Ele chama a atenção. Por seus títulos e por tudo que fala. Afinal, cada entrevista que dá é motivo para ser manchete dos principais jornais, impressos, digitais e televisivos. Seus jogadores costumam amá-lo e odiá-lo, mais ou menos na mesma proporção, mas seu currículo o credencia para fazer o que quiser, com quem quiser e quando quiser. Ele é polêmico e vencedor.
Facilmente, o parágrafo acima poderia ser a descrição do treinador mais vencedor da história do futebol brasileiro, Vanderlei Luxemburgo. Poderia por uma única ambiguidade na descrição que o faz ser totalmente diferente do treinador tema deste texto. Este texto é sobre Muricy Ramalho.
O que diferencia os dois? A forma como a imprensa como um todo distribui as verdades ditas e feitas por ambos. Se para Luxemburgo tudo que é notícia são polêmicas negativas, para Muricy ir às capas é com o único propósito de enaltecer seus feitos.
Vamos a uma breve descrição da carreira do treinador mais unânime do futebol brasileiro, que conquistou a atenção e o carinho de todos da mídia mesmo sendo incoerente aos olhos de todos. E tentemos entender como um treinador que fala mais do que faz consegue levar a admiração de todos para casa.
Junto com uma bacia de troféus, é claro.
Ao mestre, com carinho
Muricy nasceu para a vida de treinador depois de ter sido, também, um baita jogador. Mas, ao contrário do que seria provado em sua carreira à beira dos gramados, sua vida dentro de campo teve mais azares do que sortes.
O habilidoso meia foi titular do São Paulo, fez história no México e só não entrou para o panteão dos grandes ídolos devido a contusões. Cabeludo, provocador, deixou a carreira no final dos anos 80 e iniciou a vida de treinador sob a batuta de Telê Santana.
Conquistou a falecida taça Conmebol com o Expressinho Tricolor em 94, um time de jovens que jogava torneios marginais – já que entre titulares, a disputa era ainda mais pesada. Sob o comando de Muricy, um time que tinha Catê, Juninho Paulista e um certo Rogério Ceni conquistou mais uma taça entre tantas levantadas àquela época.
Em 97, sua primeira chance como treinador efetivado, comandou o São Paulo em um período de vacas magras. Uma época em que seu maior título talvez seja ter autorizado o camisa 01 a bater suas primeiras faltas e fazer seu primeiro gol. Na sequência, pregando ser o pupilo-mor de Telê Santana, foi fazer carreira pela Portuguesa Santisa, Náutico (onde virou santo com os títulos de 2001/02 e por tirar o Timbu da fila), São Caetano, Figueirense até chegar ao Internacional, no qual seu nome seria, pela primeira vez como treinador, aclamado nacionalmente.
O título que não veio. E daí?
Com o Internacional iniciou o que seria padrão em toda sua carreira. Enquanto uma parte da torcida parece idolatrá-lo, outra quer vê-lo o mais distante possível.
Muricy no Inter conquistou o maior prêmio de consolação que poderia almejar em sua carreira. Em 2005, com a confusão do árbitro Marcio Resende de Freitas, 11 jogos remarcados e uma bacia de sorte ao seu lado, viu o Inter chegar à reta final do Campeonato Brasileiro como líder e amplo favorito à vitória. A questão é que, como disse ter virado padrão, a mídia se apegou apenas a um fato: o “roubo” do pênalti não dado em Tinga e sua consequente expulsão contra o Corinthians, que ficaria com o título e a piada de ter “comprado” o caneco.
Link YouTube | O lance polêmico (aos 3’31”)
Se a dúvida sobre a veracidade da conquista ficará para sempre na história do Timão, o título de melhor treinador da competição e campeão da injustiça humana ficou com Muricy Ramalho.
Mas, como disse, a imprensa esquece de noticiar que Muricy não perdeu o Brasileirão naquele não-pênalti. Esquece que na reta final o time perdeu em casa para o rebaixado Coritiba e Paraná. Seis pontos que, com certeza na minha matemática, são mais do que os 03 pontos perdidos no Pacaembu.
Campeão, campeão, campeão
A vitória do azar fez Muricy chegar ao Morumbi, time do coração onde sempre sonhou retornar. Chegou com tudo em cima, pegando um time de astros consagrados e sedentos por entrar na história. Recentemente campeões de tudo e prontos para mais. Na Libertadores de 2006 viu o seu Internacional se tornar campeão ao derrotar seu São Paulo no Morumbi, depois de uma cotovelada de Josué e uma noite inspirada de Rafael Sóbis, e segurar a onda no Beira-Rio.
Segundo o próprio Muricy Ramalho, iniciou-se ali sua maré de azar em campeonatos “mata-mata”. Com trabalho sendo começado, Juvenal Juvêncio segurou Muricy no comando e viu o treinador colocar seu estilo em prática e ser campeão. Campeão. Campeão. Por três anos seguidos, o São Paulo teve “azar” na Libertadores e conquistou o Brasil, no qual o formato de pontos corridos faz justiça e premia o melhor time (não entremos aqui na discussão sobre qual formato é melhor).
Na mesma medida em que viu seu time se tornar soberano no Brasil, os torcedores do São Paulo perdiam unhas, dentes, cabelos e a paciência vendo seu time jogar de maneira feia, covarde e baseada na melhor defesa que o país viu em campo nos últimos 20 anos. Lugano, Alex Silva, Miranda, Breno, André Dias, todos passaram ilesos por um período de vacas gordas para a defesa do Morumbi. Em compensação, não é fácil lembrar o nome dos atacantes e meias que passaram pelo time neste período.
Com o time mais bem estruturado, uma defesa excepcional, salários em dia, estrutura de recuperação e um baita centro de treinamento, o São Paulo foi coroado por três anos no Campeonato que mais valoriza a estrutura.
Sempre perdendo quando a “sorte” entrava em jogo. Sempre ganhando quando era o “trabalho” que se sobressaía.
Incoerências à parte…
No São Paulo, após ser “O” injustiçado no Inter, conseguiu o que queria. Ao mesmo tempo, via os grandes treinadores do Brasil até então sucumbirem. Luxemburgo, Felipão, Parreira, Zagallo, todos se aposentaram ou se afundaram exatamente no mesmo período. E no São Paulo as coisas começaram a acontecer. Tudo que Muricy fazia, graças aos seus títulos advindos do “Trabalho, meu filho”, era perdoado ou elogiado pela crítica.
Poucos técnicos foram tão mal educados com a imprensa. Nenhum foi tão taxado de “mal-humorado”, com tom sempre brincalhão dos jornalistas. Ninguém foi tão fracassado em Libertadores com um time tão consistente. E nenhum foi tão perdoado, graças ao azar que dá o tom em uma competição mata-mata.
E Muricy continuava a improvisar volante de ala, zagueiro de volante, volante de meia, volante de zagueiro e todo atacante sempre foi pivô, para facilitar as faltas para Rogério ou ter bola erguida na área. Os títulos vieram, o futebol ficou feio, a torcida se impacientou e a mídia o perdoou.
Ninguém nunca foi tão anti-futebol quanto Muricy. E talvez ninguém tenha sido tão vencedor.
Os títulos tiveram o seu preço. Até que a paciência acabou e perder para o “azar” não foi mais desculpa para manter Muricy no cargo. No São Paulo era preciso renovação e Muricy saiu, aos olhos da imprensa, como o demitido sem merecer, afinal tinha dado três títulos ao seu time. Ele tinha dado, não a estrutura, não Rogério Ceni, não os salários em dia. Ele.
Do céu ao inferno
Ao sair do São Paulo, Muricy queria descanso. Com a oferta de ser o técnico mais bem pago do Brasil, substituindo Luxemburgo e assumindo o atual líder disparado do Campeonato Brasileiro, o treinador deixou as férias de lado e assumiu o Palmeiras, talvez o único time em que sua torcida não o venere.
Muricy pegou o time, com astros como Diego Souza e Marcos em plena forma, na liderança isolada e entregou aos torcedores fora da zona da Libertadores. Nas últimas 11 rodadas, o Alviverde somou apenas nove pontos, com derrotas para equipes que estavam na zona de rebaixamento – perdeu para Náutico, Fluminense e Santo André.
E em momento nenhum a mídia questionou Muricy. Não perguntou onde estava o trabalho agora. Muricy foi convenientemente esquecido.
Do inferno a glória (da glória aos ratos)
Após o esquecimento da falha inacreditável do Palmeiras, Muricy recebeu a chance de manter seu super salário e comandar o time mais caro e carente do Brasil, de novo. Mudou o time, mas não a estrutura a sua disposição.
Com o Fluminense nas mãos, após o quase rebaixamento de 2009, conseguiu fazer o time jogar. Jogar, melhor dizendo, ao seu estilo. Feio, defensivo e eficiente. Uma equipe que levou o título mesmo perdendo uma vantagem considerável de pontos no final e contando com a ajuda de São Paulo e Palmeiras, que entregaram seus jogos ao Fluminense para não ver o Corinthians campeão.
O Fluminense de Muricy venceu, mas sua boa relação com a mídia fez o povo não acreditar que, desta vez, foi a sorte que o tinha levado ao altar. Ali “é trabalho, meu filho”, mesmo perdendo os jogos decisivos.
Mas no Fluminense aconteceu a maior de todas as incoerências. O time que ele montou foi para o fundo do poço na Libertadores e, entregando a equipe em último no seu grupo, abandonou o barco.
Muricy, que nunca deixa seus times na mão, deixou o Flu no buraco, antes de cair e ainda saiu atirando. Ele – que sempre foi aos microfones dizer que é parceiro, que está do lado do clube, jogou todo o clube e a sua estrutura no lixo – bem na cara da imprensa. Uma deslealdade sem precedentes no futebol, que aos olhos da mídia transformou-o em coitadinho, que tinha que trabalhar com ratos ao seu lado.
Quando o verdadeiro “rato” saía antes de o barco afundar.
“Eu mereço este título”
Muricy deu a sua cara ao Santos em pouco tempo. O time que mais brilhava no país parou de encantar. Parou de dar show e começou a ganhar jogos por 1 a 0.
O Santos de Muricy não é o Santos que todos gostamos de ver ao longo do ano passado. Cegos são os que não assistem futebol e vêem os melhores momentos pela imprensa. O Peixe venceu a Libertadores porque tinha Neymar, Ganso, Elano, Léo, Danilo, Arouca. Muricy tirou o brilho santista, arrumou a defesa e com isso venceu a Libertadores. Sim, aquele campeonato que era de pessoas com sorte, agora era do trabalho. Qual o problema?
O título da Libertadores foi merecido ao Santos, que era o melhor time desde o início do campeonato, mas que patinou até Muricy acertar a defesa e fazer o time atacar menos. O que assusta é ver que o treinador é o personagem que mais aparece na TV, mesmo dizendo não ser dado ao marketing. E, humilde como ele sempre prega, dizer:
“Todos eles também ganharam este título, mas eu mereço este título.”
Estranhamente, tudo que Muricy fala vira a favor de si mesmo. Se Felipão dissesse uma frase dessas seria apedrejado em praça pública. Fosse Luxemburgo, seria preso. Muricy é idolatrado e chamado de trabalhador.
O azarado sortudo
Nunca houve um treinador com tanta sorte ao seu lado. Sorte, imprensa e grandes jogadores.
Desde 2005, Muricy tem ao seu lado o melhor elenco e a melhor estrutura do país. No Inter perdeu para o azar. No São Paulo ganhou os campeonatos que a defesa, o elenco e a estrutura podiam ganhar. No Palmeiras, a imprensa ignorou seus defeitos, mesmo destruindo uma equipe de astros em que ganhava mais de 400 mil Reais por mês. No Fluminense, venceu com a ajuda dos outros e largou o time aos ratos como um verdadeiro traíra. No Santos venceu e colocou a glória apenas nos seus ombros.
Link YouTube | A vitória mais recente
É inacreditável a parceria que estabeleceu com os repórteres. Diz-se recatado, mas não existe um treinador tão em evidência na mídia.
Não há como negar toda sua competência em formar times competitivos, vencedores. Mas, pra mim, é inconcebível a adoração que a mídia tem pela pessoa de Muricy. Por ele e por seu trabalho. Ele vence, mas às custas do futebol feio, da sorte, dos bons elencos e da estrutura que tem em mãos. Mas, aos olhos das câmeras, parece que tudo acontece por causa dele. E todos os seus erros serão esquecidos, escondidos ou tidos como folclore.
Acho importante ter treinadores como ele no futebol, mas que fique claro que ele não forma novos jogadores, não gosta de atacar ,não se apega a contratos e não joga apenas a favor do time. É o anti-futebol-brasileiro.
Ou você acreditou no discurso bonito da TV, que diz que Muricy recusou a Seleção? Eu estava a frente da TV quando ele apertou a mão de Ricardo Teixeira e deu entrevista dizendo: “Eu aceitei, falta conversar com o Fluminense”. Minutos depois, o Fluminense, dono do passe de Muricy, recusou a ida dele a seleção.
E o que a mídia propagou? “Muricy respeita seus contratos e diz não a Seleção”.
Vamos combinar? Quem disse “não” foi o Fluminense. Mas a mídia no Brasil entende e divulga o que quiser, não é?
Parabéns ao Santos, campeão da Libertadores com a sorte ao seu lado. Sorte que atende pelo nome de Neymar, ou Ganso, ou Rafael. Sorte assim que estava, desta vez, ao lado de Muricy Ramalho, o técnico mais vencedor do futebol brasileiro.
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