Não é preciso ser um grande conhecedor de automobilismo para ter ouvido falar de grandes equipes de competições como Gulf Motor Sport ou Martini Racing, por exemplo.
As pessoas que formam equipes como essas decidem dedicar suas vidas à velocidade.
Patrocinada pela famosa fabricante de bebidas, a Martini Racing competiu nas últimas décadas em corridas de carros de turismo, rallyes, corridas de aviões e até de super barcos! Para essa gente, assim como para Steve McQueen em 24 Horas de Lemans, “correr é viver; o que acontece antes ou depois é apenas espera“.
No Brasil, também tivemos uma grande equipe de competições para nos orgulharmos. Devido a dificuldade em manter seus famosos Karmann-Ghia Porsches correndo, a equipe de competição da concessionária Dacon teve suas atividades encerradas. Anísio Campos, um dos designers da Puma, aproveitou a oportunidade e assumiu a equipe que agora passava a se
chamar Equipe Z.
Anísio viajou para a Alemanha nos anos 70 e trouxe para o Brasil o Porsche 908/2 que era utilizado pelo Príncipe da Espanha em competições naquele país. De volta ao Brasil a notícia do Porsche se espalhava dentro do restrito mundo do automobilismo nacional. Em pouco tempo a empresa Souza Cruz decidiu investir na equipe que se tornaria lendária no automobilismo brasileiro: A Equipe Hollywood de Competições.
O circuito de vitórias
O nome Hollywood vinha do cigarro vendido pela patrocinadora e os carros da equipe ficaram famosos por ostentarem as mesmas cores encontradas nos maços de cigarros Hollywood. Em pouco tempo, a equipe não viu mais adversários à sua altura no Brasil. Tentaram encontrar
desafios na Argentina, mas também venceram quase todas as provas que por lá disputaram.
Após vencerem quase todas as provas do circuito brasileiro de automobilismo a equipe Hollywood sofreu uma derrota com seu Opala 4100 que disputava a muito difícil Divisão 3 de Turismo. Decidiram então contruir um carro à altura da competição, ou melhor, tão superior a
ela que não daria chance alguma à qualquer adversário. Na Argentina o “Mago de Alta Gracia”, o famoso preparador hermano Orestes Berta recebeu a missão de transformar o Ford Maverick com motor V8 de 302 polegadas cúbicas em uma lenda sobre rodas que jamais fosse esquecida.
Para que tenham a dimensão do que significa ter um carro preparado por Orestes Berta, saiba que até os dias de hoje os Ford Focus líderes da TC2000 argentina são montados pelo velho preparador. Sua competência é tanta que se pensa em criar uma Stock Car Argentina, aos moldes da nossa, com exclusividade de motores Berta.
Isso não é tudo.
O Mago trouxe para o Maverick Hollywood os famosos cabeçotes Gurney Eagle, que dispensam a utilização de coletor de admissão. Ele utilizava 4 carburadores weber em pé diretamente sobre os cabeçotes. Entenderam o que eu acabo de dizer? Não haviam
coletores. O combustível ia do tanque, para a bomba de alta vazão até os enormes carburadores, que dispejavam tudo instantâneamente nos cilindros.
Para quem não conhece o velho Gurney, saiba que ele já construiu um Fórmula 1 sozinho e venceu um GP com seu próprio carro. Lá mesmo em Córdoba o Maverick recebeu reforços estruturais e suspensões especiais sem a caverna dianteira. Até mesmo o motor e o câmbio tiveram sua posição alterada em busca de uma melhor distribuição de peso e redução do centro de gravidade. Os aerofólios não eram acessórios como os que se usam hoje em dia. Criavam um enorme efeito “down force” como em carros da F1.
O Maverick Hollywood
Esse foi o Maverick mais acertado de todos os tempos. Arrisco-me a dizer que mesmo no exterior, poucos Mustangs com bloco 302 equiparavam-se a essa obra prima. Caros leitores, isso é arte tanto quanto os quadros de Picasso ou as músicas de Mozart. Sua estréia no autódromo de Cascavel em 1974 foi memorável.
O carro competiu montado, com forros, estofamento e vidros. Mesmo assim garantiu a pole com facilidade e cravou o recorde de volta naquele autódromo com méida de 145,536 Km/h. Poucos carros de corrida atuais igualariam esse feito.
Em 1974, o carro venceu os 500 Quilômetros de Interlagos com oito voltas de vantagem sobre o segundo colocado. Era tão superior ao dos competidores que gerou muita polêmica e discussões de regulamento. Para se ter uma idéia do que era capaz, o Maverick virou a média de 194,363 Km/h no anel externo!
Repito: velocidade média!
Após se tornar essa lenda de que falo, a Souza Cruz cortou o patrocínio à equipe Hollywood e o Berta Hollywood seria vendido para diferentes donos que, aos poucos, removiam suas principais peças.
Em 2000 o colecionar gaúcho Paulo Trevisan resgatou a história desse ícone brasileiro e rastreou seus antigos proprietários. Visitando um a um, adquiriu as antigas peças do bólido e há pouco tempo finalizou sua restauração.
Essa obra de arte ainda abrilhanta eventos do automobilismo brasileiro com exibições especiais esporádicas. Em breve, o Museu do Automobilismo Brasileiro será fundado na cidade de Passo Fundo-RS, onde esse orgulho nacional poderá ser visto de perto.
Quem viu, e principalmente ouviu, esse inesquecível capítulo da história de nossas corridas, se emociona ainda hoje ao encontrá-lo restaurado.
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