Fazer cinema sempre foi caro. Nunca foi “brincadeira de criança”, como dizia o poeta pagodeiro.
Convencer um magnata dono de estúdio a assinar um cheque cheio de zeros era tarefa dura e a palavra “risco” já passa longe desses escritórios há tempos.
Nos anos 60, estava rolando uma virada de mesa na cultura norte-americana. Elvis não era mais o rei. Kennedys, Vietnã, Woodstock, Martin Luther King. Os movimentos de contracultura que vinham desde o começo da década ganhando força e, enfim, fizeram-se ouvir. A moçada “revolts” ansiava por mudanças e os executivos dos estúdios queriam se comunicar com eles.
Afinal, eram eles que pagam as entradas do cinema. E então os executivos deram carta branca para alguns jovens diretores e roteiristas que estava surgindo. Esses, agora vistos como autores, não como funcionários, foram responsáveis por uma das épocas mais prolíficas do cinema norte americano. Bebendo direto desses movimentos de contracultura e por outras correntes cinematográficas como a Nouvelle Vague francesa e o Neorrealismo italiano, fizeram, na janela de uma década, esses filmes:
Obs.: qualquer lista não é isenta de gosto pessoal e, com certeza, grandes filmes ficaram de fora. Não se trata, aqui, dos “mais simbólicos”, tampouco dos melhores, mas de alguns que acho boas escolhas para serem vistos.
Epílogo
Porque tudo tem que ter um começo.
A Última Noite de um Homem (The Graduate – 1967, de Mike Nichols)
Uma comédia controversa, muito antes do termo “MILF” ser popularizado.
Com inovações de linguagem e uma trilha sonora sensacional de Simon & Garfunkel, é um desses filmes que ficam cada vez menos datados.
Perdidos na Noite (Midnight Cowboy – 1969, de John Schlesinger)
Outro com o Dustin Hoffman, um conto sobre dois anti-heróis tentando sobreviver a uma metrópole que destroça tudo.
Especialmente sonhos.
Sem Destino (Easy Rider – 1969, de Dennis Hopper)
Sexo, drogas e rock and roll. O clichê inevitável para descrever o sentimento de uma época e a percepção que o “sonho americano” começou a escorregar entre os dedos.
Se você já colocou “Born to be Wild” e pisou fundo na estrada, além de ser um baita clichê, está fazendo uma referência ao filme.
Os anos 70
E a década começa.
M.A.S.H. (1970, de Robert Altman)
Outra comédia (que resultou na aclamada série), mostra um bando de médicos chapados e doidões em plena guerra do Vietnã, questionando valores da América tradicional.
Está ao lado de “subversivo” no dicionário.
Cada um Vive Como Quer (Five Easy Pieces – 1970, de Bob Rafelson)
Jack Nicholson, o ator do momento. Aquele que todos queriam estar perto.
Nesse filme de resgate ao próprio passado e a si mesmo, ele começa a mostrar seu talento irreparável.
Operação França (The French Connection – 1971, de William Friedkin)
Qualquer parágrafo sobre esse filme vai falar sobre a sequência de um carro perseguindo um trem. É inevitável e não poderia ser diferente.
Outro caso de anti-herói. Dessa vez, fardado e com um distintivo.
Ensina-me a Viver(Harold and Maulde – 1971, de Hal Ashby)
Um dos romances mais controversos do cinema, cheio de humor negro e questões existencialistas.
Ashby consegue ao mesmo tempo te fazer rir e chorar.
Laranja Mecânica (A Clockwork Orange – 1971, de Stanley Kubrick)
Kubbrick já era macaco velho nessa época e não tinha muito a ver com a turminha que estava surgindo.
Mas como deixar de fora um dos filmes mais cultuados, atuais e urgentes da época e de hoje em dia?
A Última Seção de Cinema (The Last Picture Show – 1971, de Peter Bogdanovich)
O sonho americano perdido até onde era mais forte: no interior dos EUA.
Este é um filme sobre o cowboy melancólico e o retrato de uma época que ficou pra trás.
Shaft (1971, de Gordon Parks)
O mais icônico da “blaxploitation“.
Pessoalmente não acho o filme uma maravilha, mas ver uns carinhas dando tiros enquanto toca um soul é sempre legal.
Perseguição Implacável (Dirty Harry – 1971, de Don Siegel)
“Go ahead, make my day.”
O Poderoso Chefão (The Godfather – 1972, de Francis Ford Coppola)
De toda a lista, talvez o que mais dispense comentários.
Arrisco dizer que aprendi mais assistindo o filme com os comentários do Coppola do que toda a faculdade de cinema.
O Exorcista (The Exorcist – 1973, de William Friedkin)
Quando foi lançado, consideraram o filme mais assustador de todos os tempos. É difícil discordar.
Sucesso de público e de crítica, foi bastante controverso na época não só pelo jeito que foi feito, mas pelos temas e personagens “subversivos” que colocou.
Loucuras de Verão (American Graffiti – 1973, de George Lucas)
Além de ter uma das piores traduções, o de George Lucas era um filme de baixíssimo orçamento, feito em poucos dias, e que se passa em apenas uma noite antes do protagonista precisar tomar uma grande decisão.
As expectativas e anseios que resume toda uma geração estão aqui.
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Caminhos Perigosos (Mean Streets – 1973, de Martin Scorsese)
O primeiro filme de Scorsese e De Niro juntos, o Bebeto e Romário da época.
Aqui, o diretor começa a imprimir uma marca e estilo próprios que seriam marcantes por décadas.
O Poderoso Chefão Parte II (The Godfather Part II – 1974, de Francis Ford Coppola)
Empatado com na categoria “Melhor sequência de todos os tempos”.
Se o primeiro filme mostrava a ascensão de Michael, esse mostra até onde ele vai para manter o seu próprio poder.
Chinatown (1974, de Roman Polanski)
Um da década de 70, considerado por muitos até hoje como um dos melhores roteiros já escritos.
Robert Towne é o mestre do subtexto.
O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chain Saw Massacre – 1974, de Tobe Hooper)
De baixíssimo orçamento e um instantâneo, foi um dos precursores da violência explícita e do terror psicológico.
O filme tem tantas histórias e curiosidades que um artigo inteiro pra ele seria pouco.
A Conversação (The Conversation – 1974, de Francis Ford Coppola)
Como Coppola conseguia filmar tanto e manter esse nível de qualidade, eu não sei.
Enquanto filmava O Poderoso Chefão próximo de uma linguagem mais tradicional do cinema americano, ele faz esse outro filme com mais liberdade, se aproximando da narrativa de alguns filmes europeus, para falar da paranoia americana.
Uma Mulher Sob Influência (A Woman Under Influence – 1974, John Cassavetes)
Se existe um “independente” de essência, é o Cassavetes. Ganhava um trocado sendo ator, ficava brother da equipe e, ao invés de chamar o pessoal prum na laje, chamava pra fazer um longa metragem. Filmava em sua própria casa, a protagonista era sua mulher, fazia tudo na vasca.
O resultado de ter tanta liberdade foi uma obra-prima atrás da outra.
Corações e Mentes (Hearts and Minds – 1974, de Peter Davis)
O primeiro documentário da lista questiona o nacionalismo exagerado, racismo, Guerra do Vietnã e a maneira bélica que os EUA tomavam na resolução de conflitos.
Urgente e controverso, gerou um ótimo constrangimento na cerimônia do Oscar em que ganhou o prêmio de melhor documentário.
O Jovem Franskstein (Young Frankstein – 1974, Mel Brooks)
Uma das comédias mais legais de Mel Brooks.
Aqui, faz a primeira paródia de um filme de terror da história. Botava em cheque o próprio cinema, antigo, clássico, ao reproduzir essa versão piadesca do original.
Tubarão (Jaws – 1975, de Steven Spielberg)
Um clássico. Mudou o sistema de distribuição dos filmes nos EUA.
Se antes as películas eram lançadas com poucas cópias, em poucas salas, esperando o boca a boca e a opinião dos críticos, em Tubarão, resolveram lançar várias cópias e um investimento massivo em publicidade. Era o primeiro sinal da era dos blockbusters.
Um Estranho No Ninho (One Flews at Cuckoos Nest – 1975, de Milos Forman)
Forman tem uma carreira bem instável. Oscila entre filmes completamente esquecíveis e fortes momentos na tela grande. Esse, felizmente, faz parte da segunda categoria.
Em 1976, venceu as principais categorias do Oscar com esse filme: melhor filme, melhor ator (Jack Nicholson), melhor atriz (Louise Fletcher), melhor diretor (Milos Forman) e melhor roteiro adaptado.
Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon – 1975, Sidney Lumet)
Lumet também já era macaco velho, filmava desde mil novecentos e preto e branco. Mesmo assim, o fazia ainda com vitalidade nos anos 70.
Esse é um filme completamente atual, com umas das melhores performances do Al Pacino. Vale lembrar que, para manter a tensão no alto, a história começa com a canção “Amoreena” do Elton John, e não há música incidental ou trilha sonora de fundo no resto do filme todo.
Rede de Intrigas (Network – 1976, de Sidney Lumet)
Outro do Lumet. Outro sensacional.
Discute a nossa relação com as notícias, a espetaculização delas, entre outras questões cada vez mais atuais.
Rocky – Um Lutador (Rocky – 1976, de John G. Avildsen)
Enquanto os filmes simbólicos dessa geração questionavam os valores e a cultura norte americana, era o símbolo do oposto: com trabalho duro, todo mundo pode ser um vencedor (até se perder a luta).
Seu grande sucesso de público e o Oscar que ganhou de Taxi Driver foram indicativos do interesse do público em retomar seus valores antigos.
Harlan County: Tragédia Americana (Harlan County USA – 1976, de Barbara Kopple)
Outro documentário imprescindível e, infelizmente, talvez o único filme dirigido por uma mulher na lista. Ela acompanha uma greve de trabalhadores em um mina de carvão. Humano e forte, é um grande filme sobre o trabalho.
Taxi Driver (1976, de Martin Scorsese)
Obra-prima máxima, com um personagem complexo, representativo das ambiguidades da época. O final, também ambíguo, gerou polêmica e controvérsia sobre a posição do diretor.
Carrie, a Estranha (Carrie – 1976, de Brian de Palma)
Brian de Palma é um virtuoso na direção. Se o filme nem tivesse história, já valeria a pena pelas imagens que constrói. A do banho de sangue é clássica.
Fuja das continuações e refilmagens.
Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall – 1977, de Woody Allen)
Se você tem a ideia de que todas comédias românticas são filmes açucarados com a Sandra Bullock ou a Meg Ryan, veja esse. Profundo, humano e muito engraçado .
Coloquei a cena inicial, só pra dar um gosto.
Guerra nas Estrelas (Star Wars – 1977, de George Lucas)
Quando George Lucas apresentou sua ideia do para os amigos, acharam que ele estava perdendo o prumo, ficando doido. Ursinhos, galáxias, jedis. Que porra é essa?
O filme mais cultuado da história.
O sucesso do filme foi uma ruptura contra os próprios diretores, de certa maneira. Os executivos voltaram a procurar grandes sucessos de bilheteria, sendo produzidos e lançados com outra lógica.
Eraserhead (1977, de David Lynch)
David Lynch não é brasileiro, mas não desiste nunca. Oito anos filmando seu primeiro longa-metragem, devido à falta de grana.
Mas ele conseguiu terminar a obra que, hoje, é um clássico.
Interiores (Interiors, 1978, de Woody Allen)
Tem gente que diz que os filmes do Woody Allen são todos iguais. Acho que precisam ver esse.
Cinzas no Paraíso (Days of Heaven – 1978, Terrence Mallick)
Não torça o nariz só porque tem o Richard Gere.
Terrence Mallick é um diretor que não erra.
O Franco Atirador (The Deer Hunter – 1978, de Michael Cimino)
Trata de temas como nacionalismo exarcebado, drogas, violência física e psicológica, doenças mentais, valores morais e lealdade.
Tá bom pra você? Ok, tem o Robert De Niro em um de seus melhores momentos.
Halloween – A Noite do Terror (Halloween – 1978, de John Carpenter)
Outro clássico do terror de baixo orçamento.
Apocalypse Now (1979, de Francis Ford Coppola)
Um verdadeiro épico. Coppola, com sua mania de grandeza, apostou todo o bom dinheiro que tinha feito com “O Poderoso Chefão” no seu próximo projeto. Recuperou tudo e teve lucro.
Mais tarde, ele quebraria de novo.
O filme é uma imersão na selva em plena guerra do Vietnã e, para mim, um dos melhores filmes de guerra já feitos. A versão estendida de 3 horas e meia é do caralho, e o documentário sobre a realização do filme, imperdível.
Killer of Sheep (1979, de Charles Burnett)
Um recorte sobre as vidas, conflitos e situação dos negros em Los Angeles. Sem uma trama que segue o filme todo, ele faz um panorama de uma época sendo ao mesmo tempo engraçado, profundo e triste.
Manhattan (1979, de Woody Allen)
Outro filmaço do diretor. Mais uma vez tentando encontrar regras, padrões e tentando ordenar algo tão inexplicável quanto nossas relações de afeto e neuroses.
A fotografia, do Gordon Willis, é linda.
Kramer vs Kramer (1979, de Robert Benton)
Dustin Hoffman e Meryl Streep solando juntos em um drama sobre a separação de um casal.
Alien, o Oitavo Passageiro (Alien – 1979, de Ridley Scott)
Dois gêneros estavam em alta com o público: o thriller e a ficção cientifica. Ridley Scott juntou os ingredientes e fez um hit.
Bônus Track
Touro Indomável (Raging Bull – 1980, de Martin Scorsese)
Ok, a década já acabou, mas tem o mesmo espírito. Paul Schrader, Scorsese e De Niro se juntaram pra fazer outro filme maravilhoso, sobre um boxeador que é nocauteado pelas próprias ambições.
Entra fácil na minha lista de 10 melhores de todos os tempos.
E agora a lista segue. Como já disse, muitos filmes ficam de fora, afinal, uma década se passou até aqui. Mas podemos tornar esse espaço um belo acervo de filmes dos anos 70. Basta ir nos comentários e colocar como aqui: nome do filme, ano e link do YouTube do trailer.
Nos falamos lá embaixo.
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