“Essencialmente é isso o que eu sinto da vida. Cheia de solidão, miséria, sofrimento, tristeza, e é tudo muito rápido!

Esse trecho maravilhoso faz parte do monólogo inicial do filme Anniel Hall do Woody Allen (que, aliás, eu recomendo talvez mais do que qualquer outra coisa pra você assistir quando puder). Entre essas maravilhosas e divertidas contradições do mundo moderno, ela explicita uma das minhas favoritas: muitas vezes temos medo de perder o que não gostamos ou o que nem queremos.

Conversando com uma amiga, certa vez, vi que ela precisava desesperadamente, urgentemente e de maneira inadiável, se divertir. Era sábado. Era noite. Ela estava sozinha, e a ideia de não ter pra onde ir, com quem ir, e de não convencer a si mesma (e aos outros, já que ela iria postar o que estivesse fazendo no Instagram) de que ela estava fazendo algo REALMENTE divertido e “curtindo a vida” seria igual a uma hecatombe existencial. O gatilho de um processo de auto flagrante da própria necessidade desesperada de divertir, e uma janta requentada, sóbria, acompanhada de sua série favorita no Netflix, ou um livro, seria o mesmo que lembrá-la que sua vida não tem sentido algum.

A necessidade era tanta, e tão assustadoramente intensa, que caiu a ficha logo depois. Ela não trabalha pra sobreviver e pra ter acesso ao lazer, ela precisava do lazer como uma compensação do trabalho. Uma vida na contramão do que fazer com o próprio tempo. Precisava justificar pra si mesmo que as horas extras não remuneradas valiam a pena. Que estar 24 horas por dia à disposição dos chefes checando e-mails e Whatsapps valia a pena, que esse novo trabalho que consome mais horas, pega mais trânsito e paga só um pouquinho a mais, valia a pena.

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E daí eu lembrei de uma frase que o Antonio Candido fala sobre o tempo, belíssima:

“Acho que uma das coisas mais sinistras da história da civilização ocidental é o famoso dito atribuído a Benjamim Franklin: ‘tempo é dinheiro’. Isso é uma monstruosidade. Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida. É esse minuto que está passando. Daqui a 10 minutos eu estou mais velho, daqui a 20 minutos eu estou mais próximo da morte. Portanto, eu tenho direito a esse tempo. Esse tempo pertence a meus afetos. É para amar a mulher que escolhi, para ser amado por ela. Para conviver com meus amigos, para ler Machado de Assis. Isso é o tempo. E justamente a luta pela instrução do trabalhador é a luta pela conquista do tempo como universo de realização própria. A luta pela justiça social começa por uma reivindicação do tempo: ‘eu quero aproveitar o meu tempo de forma que eu me humanize’. As bibliotecas, os livros, são uma grande necessidade de nossa vida humanizada".

E essa divagação toda ainda tem um bônus: o curta metragem chamado BMW Vermelho, de 2000, dirigido pelo Reinaldo Pinheiro e interpretado pelo absurdo Otávio Augusto. Ele fala, de maneira mais divertida, claro, sobre como as vezes temos medo de perder aquilo que nem queríamos. Sem mais delongas, o filme:

Link do Youtube

Fecho o texto abrindo com a pergunta pros comentários: o que vocês tem medo de perder (e nem querem de verdade)? E por quê? E quantas vezes se pegam dizendo “eu não tenho escolha”?

Paulo Leierer

Escreve e dirige (tirou sua carta em 2003). É apaixonado por cinema desde que viu Esqueceram de Mim" e morre de vergonha de escrever em terceira pessoa."