Participar das descobertas que uma criança faz ao longo da vida e ter um papel como educador e modelo é uma grande responsabilidade. Você se envolve e sente todo o carinho e confiança que ela deposita em você.
No entanto, em algum momento da vida, é bem comum que aquela criança, dependente e dócil, subitamente desapareça. De repente, toda aquela cumplicidade se esvai e você vê a distância apenas aumentando, dia após dia.
É bem possível que, se olhar para trás, lembre de quando você mesmo estava fazendo a transição do universo infantil para tomar o choque de realidade que a caminhada pela adolescência causa.
Você deixa de confiar nos adultos ao redor, sente-se sozinho e acaba tomando decisões das quais pode não ter muito orgulho poucos anos depois. Há uma fase na qual essa dor só aumenta e você não faz a menor ideia de como encarar esse mundo cada vez mais cruel do qual você começa a se dar conta.
Apesar de muitos de nós passarmos por esses conflitos, não olhamos para os adolescentes com empatia. É muito comum que eles sejam taxados como preguiçosos ou birrentos, diminuindo a relevância do que eles pensam e sentem.
Arne Rubinstein vive na Austrália e é um especialista em desenvolvimento de adolescentes, com 30 anos como médico, conselheiro, mentor, palestrante e facilitador de workshops, é o CEO da The Making Of Men, uma plataforma que oferece livros, encontros, palestras e, principalmente, rituais de passagem para marcar a transição de jovens para a vida adulta.
Ele conta em sua palestra no TEDx Byron Bay em 2013 sobre uma pesquisa feita pelo Royal Melbourne Institute of Technology com o objetivo de mensurar o bem estar subjetivo de pessoas de pessoas de 12 a 70 anos. Foram feitas diversas perguntasa sobre relacionamentos, se está feliz com o que está fazendo, se sente-se seguro, o que pensa sobre o futuro etc. O gráfico desenhado por eles mostra que o ponto de maior insatisfação com a situação geral da vida está em torno dos 16 anos.
Ou seja, a fase da vida na qual estamos mais infelizes, é durante a adolescência.
Talvez, não seja uma coincidência que essa também é a fase na qual jovens mais envolvem-se com drogas e álcool. É também quando param de falar com adultos como pais, familiares e professores sobre seus problemas.
É também a fase na qual eles mais correm riscos desnecessários e são vítimas de acidentes, às vezes até machucando outras pessoas, segundo Rubinstein.
Ainda em sua experiência, ele diz que pessoas mais velhas, no lado direito do gráfico, afirmam lidar com problemas fruto de vícios e maus hábitos que adquiriram ainda adolescentes, como depressão, alcoolismo, compulsão alimentar, problemas em relacionamentos, etc.
Arne Rubinstein sugere que é possível evitarmos o surgimento e sedimentação de muitos desses problemas se pudermos criar uma forma de fazer com que, antes do vale no gráfico, as pessoas sintam-se protegidas pela comunidade, acolhidas e reconhecidas como seres humanos plenos.
Ele descobriu que em sociedades tradicionais, crianças eram submetidas a rituais de passagem que davam a elas essa validação, que não deixava dúvidas sobre o que elas tinham se tornado e que seu desenvolvimento estava completo.
Link Youtube | Palestra de Arne Rubinstein no TEDx Byron Bay
Um efeito positivo, de acordo com Rubinstein, seria a transição clara entre o psicológico de criança e o psicológico de adulto saudável.
Resumidamente, ele afirma que a psicologia infantil é autocentrada, ou seja, tudo é sobre si próprio, não quer sofrer as consequências de suas ações e muito menos tomar responsabilidade pelos outros e, principalmente, quer uma figura materna, alguém que cuide e resolva tudo.
A psicologia de um adulto saudável seria o oposto disso, ou seja, preocupar-se com as pessoas, saber que suas ações têm consequências e lidar com elas e ter relacionamentos em outro eixo que não só o seu próprio umbigo.
Uma das maneiras de se fazer isso, segundo Rubinstein, é aproximando as crianças, contando as histórias dos adultos ao seu redor, mostrando suas falhas e acertos, suas felicidades e tristezas, contando sobre os desafios que o esperam no futuro, mas também enfatizando como eles próprios conseguiram superá-los, além de oferecer suporte para o que está por vir.
Ele fala sobre a importância de acompanhar e ouvir os sonhos e aspirações dessas crianças, de dar apoio e incentivo.
Além disso, sugere que sejam propostos desafios equivalentes aos de sociedades tradicionais, como uma forma de fazer com que os jovens encontrem forças para superá-los e, ao mesmo tempo, sintam-se apoiados e acolhidos ao ver os adultos ao redor mobilizados para oferecer as condições para que eles sejam vitoriosos. Não há necessidade que esses desafios sejam extenuantes, como caçar leões com uma lança (no estilo dos Masai). Podem ser tarefas simples como acompar sozinhos, manter uma fogueira pela noite inteira ou escalar uma montanha.
É exatamente isso que Rubenstein oferece no The Making Of Men, em forma de programas de treinamento feitos para marcar essa passagem para a idade adulta.
Precisamos de uma sociedade mais capaz de acolher crianças e formá-las para a comunidade, ao invés de enaltecer valores autocentrados e infantis. Quem sabe, rituais de passagem que demarquem claramente a chegada da vida adulta podem nos auxiliar a diminuir a confusão e solidão na qual tantos de nós acabam caindo.
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