É difícil achar alguém que não goste de viajar. Eu mesma vivo repetindo por aí que meus intercâmbios e viagens solo mudaram minha vida – tanto por me ajudarem a me tornar uma pessoa melhor quanto por terem transformado minha profissão, já que hoje vivo do meu blog de viagens. Mas apesar de ter muitos pontos positivos, o turismo também pode ser (e frequentemente é) muito prejudicial. Tipo, ruinzão mesmo.
Pra começar, sabia que o turismo é responsável por 10% do PIB mundial, e 1 em cada 10 empregos no mundo estão ligados a esse setor? Mas apesar dessa força econômica gigante, a atividade não é tão estudada ou regulamentada quanto outras grandes indústrias.
Você certamente já ouviu falar bastante sobre os males causados pela agricultura ou exploração de petróleo, por exemplo. Mas será que tem noção do impacto negativo que pode ajudar a provocar nas suas viagens?
Quem ganha a vida falando sobre viagens – blogueiros como eu e “influenciadores digitais” – dificilmente problematiza essas questões.
Tanto na mídia digital quanto na imprensa tradicional, a norma é encontrar textos que se assemelham a uma propaganda dos destinos, ou narrativas que vendem viagens como um ideal de “lifestyle” que todo mundo deveria almejar.
“O jornalismo frequentemente dá ao turismo um ‘passe-livre’. Diferentemente da indústria do petróleo, que é escrutinada em todos os níveis, a escrita de viagens virou uma extensão da indústria”, argumenta Elizabeth Becker no seu livro Overbooked: the exploding business of travel and tourism”.
Sim, viajar é incrível e acredito que todo mundo devia ter a oportunidade de explorar esse mundão. Mas enquanto focamos só nos efeitos dessa prática em nós mesmos, costumamos negligenciar os impactos do turismo nos lugares que visitamos.
E já passou da hora de começarmos a pensar seriamente nisso – e tomarmos atitudes a respeito.
Tá, mas de que tipo de impactos negativos estou falando? Infelizmente, os problemas provocados pelo turismo de massa se estendem a vários âmbitos, como ambiental, econômico e cultural. Olha só alguns exemplos:
1. Deterioração do meio ambiente
Estudos apontam que o turismo é responsável por 8% das emissões atuais de gases de efeito estufa. Além disso, vários ecossistemas muito frequentados por turistas já estão tão degradados que as autoridades estão tomando medidas (provavelmente atrasadas) pra protegê-los de ainda mais danos.
É o caso de praias na Tailândia que foram, mais de uma vez, fechadas pra se recuperarem dos danos causados pelo turismo de massa. A mais famosa é a Maya Bay, que bombou depois de aparecer no filme A Praia, com Leonardo DiCaprio. Segundo esse relatório do Center for Responsible Travel, 77% dos seus corais estão sob sério risco.
Sem falar no uso de animais em atrações turísticas, que quase sempre é ruim. A ONG Proteção Animal Mundial estima que aproximadamente 110 milhões de pessoas visitam lugares que promovem turismo cruel com animais silvestres, enquanto a Wildlife Conservation Research Unit (WildCRU) aponta que pelo menos 560 mil animais silvestres sofrem por causa de atrações turísticas irresponsáveis.
Essa crueldade às vezes é mais evidente, como os casos em que os bichos são mantidos em cativeiro em condições terríveis, acorrentados ou dopados pra posarem pra fotos com turistas ou forçados a fazer truques e acrobacias.
Mas de acordo com a Proteção Animal Mundial, mesmo quando os animais estão em seu habitat natural, eles sofrem sempre que há interação com humanos. Fazer carinho ou dar comida pra atraí-los pode tornar os animais dependentes da alimentação por humanos, fazê-los brigar entre si, provocar doenças ou acelerar a reprodução de uma espécie de forma anormal, alterando o ecossistema do lugar.
Passeios de elefante, fotos com tigres e serpentes "encantadas" em vários países asiáticos são alguns exemplos de exploração animal no turismo, mas não é preciso ir tão longe. Na Amazônia, por exemplo, a maioria das agências de turismo promove a exploração de botos, bichos-preguiça ou jacaretingas.
Quem participa dessas atividades geralmente não faz ideia de que está fazendo mal aos bichos. Você só queria uma foto com o boto cor de rosa fofinho, né? Por isso, é importante se conscientizar sobre isso.
2. Exploração cultural
No aspecto cultural, turistas também podem causar prejuízos, ainda que geralmente sejam mais difíceis de mensurar. O que acontece muitas vezes é uma mercantilização de manifestações tradicionais, que são transformadas em espetáculos ou espécies de “zoológicos humanos”.
Podemos mencionar, por exemplo, os tours por favelas que promovem uma perpetuação da pobreza em troca da geração de uma renda que vai em sua maior parte pra uma empresa externa, e não pra os moradores do lugar. Existem, sim, casos em que as visitas trazem benefícios às comunidades, mas frequentemente o “turismo de favela” transforma a pobreza em entretenimento.
Também vale refletir sobre o desrespeito de quem vai conferir cerimônias tradicionais e trata o evento como uma mera atração turística. Existem relatos de que muita gente que vai ver a Ronda das Almas em Luang Prabang, no Laos, não respeita recomendações básicas como não chegar perto demais dos monges, não usar flash e não fazer barulho durante o ritual.
Outro exemplo, já mencionado aqui no Papo de Homem, é o caso das mulheres-girafa da Tailândia. Essa antiga tradição se tornou objeto de exploração e as mulheres têm seus direitos humanos desrespeitados enquanto geram lucro vindo do turismo.
Muita gente vê viagens como merecidos momentos de descanso e descontração, funcionando como uma pausa na rotina estressante. Mas isso não nos pode fazer esquecer que os lugares que visitamos não estão lá só pra servir a nosso divertimento ou contemplação. Não podemos tirar férias das responsabilidades que temos como cidadãos, seja onde for.
3. Turismo sexual
Outro problema grave que muitas vezes está conectado ao turismo é a exploração sexual infantil. A Unicef calcula que 1,8 milhão de meninos e meninas são vítimas de turismo sexual no mundo, e isso não é de hoje.
Pesquisadores afirmam que “o turismo sexual não pode ser visto isolado do desenvolvimento do próprio turismo. Sua existência está intimamente vinculada aos modelos de desenvolvimento da atividade historicamente constituídos”.
No Brasil, o problema é muito grave. De acordo com essa matéria da BBC, estamos em vias de ultrapassar a Tailândia como principal destino de turismo sexual no mundo.
E especialistas apontam que as principais áreas afetadas pela exploração sexual de crianças e adolescentes são os maiores polos turísticos do país, com destaque para o litoral do Nordeste.
4. Desequilíbrio econômico
Um argumento muito usado em favor do turismo é a promessa de geração de renda pra os destinos. Infelizmente, grande parte do dinheiro gasto com o turismo vai pra os países ricos, mesmo quando viajamos pra cidades no chamado Sul Global.
Grandes cadeias de hotéis, resorts, restaurantes e cruzeiros abocanham uma parcela considerável daqueles tais 10% do PIB mundial, e muito pouco fica de fato com a população local.
Mas de quão “pouco” estou falando? De acordo com um relatório da Organização Mundial do Trabalho (OMT) citado no The New York Times, pra cada 100 dólares gastos por um turista num país "em desenvolvimento", só 5 dólares ficam naquele país.
E os problemas econômicos também afetam países ricos. Em Veneza, uma das cidades mais afetadas negativamente pelo turismo, ativistas locais se queixam de que poucos visitantes frequentam lojas e restaurantes cujos donos são venezianos.
No lugar de padarias, açougues e serviços criados por (e voltados para) moradores, estão surgindo cada vez mais negócios pra turistas, como lojas de souvenir e hotéis de redes internacionais. Somando a isso a explosão no preço dos aluguéis, Veneza tem praticamente expulsado os habitantes que estão lá há gerações.
Essa matéria do The Guardian afirma que há 10 anos havia 60 mil residentes no centro histórico de Veneza. Hoje, são apenas 53 mil. Enquanto isso, a cada ano a cidade recebe mais de 20 milhões de turistas.
Algo parecido acontece com Barcelona. “A prefeitura de Barcelona calcula que o aluguel turístico é até quatro vezes mais rentável que o convencional, e isso desvia o mercado em direção aos visitantes e dispara os preços", diz essa matéria do El País.
Consequentemente, cresce a chamada "turismofobia", reação dos visitantes contra os problemas provocados pelo turismo excessivo. Se você visitou a capital catalã nos últimos anos, certamente viu pichações que dizem “vão embora, turistas” ou algo do tipo, né?
5. Overtourism (ou: quando o turismo é em excesso)
A deterioração dos patrimônios históricos e do espaço público em geral também tem levado vários destinos a estudarem limites no número de visitantes que recebem, tentando evitar o chamado “overtourism” (turismo em excesso, em tradução livre).
Alguns exemplos são Dubrovnik, na Croácia, que quer controlar a chegada de cruzeiros que trazem milhares de visitantes de uma vez, e a Holanda, que não pretende divulgar mais o país como destino turístico.
O caso de Machu Picchu, no Peru, também é representativo: o relatório de 2018 do Center for Responsible Travel observa que apesar de a Unesco recomendar um máximo de 2.500 visitantes por dia, nos meses de alta temporada o lugar recebia regularmente o dobro desse número.
“Com tantos visitantes, o patrimônio está rapidamente perdendo sua integridade. (…) O overtourism também reduz a qualidade da experiência dos visitantes – uma pesquisa no Google por ‘Machu Picchu superestimado’ trouxe 643 mil resultados”, diz o texto, lembrando que recentemente as autoridades criaram um novo sistema pra controlar o número de visitantes.
Precisamos parar de viajar?
Se você, como eu, acha que viajar é uma das coisas mais importantes da vida, pode ficar meio em crise ao chegar nesse ponto do texto. Mas calma: não é que todo mundo precise parar de viajar.
De acordo com especialistas, a questão é fazer com que o poder público administre destinos turísticos de uma forma mais responsável ambientalmente, culturalmente e socialmente.
Alguns itens importantes são reduzir a sazonalidade, diversificar os destinos e atividades turísticas, reforçar a proteção ao meio ambiente e levar as opiniões dos moradores em consideração. E, é claro, fazer com que entidades privadas do setor acatem as regulações.
Como viajantes individuais, não temos o poder de transformar problemas tão complexos, que envolvem jogos de poder e dinheiro muito além do alcance de meros mortais como eu e você. Mas podemos, sim, nos esforçar pra viajar de forma cada vez mais responsável e estimular outras pessoas a fazerem o mesmo.
Tá certo que o turismo responsável exige mais pesquisa e pensamento crítico do que simplesmente seguir a manada e viajar “no automático”. Dá mais trabalho, concordo com você. Mas além de deixar nossa consciência mais tranquila, ele costuma proporcionar experiências muito mais autênticas.
Já demos aqui algumas dicas pra que você, turista, não destrua os lugares por onde passar, e também falamos de opções de turismo sustentável incríveis.
Além disso, algumas recomendações pra viajar de forma mais sustentável são escolher destinos menos explorados pelo turismo de massa, evitar a alta temporada e pesquisar muito ao planejar sua viagem. Assim, você evita incentivar práticas antiéticas ou degradantes ao meio ambiente e pode escolher empresas com práticas sustentáveis.
Também é importante privilegiar hospedagens que pertençam a moradores, consumir produtos locais, interferir o mínimo possível na natureza, vivenciar a cultura de forma respeitosa, evitar atrações com animais silvestres e economizar água e energia elétrica.
E quando for planejar sua próxima viagem, vale muito a pena procurar projetos de turismo de base comunitária no destino. Essas iniciativas colocam a população local no protagonismo em todas as etapas, além de levarem em consideração a sustentabilidade social e ambiental das atividades.
Esse tipo de viagem é uma oportunidade de se integrar de forma mais genuína aos lugares visitados, mergulhando no seu modo de vida e cultura. E, ao mesmo tempo, contribuir pra o desenvolvimento humano e social do destino.
Sim, o turismo pode ser péssimo pra o mundo. Mas também pode ser incrível. Viajando de forma responsável, podemos não só sair da zona de conforto e aprender sobre nós mesmos e sobre outras culturas, mas também deixar legados positivos pra os lugares que conhecemos. Vamos nessa?
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