O Templo de Salomão, um dos maiores santuários do mundo, foi inaugurado semana passada, e não parece que vai sair das manchetes tão cedo.
Parece que nem os estádios da Copa, muitos deles mais caros e com empréstimos públicos generosos, receberam tanta cobertura negativa.
Não que ela seja necessariamente injusta, bom dizer. Do alvará irregular usado na obra à falta de melhorias no trânsito nas cercanias ou o possível papel na contaminação das terras da USP Leste, o Templo nasce cercado de questões condenáveis ou no mínimo discutíveis, que devem ser investigadas.
Mas não são apenas as questões legais que aparecem nas conversas na hora de condenar a obra. Lendo os principais jornais ou o meu feed, parece haver uma clara má-vontade generalizada sobre o novo local de peregrinação.
Há muita gente questionando a arquitetura (que seria inspirada no Kitsch de Las Vegas, ou algo assim); um post bastante compartilhado tem um certo tom de deboche nas observações — comparando o monumento a shopping centers ou parques da Disney —; e a imagem de políticos na inauguração é usada para atacá-los, indiscriminadamente, como se todos só estivessem ali para ganharem votos, beijar a mão de alguém que poderia magicamente tocar o rebanho para a urna.
O Templo de Salomão é tratado, para essas pessoas, como uma aberração, ou uma maldição com que teremos que aprender a conviver.
Cercando todas essas histórias, as caixas de comentários e compartilhamentos, há uma narrativa onipresente: a ideia que Edir Macedo e tantos outros líderes religiosos (especialmente os neopentecostais) ganham dinheiro “enganando o povo”. Qualquer matéria “elogiosa” ao bispo fala apenas do seu “tino para negócios”, como se seus templos fossem tão somente grandes agências bancárias apenas com a função de depósito.
Essa lógica, tão pervasiva em nossa cultura nos últimos anos — ao menos nos círculos que se dizem mais intelectuais —, trata os “crentes” como um povo sofrido, normalmente pobre e ignorante, que gasta o que não tem para sustentar templos cada vez mais suntuosos e o luxo de pastores (como a cobertura de Edir Macedo e família, por exemplo).
É uma visão generalizante (portanto, equivocada), preconceituosa, que interdita um diálogo que merece ser mais cheio de nuance.
Segundo o último censo do IBGE, 22,2% dos brasileiros se declaram evangélicos. Eram 9% em 1991. É uma parcela cada vez mais significativa da população, o que de cara já desafia a narrativa vigente: se essas pessoas doam tanto dinheiro para a igreja, como a renda média do brasileiro cresceu tanto nos últimos 15 anos? Só os ateus e católicos enriquecem?
Os críticos não estão muito interessados na matemática da coisa. E a ideia de que as pessoas que enriquecem Edir Macedo e outras igrejas são tolas, e estão em busca de “milagres”, fantasias, promessas vazias, continua muito forte.
Ela está, por exemplo, em diversas perguntas que Marília Gabriela fez ao pastor Silas Malafaia em uma das entrevistas mais polêmicas do ano passado. Ficamos meses discutindo a existência ou não de um “gene gay” ou algo assim — uma tolice que Malafaia insistiu —, mas pra mim há uma parte, pelo jeito que a pergunta é colocada e especialmente a resposta, que mereceria mais atenção. Diminua o volume pra suportar a gritaria do pastor e assista a esses 3 minutos:
Qualquer pastor ou evangélico que você se dispuser a conversar lhe dirá algo semelhante ao que Silas disse. Há um certo benefício em frequentar o culto, em participar daquela comunidade, em viver sob determinados ensinamentos e não é mero “conforto”, conforto, como definiu a jornalista, ou um “milagre”. É mais.
É algo que eu, ateu que sou, talvez nunca consiga entender. Mas que é real. Para muita, muita gente. Eu conheço casos — próximos — de gente que de fato teve a vida transformada quando entrou em uma igreja evangélica.
Eu tenho esperança (ou fé) que seja possível tratar dependentes químicos de drogas como o crack de maneira mais humana, com acompanhamento clínico, mas é impossível negar que diversas igrejas ajudaram viciados a largarem crack, cocaína ou o álcool.
Também nutro um irracional otimismo de que um dia reformaremos nosso sistema penal e carcerário, para prender menos gente e dar penas mais dignas. Enquanto isso não acontece, alguns presos efetivamente se arrependem e buscam uma vida mais direita seguindo ensinamentos bíblicos nos presídios. A própria Igreja Universal, por exemplo, atua em 350 presídios, com 6,8 mil voluntários que além de pregar, oferecem serviços de saúde e doam produtos de higiene.
E não são só bandidos ou viciados que acham a “cura”. Há gente em momentos difíceis de depressão ou desentendimentos com os familiares que acham naqueles templos não só conforto, mas uma saída. E que acha, como Silas, justo agradecer a tudo isso de alguma forma. E, monetariamente, essas coisas “não têm preço”.
E não sei se cabe a mim julgar a decisão individual de alguém dar a quantia que seja para agradecer à graça alcançada. Mas quando estamos falando que Edir Macedo ergueu o Templo enganando um monte de gente, é exatamente isso que estamos fazendo.
Não gosto de Edir Macedo. Tenho certo nojo da figura desde aquela reportagem de 1995 que mostra ele ensinando a pastores como deve ser feito o pedido do dízimo (“ou dá ou desce!”). Há muitos relatos de pessoas reclamando que a maneira com que a IURD pede doações chega a ser agressivo. E certamente há milhões de evangélicos que concordam comigo que 680 milhões de Reais é muito dinheiro para se gastar em um templo, que isso é pecado, ostentação.
As opiniões de Edir Macedo não podem ser confundidas com todo o seu rebanho, menos ainda com as de todos os evangélicos. Há diferenças sensíveis entre Bento XIV e o Papa Francisco, mas elas não influenciaram de maneira tão forte o nosso julgamento sobre os católicos ou mesmo outras lideranças da igreja católica. Precisamos ver essas crenças como coletivos de pessoas que são, e respeitar mais as individualidades.
Porque há muita diferença dentro do protestantismo no Brasil. Edir Macedo defende o aborto (diz que é “a favor do direito de escolha da mulher”), Silas Malafaia é terminantemente contra. Há o Pastor Feliciano fazendo absurdos na Comissão de Direitos Humanos e há a Igreja Cristã Contemporânea, que lota seu templo em São Paulo justamente por abraçar homossexuais.
Os templos e os cultos dos 3,7 milhões de seguidores da Igreja Batista são diferentes dos 1,8 milhão que seguem a Igreja Evangelho Quadrangular, ou os 1,5 milhão de adventistas e os 750 mil da Sara Nossa Terra.
Mesmo assim, colocamos em seguidas reportagens, comentários e posts todo mundo no mesmo saco. É um tal de “bancada evangélica” aqui, “voto evangélico” pra lá, “doutrina evangélica” ali. Tudo pra designar, no fim, o que seria o “atraso” ideológico, o “obscurantismo”, como prefere um deputado. Podemos fazer melhor.
(Já que está na moda fazer um “manchetômetro” para designar se os grandes veículos de mídia estão contra ou a favor do governo, aliás, seria interessante ver como está a cobertura dos “evangélicos”.)
Precisamos de um Estado cada vez mais laico também. É abominante a ideia de que conquistas civis, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, possam ser desfeitas porque alguns desses líderes religiosos interpretam a Bíblia de determinada maneira, por exemplo.
Mas falta empatia também — de ambos os lados — para avançar o diálogo. Quando insistimos que um deputado, representante do povo no nosso atual sistema, “não nos representa”, ou tratamos o Templo como uma aberração erguida pelo dinheiro de tolos, estamos fortalecendo uma divisão que não nos interessa, impedindo qualquer reconciliação.
E isso interessa alguns líderes-estrela, que se aproveitarão de ânimos exaltados para criar um história de “perseguição”, e de certa forma terão razão. Não precisamos disso.
De novo: são pelo menos 42,3 milhões de pessoas que se definem evangélicos no Brasil. E crescendo. Podemos atacar e questionar bispos sem bater nos fiéis, cobrar o alvará ou o IPTU sem desrespeitar um lugar que é considerado sagrado, condenar posições políticas de alguns mas sem generalizar pra todos.
Podemos, certo?
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