Jerry Seinfeld tem uma piada em que conta que se os alienígenas viessem pra Terra e vissem as pessoas passeando com seus cachorros, achariam que os cães são os líderes. O cachorro caminha à frente e uma criatura prestativa o segue coletando suas fezes e as carregando.
Durante toda vida tive momentos em que me senti como um desses alienígenas visitantes, onde repentinamente percebia a bizarrice de algo tido como normal. Lembro-me de vir a pé de algum lugar e me dar conta de como são esquisitas as ruas: faixas planas de pedra artificial incrustradas na terra de forma que nossas máquinas de ir de um lugar para o outro não fiquem presas no lodo.
Tudo mais também parecia esquisito. Postes de metal que se curvam sobre o meio fio, com globos brilhantes em suas pontas. Habitações retangulares feitas de pedras artificiais e árvores cortadas. O ruído de fundo, um zunido constante e distante de máquinas de ir de um lugar para o outro, e tudo isso construído e operado por uma única espécie de primata.
Mais estranho ainda é o fato de que essas coisas estranhas geralmente não parecem estranhas. Ainda assim, sei que não sou o único a me sentir assim. Algumas pessoas partilham experiências parecidas comigo, e, de acordo com a The School of Life, trata-se de um tema central em A Náusea, o romance de Jean-Paul Sartre.
Sartre aparentemente acreditava que o mundo é muito mais estranho e bem mais absurdo do que normalmente nos parece. A maior parte do tempo, porém, atribuímos ao mundo um tipo de lógica e ordem que não estão presentes, e isso só para que não fiquemos constantemente perplexos. Algumas vezes por um momento perdemos o fio dessa lógica, e a verdadeira esquisitice da vida se revela. Nesses momentos vemos o mundo como ele é “despojado de qualquer preconceito e presunção estabilizadora nos emprestada pelas rotinas cotidianas.” Em outras palavras, ocasionalmente vemos o mundo como que se fosse a primeira vez. O que pode ser uma experiência realmente muito estranha.
Embora eu saiba que não sou o único a ter essa experiência, não sabia como os outros me entenderiam caso eu tentasse explicá-la. Então quando descobri o podcast surpreendentemente popular Bem-vindo ao vale da noite, senti que uma parte pequena e significativa de minha experiência era compreendida pelos outros. O Vale da Noite é uma cidade deserta ficcional, e cada episódio do podcast com cerca de 20 minutos consiste de anúncios da estação pública de rádio deste lugar. O apresentador lê avisos de utilidade pública, propagandas, notícias da comunidade, anúncios sobre o clima e mensagens da Prefeitura.
Isso tudo poderia ser extremamente chato, mas quase tudo que acontece no Vale da Noite é incrivelmente estranho. E até mesmo impossível.
O primeiro anúncio no primeiro episódio é um lembrete da prefeitura quanto ao fato de que cachorros não são permitidos no parque para cachorros, e que tampouco cidadãos são permitidos; além disso, caso alguém aviste figuras encapuzadas por lá, não deve aproximar-se delas. Em seguida vem um comentário não relacionado, dizendo que um gato flutua a um metro do chão, próximo da pia no banheiro masculino da estação de rádio. O gato não consegue sair dessa posição inusitada, mas parece feliz, e a equipe da rádio deixa comida e água ali para ele. Quarta-feira foi cancelada por um erro de agendamento. Há uma nuvem brilhante chovendo pequenos animais numa fazenda nos arredores da cidade. Uma enorme pirâmide apareceu num proeminente local público, quando ninguém estava olhando.
Imagino que quando as pessoas ficam sabendo a respeito da WTNV, elas ouvem por cinco minutos e desistem. De início parece uma piada, ou, no máximo, arte ruim. Mas segui ouvindo, na crença de que os acontecimentos esquisitos acabariam se revelando algum tipo de alegoria ou um código a ser decifrado. Mas não são. A história segue absurda, meio como um Twin Peaks exagerado, sem que nenhuma esquisitice jamais seja explicada.
Tudo é esquisito até que se torna familiar
Estava ouvindo esse podcast com fones de ouvido, caminhando às margens de nosso rio local, e passei por um casal se bronzeando. Já vi pessoas se bronzeando milhares de vezes, mas só então a atividade me pareceu completamente hilária. Em nosso mundo as pessoas algumas vezes tiram as roupas – ou pelo menos tudo quanto a sociedade permitir – de forma a exercer sobre si próprias queimaduras de radiação produzidas por uma bola brilhante no céu. Mesmo sendo conhecimento geral que essa prática aumenta as chances de desenvolver uma doença fatal, as pessoas ainda assim seguem fazem isso porque gostam da cor da pele queimada. A pele queimada até certo tom confere benefícios sociais por algumas semanas.
O próprio fato de que vivemos num planeta seria inacreditável se já não estivéssemos acostumados a ele. Ninguém sonharia uma configuração desse tipo: a vida ocorre numa das muitas pedras em formato esférico que se movem em círculos ao redor de uma bola maior e brilhante. E chegamos a desenvolver grande afeição por essas outras bolas. Quando oficiais depuseram Plutão, e o declararam uma bola de categoria menor, algumas pessoas ficaram bem chateadas, mesmo que ninguém sequer tivesse jamais visto Plutão. Quando uma espaçonave enviada para tirar fotos de Plutão finalmente chegou ao local, descobrimos que ele tinha um coração branco enorme num de seus lados. Esse tempo todo ele também nos amava!
Ouvir a O Vale da Noite nos faz lembrar que nosso mundo não é menos estranho, só é mais familiar. Se em nosso mundo, como no Vale da Noite, os restaurantes que vendem taco algumas vezes ficassem incrustrados no âmbar, aceitaríamos isso como um fato da vida, e seguiríamos em frente. Mas isso não é mais esquisito do que o fato de que, para viver, precisamos respirar um gás que entra em combustão tão fácil e violentamente que todas as cidades precisam ter departamentos especializados para jogar água em qualquer coisa prontamente. (Bill Bryson captura essa estranheza de forma muito bela em Uma curta história de quase qualquer coisa.)
É possível ver a esquisitice de quase qualquer fenômeno normal ao imaginar como você o descreveria para alguém que não nasceu na Terra ou num planeta semelhante. Água cai do céu de forma incontrolável? A cultura pop é obcecada com pessoas que fingem ser outras pessoas em filmes? Alimentamos-nos de comida fresca cultivada do outro lado do planeta? Como é mesmo isso?
As três opções
Então nosso mundo realmente é esquisito e caótico, o que é algo útil de se perceber, uma vez que sofremos tanto insistindo que ele seja sensato e ordeiro. Temos que viver num lugar muito esquisito e, quando esquecemos que ele é esquisito por nossa cegueira de familiaridade, pode parecer temporariamente que algo sempre está errado. Preocupamos-nos com retornar a sociedade a algum tipo de equilíbrio ou sanidade que ela nunca teve, muitas vezes criticando ou perturbando certas pessoas ou grupos ao fazer isso. É um alívio perceber que a vida sempre foi uma doideira.
Albert Camus (que é uma influência óbvia em Vale da Noite) defendeu que o universo é sempre absurdo e caótico, mas que sempre estamos tentando encontrar ordem e sentido nele. Quando você ouve Vale da Noite, sentido é a primeira coisa que você tenta produzir, mas você não consegue. Quando você relaxa perante essa necessidade, algo se suaviza. Você para de fazer tanto esforço. Você ouve mais em termos do momento, do que em termos de como aquele momento se liga a tudo mais. Com isso você gera um senso de humor com relação a coisa toda, por mais negro que fique.
Como Vale da Noite exige que seus ouvintes voluntariamente se abram a esquisitice extrema, isso acabou me deixando menos nervoso com as bobagens culturais e políticas de nossa sociedade. Busco ver a sociedade menos como uma pessoa perturbada que algum dia foi já foi saudável e mais como um animal de aparência esquisita, derrubando as coisas por acidente.
Camus considerava fundamental nossa pouco razoável demanda por sentido, mas que ela também nos causava muito sofrimento. Ele via três formas de responder ao absurdo da vida: negá-lo (geralmente dizendo que Deus fez assim e pronto), cometer suicídio, ou abraçar a esquisitice e viver sinceramente de acordo com ela.
A última opção, ele determinou, era a única opção realmente boa. Quando você para de esperar que o mundo seja sensato, repentinamente tudo faz sentido.
Abraçar o estranho deixa tudo mais fácil, até mesmo a morte. Quando você estiver preocupado com ideias de “perspectiva ampla” como guerra, clima, crime, ganância das corporações, você pode lembrar que essa coisa esquisita chamada de vida aconteceu do jeito que aconteceu, e é sempre refrescante e interessante, mesmo que ninguém tenha pedido por ela. E à luz disso, o pensamento disso tudo acabar um dia não parece perturbador – quando chegar sua hora, tudo que você pode dizer é “Puxa, isso foi esquisito mesmo.”
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Nota da tradução: esse texto foi originalmente publicado em inglês no site Raptitude.
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