Quando a Seleção Brasileira sofreu a derrota histórica para o time alemão pelas quartas de final da Copa, tivemos que passar (individual e coletivamente) pelos cinco estágios do sofrimento. Alguns de nós foram rápidos, se conformando com a derrota ainda durante o jogo. Outros foram mais devagar e demoraram alguns dias para digerir e entender o que estava acontecendo.

Eu me lembro que, nessa época, a internet ficou inundada de textos que se propunham a explicar e a nos ajudar a engolir a derrota histórica.

Um dos textos que eu mais curti foi este belo artigo, que compara o futebol à uma flor de lótus, dada a sua capacidade de crescer e virar uma coisa linda em meio a condições que lembram chorume.

Em especial, o texto me chamou uma atenção pra um fenômeno que vem acontecendo progressivamente nos esportes desde o final da década de oitenta, que é o uso de análise estatística de desempenho de atletas pra absolutamente tudo.

Lembram quando todo mundo falava da lógica do time alemão e do seu estilo eficiente de jogar, visando resultados? Lembram dos posts em massa comentando sobre como a atuação alemã ao longo do torneio estava apontando para a nova maneira de se pensar e jogar futebol?

Pois é. Essa Copa foi a consagração, também, das sabermetrics.

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Moneyball é o filme baseado no livro homônimo, que conta a história de Billy Beane, um dos pioneiros da implementação de sabermetrics no esporte

Esta ferramenta já é velha conhecida dos gamers competitivos, militares e de investidores do mercado financeiro, cuja função é avaliar estratégias, riscos e calcular resultados dentro de determinados cenários possíveis, com base em análises objetivas de dados.

Esta abordagem começou formalmente com o beisebol nos EUA, com Billy Beane. Dada a sua eficiência, esta abordagem se espalhou rapidamente para outras modalidades esportivas, para a infelicidade dos olheiros. Aos poucos, o tino do especialista vai sendo substituído por análises de planilhas gigantescas de dados.

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Torneio mundial de LoL. Gamers e nerds já sacaram, bem antes dos técnicos, o poder da análise dos números dos jogos

Basicamente, qualquer jogo competitivo (e corporativo) hoje se joga com uma planilha, utilizando estratégias e táticas que tenham uma chance de resultado (payout) maior com base nos números dos atletas.

Quantos passes certeiros? Qual o percentual de posse de bola de cada jogador? Qual a razão entre chutes a gol e gols marcados? Quantas vitórias por nocaute? Quantas cestas de três? Quantos Aces? Quantas faltas sofridas? Como está a saúde e o preparo físico dos atletas? Qual é o tempo ideal para deixar jogadores se recuperando sem que percam a forma? Tudo, absolutamente tudo, vira célula de planilha.

Ter bons algoritmos e bons cérebros no time virou uma necessidade quase tão importante quanto ter bons jogadores. É o retorno da teoria econômica dos jogos – pensada a partir dos jogos para explicar fenômenos econômicos e sociais – aos próprios jogos.

Cada vez mais o mundo se parece com uma planilha de Plano de Negócios, com um direcionamento estratégico que visa redução de riscos a um patamar tolerável e com o maior número possível de variáveis sob controle. O que a derrota para a Alemanha na Copa fez foi esfregar na nossa cara o quão poderosa é essa ferramenta.

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Como tudo na vida, tudo tem um lado bom e um ruim: os ganhos de eficiência quase sempre se traduzem em uma perda de liberdade e de espaço dentro do jogo, pela necessidade de se enquadrar tudo dentro de um roteirinho estratégico. Aumentam o número de vitórias e o nível dos jogadores, mas perde-se a ludicidade e a “arte” dentro do jogo.

E, nessa brincadeira, o próprio jogo pode acabar morrendo, em um certo sentido. Afinal, qual o propósito de se assistir uma partida na qual se sabe de antemão quem ganha e quem perde? Qual o ponto de se acompanhar o torneio se, lá pela quarta rodada, já dá pra calcular o vencedor?

Em parte, é justamente essa dinâmica que faz o torcedor ligar a TV ou ir no estádio ver o jogo. Mate o imponderável e, por tabela, mata-se a própria razão de ser do negócio todo.

Nesse aspecto, inovação e experimentação viram processos bem delicados. Num mundo em que tudo precisa ser computável e medido dentro de um determinado sistema métrico, não há espaço para as variáveis que fogem ao nosso controle. Se em outros tempos os rapazes mirrados com, digamos, dribles criativos seriam ótimas adições ao um time, hoje parece mais com um investimento de alto risco.

Fazemos um esforço pra excluir qualquer variável imponderável. Só que o que mais tem no mundo são variáveis imponderáveis. E são elas que bagunçam o coreto.

No caso mais específico do futebol, é justamente o que dá o seu apelo e o torna uma caixinha de surpresas. É nesse espaço de criatividade e ludicidade que o time menor ganha do favorito, deixando o jogo mais justo e interessante.

Na época da histórica derrota brasileira para a Alemanha na Copa, no calor do momento, muito se falou sobre fazer mudanças no futebol brasileiro, em face da derrota histórica e do desempenho questionável que tivemos ao longo do torneio. Nesse aspecto, acho positivo não caminharmos ainda mais na direção corporativa que o mundo está tomando, dentro e fora dos campos. Torço para que isso não seja feito à custa daquilo que diferencia o nosso futebol.

Espero que, em alguma medida, se arrume um jeito de se preservar a nossa caixinha de surpresas. Pelo bem do próprio esporte.

Rafa Monteiro

Músico, nerd, gamer. Tem 29 anos, mas ainda não aprendeu a mentir. Conta piadas hediondas de efeito moral. Seu projeto de vida é tirar um ano sabático para viajar pelo mundo, palestrar no TED e zerar sua Fender Strato no hard. Tem um blog sobre <a>guitarrismos</a> com tiragem devezemquandenal. No twitter: <a href="http://twitter.com/#!/@_rafa_monteiro_">@_rafa_monteiro_</a>"