Não sei o quão representativa é minha resposta de exemplar do gênero feminino, mas sempre tive um fetiche por barbas.
A-DO-RO barbas volumosas, densas e compridas.
Há algumas semanas, quando conheci o João*, estava pensando o porque da minha preferência.
Ele é fotógrafo e nos encontramos em um show. Tinha uma barba cheia, linda. Duas semanas, alguns telefonemas e emails depois nos encontramos e não o reconheci. Queria ir embora imediatamente quando vi aquele maxilar descerimoniosamente pelado. Um despudor deserotizante.
Mas não havia o que fazer com elegância: estava ali e tentei conter minha decepção. Lá pelas tantas, depois de forçar-me aproveitar a companhia do desbarbado, sugeri que ele ficava melhor na primeira versão e ele confessou que tirou a barba naquele dia, em ocasião de nosso encontro mas que deixaria crescer. Só faltou pedir segunda chance.
O cara era legal mas de volta em casa fiquei surpresa com minha falta de discernimento inicial: como fui enganada por um monte de cabelos faciais?? como não desconfiei do escondido e tomei-o por belo? logo eu, tão sensível aos detalhes.
Fiquei pensando e resgatei imagem forte preta e branca de meu pai que teve juventude nos anos 70. As fotos do meu pai barbudo com minha mãe no auge da felicidade e frescor dos dois, do amor do qual sou fruto, podem explicar da forma mais freudiana o meu encanto: meu pai é lindo. Passei minha adolescência achando-o conservador mas as fotos eram lúdicas, quase psicodélicas.
Tinha barba, ouvia Beatles, queria mudar o mundo e deixou um bigode pra vida como prova. Minha mãe, ruiva, delicada e transgressora, tinha os cachos longos e tão felizes que brilhavam ao caminho da receptiva barba de meu pai. Era mignon e apaixonada. O casal da foto prometia parentesco comigo e hipnotizava meus olhos de criança melancólica com o divorcio prematuro.
A autenticidade dessa realidade estrangeira era quase ingênua e queria um homem como meu pai, queria ser ruiva.
Destrinchando o fetiche, pensei também em Mordechai: aos dezenove anos me apaixonei por ele, de 16, estudante de seminário chassídico, judeu religioso. O primeiro amor correspondido e forte. Sua barbinha crescia rala mas determinada. Somente anos depois quando ele abandonou a religião e tudo estava menos platônico que fui beija-lo.
Depois veio NY e estudos místicos. Os judeus religiosos não cortam a barba e não sabia o que acontecia comigo cada vez que encontrava um homem na rua… Todos os tamanhos, texturas e tonalidades. Dava um jeito de falar com cada um deles e corava, desajeitada. Ali também haviam sugestões paradoxais coexistindo harmoniosamente.
Primitivos e sofisticados, das cavernas e evoluídos, estudiosos de suas limitações e poderes, arrogantes, sem desculpas mas esperando redenção, todos com culpa e tesão acumulados, ficavam docemente nervosos correspondendo minha timidez. Estava no paraíso e não entendia porque teria que escolher somente uma barba para casar mas não tinha pressa e escolheria a mais sábia e viva.
Na prática, foram poucas barbas que beijei e é verdade que existem algumas menos agradáveis caso a atração pelo macho seja mais sensorial do que descrevi pois a justificativa táctil é bem menos sofisticada: a sensação de pele com pele é melhor. Mas mesmo nesse nível, antes barba fazendo cócegas à barba por fazer, arranhando meu rostinho.
Uma boa barba é imponente e humilde ao mesmo tempo. Barba é coisa de macho. É porte, é majestade e escolherei o Rei à bundinha de neném.
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