um percurso, adaptando os movimentos à situação.
Quanto tempo você demora para ir de casa ao trabalho? Quanto desse tempo você gasta respeitando as limitações impostas por muros, esperando que portas se abram, dando voltas geograficamente desnecessárias?
Em cinco minutos, o quanto você consegue se movimentar pela sua cidade?
Se você assistiu ao vídeo acima, viu o quão longe dá para ir em cinco minutos, se fizer isso com eficiência. Substituímos nosso habitat por selvas de concreto, e agora queremos aprender a nos movimentar por elas com a mesma liberdade que nossos antepassados tinham.
Isso é parkour.
Não é algo exatamente fácil de entender para muitas pessoas que cresceram com a mentalidade moderna em relação a esportes. “Uma atividade física muito intensa, mas não competitiva? Como assim?” E só piora quando afirmo que nosso principal objetivo é ajudar as pessoas.
Filosofia em movimento
O parkour não tem um livro de regras ou código de conduta que devemos seguir. Não há nada parecido com uma bíblia, que deva ser seguido por todos. O que temos é um consenso entre os praticantes mais experientes do mundo inteiro: já que estamos passando uma disciplina adiante, os ganhos podem ser ainda maiores para todos os envolvidos se pudermos transmitir algo positivo em conjunto.
Não queremos ser atletas, apenas pessoas melhores.
Como na origem temos o Método Natural de educação física (sobre o qual falei neste texto aqui mesmo no PdH), foi algo automático transmitir os mesmos valores do método para o que praticamos agora. Aplicamos o altruísmo e o movimento funcional como pontos focais dos nossos treinos, que podem ser representados no lema do Método:
“Ser forte para ser útil.”
Existem muitos motivos para praticarmos uma atividade tão divertida e plástica como o parkour, e muitos deles não condizem com o objetivo, mas procuramos criar uma sólida base de treinamento onde nenhum dos pilares seja negligenciado. A ideia é conseguirmos treinar com foco em ajudar a nós mesmos para ajudar o próximo e, não menos importante, nos divertir e ganhar qualidade de vida.
O criador
Este é o francês David Belle, criador do parkour, explicando a sua criatura:
Porém, diferente deles, David sempre teve uma predileção maior por aventura e liberdade, o que fez com que ele não suportasse muito tempo a vida militar.
Mais tarde, enquanto treinava o que viria a ser conhecido como parkour, ele teve vários empregos comuns, realizou-se como ginasta, passou três meses treinando Kung Fu na Índia e, por fim, começou uma carreira no cinema.
Entre os filmes que participou, seja como ator ou coreógrafo de cenas acrobáticas, o mais famoso é provavelmente Prince of Persia: The Sands of Time, no qual coordenou as cenas de parkour do personagem principal.
Acrobacias não servem a propósito algum
Dentro do rígido treinamento que é incorporado, existe uma procura pelo desafio, pelo domínio do corpo. Queremos sempre ir além.
Existem na internet inúmeros vídeos como o que abre este texto, que acabam vinculando o parkour a movimentos estéticos, “firulas”. São artifícios para tornar os vídeos mais atraentes, além de relatos de progresso daqueles praticantes, que treinam coisas consideradas inúteis pelo parkour em sua definição clássica. Eles buscam uma forma de aumentar sua consciência corporal, e isso não é de modo algum condenável.
Porém, não é algo que pertença ao parkour, como podemos ver analisando o seu próprio nome: David Belle, quando batizou a disciplina, usou a palavra Parcours (“percurso”, em francês), alterando dois detalhes importantes:
- O “C” foi trocado pelo “K”, com o objetivo de demonstrar a agressividade dos treinos.
- O “S” do fim foi removido, já que não é pronunciado no francês, representando a remoção do que não for útil.
Movimentos estéticos não fazem parte do parkour. Eles podem servir como uma forma de inovar o treino e se divertir, adquirir novas habilidades e entender melhor o corpo, mas, obviamente, nunca seriam utilizados em situações de emergência.
ᔥYouTube | Saltos mortais também ajudam a produzir vídeos sensacionais
Como posso treinar?
Os treinos são muito práticos e, até determinado ponto, exigem pouca ou quase nenhuma teoria. É uma arte de experimentação e adaptação. Nenhuma aula teórica ou lição pode dizer ao seu corpo a melhor maneira de se movimentar. Ele precisa se adaptar aos poucos até adquirir sua própria forma.
Você e seu corpo devem se entender muito bem nesse processo. Tenham em mente que não nos adaptamos aos movimentos, os movimentos é que se adaptam a nós.
Se quiser começar, fortaleça seu corpo e sua capacidade aeróbica. A força proporciona segurança para executar os movimentos, tornando tudo mais fácil. Se observar qualquer vídeo, vai reconhecer que correr é começo de tudo. Sem saber correr, não se pode concluir um percurso.
Aprenda como relaxar mais, como respirar melhor. Entenda como evitar lesões, se fortalecer e se alimentar melhor.
ᔥYouTube | Fortalecendo a casca num treino para poucos
Procure grupos que já treinem em sua cidade. Todos os grupos que já conheci são muito receptivos e nunca ouvi falar de algum que cobrasse dos seus membros (logo, se não estiver treinando em um local especializado que forneça segurança, desconfie se pedirem dinheiro).
Em termos de academia, existe apenas uma reconhecida no Brasil: a Tracer, em São Paulo.
Parkour x Freerunning
Há supostas competições sendo transmitidas recentemente, muitas vezes se apropriando do nome do parkour, mas a isso damos outro nome. Como você já sabe, o parkour é não-competitivo em sua essência. Estas competições são na verdade do que chamamos de Freerunning, uma interpretação do parkour que deixa de lado a busca pela eficiência e incorpora elementos de criatividade e expressão corporal através de diferentes variações dos movimentos.
Existem várias franquias organizando competições de freerunning, muitas delas com praticantes de parkour, embora a categoria também atraia naturalmente ginastas, artistas marciais, b-boys e todo tipo de pessoa que pratica acrobacias em algum tipo de trabalho com movimento corporal.
ᔥYouTube | Este é o parkour, simples e eficiente
ᔥYouTube | Este, apesar de ter movimentos parecidos, é freerunning. Toda diferenciação pode ser feita a partir do objetivo
Dúvidas?
Sou praticante de parkour há 8 anos, fundador da Associação Brasileira de Parkour e mantenho o blog DeCimaDoMuro.com, sobre a prática. Quero que este texto que você acabou de ler seja uma das melhores referências em português sobre o assunto, por isso me disponho aqui a responder, ou ao menos tentar, qualquer dúvida que surgir nos comentários. As melhores podem se tornar atualizações no texto.
No mais, estamos todos no mesmo corre. Com eficiência.
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