Acompanhe a linha do tempo:
1. Jogo do time dos Casados contra o dos Solteiros. Faltam 10 minutos para decidiro título. Feijão está comendo a bola, mas o time precisa de um gol para levantar o caneco. O camisa 10 pedala, dribla dois, um deles fica no chão. De frente pro gol, chuta. Trave! Incrivelmente, no rebote, Uanderson pega de primeira e coloca no contrapé do goleiro. Os dois se abraçam e celebram o primeiro caneco do time dos Solteiros.
2. Um amigo diz pro outro ao final do jogo: “o Feijão é o maior de todos. Você viu o estado do Montanha, estirado no chão enquanto ele chutava?”
3. Manchete do dia seguinte: “Feijão arrebenta e Uanderson faz o gol do título. Solteiros saem da seca!”
4. Conversa de bar entre amigos após a derrota no ano seguinte: “Cara, se a gente tivesse Feijão e Uanderson, a gente tinha levado essa. Você lembra como os dois acabaram com aquele jogo?”.
5. Cinco anos depois, quando os dois se enfrentam na Europa: Craques ex-solteiros se encontram depois do gol histórico de Uanderson.
6. Vinte anos mais tarde, os amigos que foram ao jogo contando aos filhos: Ah filhão,nunca vou me esquecer daquele tapa que o Uanderson, “o Incrível”, deu para acabarcom aquele jogo. Ele pegou de primeira e o goleiro só chorou.
O pequeno detalhe que faz toda a diferença
Feijão pode ter comido a bola naquele jogo. Os holofotes ficaram nele durante todo o pós-jogo. A questão é que um pequeno detalhe faz toda a diferença: Uanderson foi quem colocou a gorduxinha pra dormir no barbante. E o cara que não perdoa fica para a história, afinal, esse esporte é matemática das mais simples: futebol = gol.
Não desmerecendo todo e qualquer driblador, muito menos os imponentes zagueiros. Deus me livre de falar mal dos impiedosos cães de guarda (e de área). Ou deixar para o esquecimento alguns fantásticos goleiros. Apenas, por este detalhe, quem “resolve” estará sempre um passo a frente de qualquer outro na Calçada da Fama da nossa memória.
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Por serem letais frente aos goleiros, temos tão claramente em nossas lembranças as referências de alguns artilheiros: Ronaldo, Romário, Pelé, Zico e outros. Uma qualidade que, em breve, pode fazer Neymar tornar-se mais um a entrar no panteão dos deuses da bola. Neymar não perdoa.
Quem acompanhou o Sulamericano Sub-20 no Peru no início deste ano viu a mídia babar todo o ovo do garoto. Não sem razão, mas com uma boa dose de exageros.
Lembro de um gol que outro jogador fez e, após o tento, o time foi vibrar junto ele (o responsável pelo gol). Eis que, ao terminar a longa palavra “Gol”, o narrador disse: “Olha lá o Neymar indo celebrar com o Fulano que fez o gol”.
Aí eu me exaltei, afinal, a única participaçã0 do marrento santista pra aquele gol foi ser o último a subir no montinho de jogadores. Após reclamar com os amigos sobre o excesso de atenção dada a Neymar, resolvi olhá-lo mais de perto. Confesso que me impressionei com o que vi. Não foi o corte moicano chamando atenção nem os dribles desconsertantes ou mesmo sua marra típica de menino pobre que vai ganhar antes dos 18 mais do que eu durante a vida toda.
Fiquei boquiaberto quando, enquanto os camisas 9 tradicionais (Henrique e William José) recebiam “N” bolas de cara para o gol e não conseguiam resolver, Neymar era fatal. Quando recebia em condições de desafiar o goleiro, normalmente saía vencedor.
A calma e a objetividade com que Neymar faz gols são impressionantes. De todos os jeitos. Características peculiares e ainda mais raras do que seu estilo, sua habilidade em driblar ou sua máscara frente às câmeras. Característica que pode colocá-lo no mesmo patamar que Ronaldo e Romário. Pelo menos.
9 + 11 = 20 anos e dois gênios
Nas duas últimas décadas, mesmo com Kaká, Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo, apenas Romário e Ronaldo ficaram eternizados de maneira unânime e inconteste.
Rivaldo pode colocar a culpa na sua falta de marketing ou, pior, na sua cidade de nascimento. O papo é que, por mais que tenha sido o principal e melhor jogador brasileiro no título da Copa de 2002, foram os gols de Ronaldo que são e serão repetidos eternamente.
Outro exemplo prático: não há demérito nenhum (apenas uma preferência óbvia de quem nos dá a alegria de ver as redes se estufando) mas, se Romário fez mil gols (sem entrar no mérito dos números corretos ou não), o Ronaldo sempre surgiu das cinzas para colocar a bola pra dentro. Menos gols e o mesmo estigma de gênio.
Voltando pro Neymar. O garoto ainda está a milênios de distância dos dois e tem muito caminho pra percorrer, mas vendo seus gols, lembro dos DVDs (e VHS) que tenho dos últimos grandes artilheiros que a Seleção teve. Para os três, de frente pro gol, não tem brincadeira.
Talvez o patamar que separe os ídolos da estrela em ascenção sejam os gols em momentos decisivos. Ou seja, cada bola que foi revertida em títulos. Principalmente em nível nacional e mundial. Mas, lembremos, Neymar tem apenas 19 anos e já carrega responsabilidades que nenhum dos dois teve que encarar.
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Um passo à frente
Se idade vs desafios foi o parâmetro usado no parágrafo anterior, há apenas um jogador hoje que está de fato na mesma trilha que Neymar: Messi.
O Argentino precisa de uma Copa do Mundo no currículo para deixar para trás dezenas de grandes atletas e colocar em xeque inclusive a santidade de Maradona. Hoje, o pequeno “pulga” tem a mesma qualidade de Neymar, com talvez menos habilidade nos dribles, um pouco mais incisivo em suas arrancadas, mas igualmente perfeito nas finalizações.
Messi tem 204 gols marcados, dois títulos de melhor do mundo (2009, 2010. E o terceiro vem aí), uma vez Chuteira de Ouro da UEFA (2010), três vezes campeãoda Champions League (05-06, 08-09 e 10-11) e três vezes artilheiro (08-09, 09-10 e 10-11). De quebra, tem em casa uma medalha de Ouro Olímpica e um Mundial Sub-20 (tudo isso com apenas 23 anos).
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Messi não afina e tem grandes chances de se tornar, antes do Neymar, o maior jogador dos últimos 40 anos. Sim, dos últimos 40 anos.
Uma comparação simples, numérica e boba, mas que dá uma ideia do poderdo baixinho camisa 10 do Barça: o Recorde de gols pelo Barcelona em uma temporada era de Ronaldo, em 96-97, com 47 gols em 49 jogos. Nesta, Messi destruiu a marca com 53 gols em 55 jogos, sendo o último na final da Champions,quando terminou como artilheiro e campeão. Tantos gols que podem torná-lo o maior dos últimos 40 anos e, assim, acabar com o reinado de Maradona.
As exceções
Maradona lidera uma lista de foras-da-lei. Como toda regra merece excelentes exceções, vale a lembrança a alguns grandes ídolos que não tinham na arte defazer gols o seu principal ofício. No caso de “Don Dieguito”, suas habilidades e genialidade foram acima da média. Mesmo como outsider, provavelmente será por um gol que você lembrará dele para todo o sempre.
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Garrincha é a mais espetacular exceção desta turma. O “Anjo dasPernas Tortas” se notabilizou por dribles e mais dribles, seguidos de passes perfeitos. Mas como nem só de dribles vive o futebol, assim como Maradona, há uma explicação para um driblador estar no “Top Top” da história do futebol. Assim como no golantológico de Dieguito, Garrincha teve que chamar a responsabilidade e sair de sua “zona de conforto” para alcançar a glória.
Com a contusão de Pelé na Copa de 62, Garrincha incorporou a camisa 10 ao seu 7 e levou o Brasil ao título. Afinal, gênio que é gênio não fica preso a esta ou aquela característica. Se preciso, como estamos falando ao longo de todo o texto, o verdadeiro mito não titubeará e fará dos gols o instrumento necessário para levar o caneco.
O passo final para a glória
Assim como Garrincha, Neymar teve que incorporar nesta Libertadores acamisa 10 de Ganso (menos pesada que a de Pelé, claro). Foi exatamente esta maturidade que assumiu para liderar o time que me fez colocar no papel estes pensamentos. O jovem portou-se como um verdadeiro adulto, saiu da cara do gol para encarar a marcação e carregar o time nas costas. Hoje, sua maturidade já se reflete na atitude em campo, caindo menos, sendo mais objetivo e aguentando a porrada.
Se Neymar vai se tornar o maior de todos os tempos ou do seu tempo, só o tempo dirá. E, principalmente, o maior desafio que tanto ele quanto Messi têm pela frente: a Copa do Mundo. Sorte a nossa de tê-los em nosso tempo. E daqui vinte anos estaremos contando belas histórias a nossos filhos e netos.
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