Os três vídeos a seguir, cada qual com cerca de 5 minutos, tratam de uma doença infecciosa que tem contaminado grande parte de nossa população de forma alarmante, causando dor e até mesmo morte. Também tratam de um crime relacionado a essa epidemia, que tem sido praticado de baixo de nossos olhos sem que as autoridades tomem qualquer atitude.

E atenção: é provável que alguém de sua família já tenha sido contaminado. É mais provável ainda que aquele crime esteja sendo perpetrado agora mesmo pelas próprias autoridades.

Na verdade, talvez todos sejamos vítimas e delinquentes nessa história.

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Não, a doença não é a Síndrome CDKL5, tão rara que sequer tem um nome popular. O crime não é o tráfico de drogas que os pais de Anny se viram forçados a realizar para diminuir o sofrimento da filha. A doença está em você, está em mim. E o crime é praticado por todos nós.

Pois somos uma sociedade doente e criminosa.

A enfermidade tem um nome: medo

Ela manifesta-se na vítima através de sua incapacidade de distinguir o que é real daquilo que é um cenário meramente imaginário, concebido por aqueles que se beneficiam da disseminação dessa epidemia. O crime tem um nome: preconceito, uma forma de ignorância deliberada, graças a qual sujeitamos outras pessoas a algum tipo de sofrimento, para com isso justificarmos a manutenção de nosso acovardamento diante da complexidade da vida moderna.

E esses três documentários são prova e registro da doença e do delito. Já foi comprovado que a definição de quais drogas são ilícitas não tem origem em qualquer análise objetiva e criteriosa sobre a natureza da substância, mas sim na análise oportunista de quem eram seus consumidores, tendo por finalidade manter sob controle certas parcelas da população – o medo do “outro” utilizado como ferramenta de marginalização.

E já foi demonstrado que a criminalização da maconha é, do ponto de vista de uma política criminal racional, um perigoso equívoco – o preconceito puro e simples regendo nossa legislação, quem vai para a cadeia e quem é socialmente aceito.

Mas este momento é muito peculiar, pois a verdade finalmente explodiu na cara nossas autoridades quando comprovadas pesquisas científicas passaram a se acumular, todas demonstrando que o canadibiol e o tetra-hidrocanabinol, duas das principais substâncias presentes em uma planta considerada “ilícita”, têm elevados efeitos medicinais em relação a uma série de enfermidades e distúrbios como Mal de Alzheimer, diabetes, asma, câncer, epilepsia severa, AIDS e depressão.

Link YouTube | Luta

Você pode supor que esses vídeos apresentam apenas da luta de Katiele Fischer, Camila Guedes e Juliana Paolinelli contra uma legislação atrasada e uma máquina burocrática embrutecida. Você pode supor que esses vídeos só demonstram a importância de alterarmos a forma como a maconha e o canabidiol são legalmente tratados.

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O buraco é mais embaixo

Esses documentários apresentam provas de casos extremos, em que aquela doença e aquele crime produzem sofrimento — e causariam dor ainda maior, não fosse a coragem de pessoas como Katiele, Camila e Juliana.

Tratar como veneno um medicamento natural é o grande sintoma de uma profundamente doente sociedade. Colocar pais zelosos com o bem estar à margem da lei é a grande prova de uma sociedade não só criminosa, mas também criminógena.

Somos, em muitos aspectos, uma sociedade irracional, quase medieval, em que muitas decisões das autoridades são fundamentadas no medo e no preconceito. Nas eleições 2014, já ficou evidente que os principais candidatos estão adaptando seus discursos e promessas para agradar setores da sociedade que estão integralmente contaminados por aquela doença, inoculada em milhões de eleitores por formadores de opinião e autoridades religiosas que se beneficiam do medo e do preconceito da população.

Link YouTube | Dor

Esses três vídeos revelam sintomas de uma epidemia que tem se alastrado e produzido sofrimento e até mesmo morte de várias outras formas. Na verdade, em uma sociedade profundamente doente e criminosa, todos nós de alguma forma padecemos, sacrificando nossa felicidade e liberdade em nome do acovardamento coletivo.

Como dizia Jiddu Krishnamurti, não é sinal de saúde ser bem adaptado a uma sociedade doente. Quando começamos a despertar e a resistir à epidemia de medo e preconceito que contamina a todos, logo surge uma retórica que nos rotula como criminosos ou portadores de algum tipo de distúrbio. Na verdade, estamos ostentando uma saúde que é intolerável aos olhos daqueles que padecem com o vírus do medo.

E esses vídeos, se por um lado revelam os sintomas de uma sociedade profundamente doente, por outro também nos oferecem a cura através dos exemplos de Katiele Fischer, Camila Guedes e Juliana Paolinelli. Elas restiram e combateram pelo direito fundamental de interromper o sofrimento desnecessário.

Precisamos nos inspirar em sua história pessoal para barrarmos a insanidade coletiva que faz de todos nós, em vários aspectos de nossas vidas, reféns de uma epidemia que não está diagnosticada em qualquer enciclopédia médica e vítimas de um crime que não se encontra presente no Código Penal: o medo que fecunda em nós, o preconceito que nos vitimiza.

Victor Lisboa

Não escrevo por achar que tenho talento, sequer para dizer algo importante, e sim por autocomplacência e descaramento: de todos os vícios e extravagâncias tolerados socialmente, escrever é o mais inofensivo. Logo, deixe-me abusar, aqui e como editor no site <a>Ano Zero</a>."