Obs.: Se tem spoiler? Essa é uma boa pergunta. Este artigo não revela nada da trama em si, mas aponta aspectos macro que os mais sensíveis podem, talvez, ver com maus olhos. Mas acho que tá bem seguro.

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Quando Brad Pitt aparece sorrindo para a câmera ao final de Bastardos Inglórios e manda a célebre frase “sabe, eu acho que essa é minha obra-prima”, eu fiquei com medo. Para mim, era clara a referência ao próprio Tarantino fazendo tal afirmação, como se ele soubesse que esse seria seu ápice como cineasta, que não tinha mais para onde correr como criativo. 

E o que fazer quando se encontra, finalmente, seu mais alto grau? O que se faz depois de supor a perfeição na sexta tentativa? Django Livre tem lá seus momentos, mas ainda carregava vícios que poderiam se tornar repetição e o diretor autor acabaria caindo no limbo de outros que não souberam seguir depois do topo, no melhor estilo Tim Burton de fazer cópias mal feitas da própria obra. 

Era hora de voltar para o básico.

Os 8 Odiados e o ótimo “timing”

John Ruth é um caçador de recompensas, interpretado por Kurt Russel, que está levando uma condenada, Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh), para ser enforcada. Estamos no Wyoming do pós guerra civil, no norte gelado do oeste americano. Uma nevasca coloca Ruth e sua prisioneira em uma estalagem com mais figuras bem peculiares, todos de honra bem duvidosa, como haveria de ser em uma região inóspita dessa época americana. Um outro caçador de recompensas, expulso do exército. Um ex-membro de gangue sulista que jura ser o novo xerife da cidade cidade adiante. O carrasco que enforcará sua prisioneira, um mexicano que cuida do abrigo, um silencioso cowboy que está a tomar notas da própria história e um ex-confederado já bem velho, talvez velho demais.  

E enquanto passamos boa parte do ano com produções complexas e pretensiosas – Birdman, grande vencedor do Oscar, e seus planos-sequência, Mad Max e sua ação exacerbada, VingadoresStar Wars e todas as aventuras carregadas dos braços da Disney, O Tarantino vem e nos dá teatro.

E que belo timing. Em tempos de blockbusters cheios de camadas, roteiros labirínticos, efeitos em cima de efeitos, locações mil, o Tarantas grava quase toda a sua história em um único cenário ao melhor estilo anos 50 de Hitchcock e 12 Homens e uma Sentença. Ao melhor estilo Cães de Aluguel. Pela contramão, o autor nos dá o início, algo simples e bonito. Lembrando que os adjetivos usados neste parágrafo não sugerem demérito a nenhum dos filmes acima.

Os 8 Odiados e o visual

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Os 8 Odiados é um confronto de conversas claustrofóbicas e uma textura teatral espalhafatosa. A entoação das vozes, as posições bem demarcadas em cena, como se estivessem no palco. Não temos seus fantásticos diálogos que misturam filosofia e cultura pop, como o papo da Madonna virgem em Cães ou a mitologia por trás do Superman em Kill Bill Vol. 2, mas isso tudo seria apenas distração para a plástica que o diretor queria nos oferecer com sua gravação feita em filme de 70mm, uma maravilha expandida para gravar, ironicamente, um ambiente fechado. 

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Não se engane, ele quer muito que você preste atenção nos detalhes visuais. Ele quer que você desconfie de todos como eles desconfiam um dos outros. Ele quer que você repare nas pistas, no que é mostrado e o que é escondido. Tudo isso embalado pela trilha sonora imbecil de boa do Ennio Morricone, compositor, arranjador e maestro italiano conhecido pelas trilhas dos spaghetti westerns do diretor Sergio Leoni. 

Seria esse o melhor filme do Tarantino? 

No mundo há conversas cujo o objetivo é chegar a lugar nenhum. Maradona ou Pelé, biscoito ou bolacha, saber se no céu tem pão. O resultado é o mesmo quando a pergunta é “qual o melhor filme do Tarantino?”. Há muita coisa envolvida, muitas sentimentalidades que não são possíveis de ficar de fora e nem poderiam ser levadas em conta. Tem quem prefira as ambientações urbanas dele, quem vá pender para as homenagens aos filmes orientais e de faroeste, tem quem prefira a carga histórica, os que só vão pelo gore e a galhofa, quem ostente o trabalho mental de encaixar o roteiro rocambolesco antes das outras pessoas. Também influi o momento de cada pessoa, a recepção mais calorosa de um dos filmes pelo simples fato de tê-lo assistido logo na estreia, de ter participado do calor do lançamento, de ótimas discussões quentes logo após a sessão, no bar, na casa de alguém, na Internet. 

Eu, particularmente, me sinto agraciado quando algo sai do que poderia ser esperado. Foi assim com seus primeiros filmes, o estilo de narrar uma história e de conduzir diálogos em prol de um plano bem arquitetado. Mas depois o previsível era esperar pelo improvável. Este Os 8 Odiados me deixou contente por quebrar expectativa atrás de expectativa sem sair do decoro tarantinesco. Tudo ali é muito familiar, continua impregnado em minha memória afetiva. Na soma dos fatores, do lado de cá, este se encaixa entre os melhores.

Ironicamente, vejo uma renovação em um caminho que está no final. Ao que consta, segundo o próprio Tarantino, sua carreira como cineasta vai até o décimo filme.

E se esse é o começo do fim, acho que o que vem depois do ápice seja a volta para casa.

Outros textos sobre Os 8 Odiados:

“Tarantino faz exercício de metalinguagem (e mais uma obra de arte) com Os Oito Odiados”, lá do Judão;

“Ele é de esquerda?”, lá do blog do IMS.

Pequeno epílogo

Que grande ator é o pequeno Walton Goggins. Eu já gostava muito dele como antagonista da série Justified e de suas aparições em Sons of Anarchy. A delícia em vê-lo em cena se potencializa sob a direção do Tarantino. Vão atrás deles, pessoas.

Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados