"Baseado em uma história real". É assim que começa o filme de estreia de Garth Davis, um melodrama bonito e duro, uma história de superação e do improvável, a narrativa de como a vida pode ser complicada e triste, ou de como é bom e importante lutar para ultrapassar adversidades.
Pra catapultar isso, o filme conta com a linda fotografia de Greig Fraser (que fez o último Star Wars, o Rogue One) e o roteiro adaptado por Luke Davies, baseado na autobiografia “A Long Way Home”, que mostra a trajetória de Saroo, um garoto indiano que se perde acidentalmente de sua família e vai parar distante de casa, na caótica Calcutá. De lá, depois de um período intenso de confusão e desesperança, ele acaba sendo adotado por um casal de australianos e vai morar na Tasmânia. Essa primeira parte nos é apresentada a vocação prodigiosa no atuar do pequeno ator Sunny Pawar, convincente, de olhar curioso e enérgico.
Vinte anos depois, Dev Patel vive um Saroo recém ingressado em um curso de administração de hotéis em Melbourne. Lá ele faz amigos e começa o relacionamento com uma namorada, mas começa nele também uma crescente vontade de descobrir de onde veio, uma culpa por viver em uma nova vida privilegiada sem conseguir avisar seus familiares, a mãe e o irmão Guddu, de que está vivo e bem. Mas como, se o nome da cidade que ele tinha na cabeça não existe?
E tudo gira em torno dessa busca. Silêncios e cenas aéreas do interior da Índia e do litoral australiano, ligações visuais que criam essa conexão entre os dois, lembranças e anseios, fantasmas do passado e do presente, tudo bem sóbrio, belo e leitoso, sem puxar pro colorir exacerbado de Bollywood, referência já bem clichê quando o assunto é o país da Ásia meridional. Lion é, com o perdão do trocadilho, um caçador de estatuetas do Oscar, um dramalhão, o complexo lidar das relações familiares, um monólogo choroso para a Nicole Kidman concorrer ao papel de melhor atriz coadjuvante.
Tá tudo ali.
Mas, para a nossa sorte, não fica só nisso. Lion também trabalha bem a culpa e a obsessão. Patel consegue empregar em Saroo ao mesmo tempo carisma no sorriso e egoísmo nos olhos, a sensação de ser grato e emputecido com os pais, da carência e de todas as atitudes de afastamentos com a companheira. É tudo mais complexo do que parece.
E daí ficamos nisso, com uma boa película, mas que sofre certa quebra de imersão nessa aberta tentativa de agradar a academia (tanto deu certo que o filme está indicado em seis categorias).
Nem tudo são flores. Mas nem tudo está perdido.
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