É bonito ver o Peñarol, mais de duas décadas depois, na final da Taça Libertadores.
Inclusive, a forma como o Peñarol chegou até foi recheado de capítulos épicos. Três classificações garantidas fora de casa. A última, contra o Velez Sarsfield, foi de encher os olhos. Um time argentino contra um time uruguaio. Pressão, briga e jogador expulso. Drama, virada, herói e vilão. A essência da Taça Libertadores se fez presente naquela partida. O Peñarol, enfim, disputaria uma nova final.
Não por acaso. Pois o Uruguai passa por uma brilhante revolução estrutural em seu futebol.
Analisar o atual momento em cima de resultados é uma bobagem necessária. Depois de uma longa seca, o Uruguai abocanhou um quarto lugar na Copa do Mundo, teve o melhor jogador daquele mundial, garantiu vaga nos Jogos Olímpicos de 2012 com o segundo lugar do Sul-Americano Sub 20 e é finalista da Taça Libertadores de 2011. Algo bastante considerável para um país de 3,3 milhõesde habitantes e que, convenhamos, não tem o futebol como a sua maior preocupação.
A base desse trabalho está nas categorias amadoras da própria seleção. Existem trabalhos paralelos ao de preparação do atleta que focam na formação acadêmica do jogador. A nova seleção olímpica é um exemplo recente. Entre os 22 jogadores que participaram do Sul-Americano, dez fizeram o ensino médio e todos finalizaram o ensino fundamental. Além disso, quatro cursam alguma faculdade.
Um dos responsáveis por esse projeto é o psicólogo Gabriel Gutierrez. Homem forte na Associação Uruguaia de Futebol, Gutierrez defendeu um trabalho solido e focado na formação de cidadãos. Seu trabalho nos inicio do século foi silencioso, mas aos poucos ele implantou um modo diferenciado de revelar jogadores: trabalhando o caráter do atleta.
Esse trabalho de base, mesmo visando resultados positivos, tem a interessante preocupação com o país. A formação de profissionais dentro das categorias é pensando em quem vai fracassar nos campos. “É obrigatório exigir o estudo como plano A ou B como atividade fundamental porque as cifras do futebol são muito duras”, disse Gabriel Gutierrez em entrevista a Lucio de Castro, jornalista da ESPN Brasil.
O técnico da seleção principal, Oscar Tabarez, sempre foi um entusiasta do projeto. Ele participou in loco de peneiras e entrevistas com jovens jogadores no interior do país. A idéia era criar um time do zero, com garotos de no máximo 14 anos. Essa iniciativa possibilitou uma característica essencial no futebol moderno: a identificação com o conceito da camisa. O uruguaio reaprendeu como se joga o futebol que, originalmente, foi bi-campeão do mundo e campeão olímpico.
A nova geração do futebol uruguaio está sendo trabalhada. Mas já é possível ver a influência desse trabalho na dias atuais. O Peñarol, por exemplo. O Peñarol não inventa. Ele joga um futebol tipicamente uruguaio. Um jogo coletivo, de superação, vibrante e frio. A tendência é que cada vez mais times e seleções uruguaias respeitem essa origem do futebol cisplatino. Não acredito que isso seja suficiente para vencer o Santos. Mas a campanha do Peñarol é uma vitória moral. Uma vitória da tradição.
Assim sendo, vejamos: Copa do Mundo 2014, Uruguai, Maracanazo…
Melhor nem pensar nisso.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.