Me desculpem os contrários, mas hoje, com as primeiras partidas da primeira rodada da fase de grupos, a Copa Libertadores da América começa de verdade.
São 32 equipes reunidas no tradicional formato de 8 grupos de 4, disputando partidas em turno e returno para ficar entre os dois melhores e assim conseguirem avançar para as oitavas de final. A partir daí 16 equipes se enfrentam em formato de mata-mata com ida e volta para seguirem ou serem eliminadas da competição até restar apenas o grande campeão: aquele que será enviado como representante da América do Sul para a disputa do título mundial.
Competição como essa não poderia ter nome mais apropriado: Libertadores da América. Mas se ela significa isso para os clubes, também representa muito bem a sensação de libertações para os seus respectivos torcedores.
Paixão internacional
Quando o brasileiro José Ramos de Freitas estava na presidência da Confederação Sulamericana de Futebol – CONMEBOL – em 1958, ele teve a ideia, durante viagem à Argentina, de criar uma competição que reunisse os campeões nacionais de cada uma das associações filiadas à entidade. Surgia, dois anos depois, a Copa dos Campeões da América.
Cinco anos mais tarde, já tendo sido conquistada duas vezes pelo Santos Futebol Clube (1962/1963), o primeiro campeão brasileiro da competição, a Libertadores finalmente assumiu seu nome em homenagem aos principais líderes da independência das nações sul-americanas, entre eles Símon Bolívar e José Bonifácio. Desde então, a competição mudou muitas vezes de nome (por conta de patrocinadores), mas nunca mais perdeu sua essência: reunir a nata do futebol sulamericano para uma competição que definiria quem seria liberto do continente.
Vale dizer que, a criação da Libertadores contou com o apoio e a inspiração inclusive da UEFA, que já organizava na Europa, uma competição semelhante conhecida hoje por Champions League. Tal apoio propiciou que o campeão sulamericano passasse a enfrentar anualmente o campeão europeu num terceiro torneio chamado de Copa Intercontinental. Uma vez que os dois continentes sempre reuniram, ao longo da história do futebol, o que há de melhor praticado na modalidade ao redor do mundo, a competição naturalmente ganhou caráter de mundial, mas nunca houve uma chancela da FIFA, coisa que até hoje é pleiteada por muitos clubes.
O fato é que, mesmo com esse atrativo, muitos clubes brasileiros negligenciaram a competição por muitos anos. Clubes como o já citado Santos, apesar de conquistarem uma série de títulos nacionais que lhe permitiram participar diversas vezes da competição, acabaram abrindo mão de disputa-las em vários anos em troca de excursões internacionais que rendiam mais dinheiro e que, consequentemente, eram capazes de ajudar a manter uma equipe tão forte.
Essa negligência, porém, não era tão compartilhada por equipes de outros países. Entre elas reconhecidamente Argentina e Uruguai, países que historicamente rivalizaram com o Brasil em termos de conquistas. Isso explica, em parte, a vantagem que argentinos têm em número de títulos em relação ao Brasil tanto em termos de país (24 a 17), quanto em termos clubísticos: Independiente, da Argentina, é o maior campeão da história com 7 conquistas, sendo a última delas em 1984, enquanto o São Paulo divide com o Santos o posto de maior campeão brasileiro com “apenas” 3 títulos, sendo que a equipe tricolor conquistou todos a partir da década de 1990.
Paixão nacional
A relação dos clubes brasileiros com a Libertadores passou a mudar apenas a partir de 1992. Justamente com o sucesso do São Paulo Futebol Clube, bicampeão em 1992 e 1993 sob o comando de Telê Santana, os clubes brasileiros passaram a dar mais valor para a competição. Prova disso é que, mesmo na partida de estreia da Libertadores daquele ano, o São Paulo, priorizando o campeonato estadual, escalou reservas (imagine você!) e tomou uma sapecada do Criciúma de 3 a 0.
A partir dali a história não só do São Paulo, mas também do futebol brasileiro, mudou. Se antes o país tinha conquistado apenas cinco títulos nos primeiros 32 anos de história da competição, agora, nos últimos 25 anos, foram outros 12.
O crescimento das equipes e do mercado do futebol, a consolidação de campeonatos nacionais e rivalidades inter-estaduais e até a própria globalização, contribuíram para que os campeonatos regionais perdessem importância em troca de planos maiores como o de conquistar competições continentais.
A mudança do posicionamento dos clubes fez mudar também a relação de nossas torcidas com o campeonato. Mudou para uma relação de paixão enlouquecedora.
Paixão pessoal
Apesar das imensas restrições que algumas leis impõem, em determinados estados, às festas que as torcidas brasileiras são capazes de proporcionar em partidas decisivas de campeonatos importantes como a Libertadores, o torcedor brasileiro aprendeu a curtir muito a competição.
E com o passar dos anos, a integração com torcedores argentinos, paraguaios, uruguaios, chilenos, colombianos e de todas as outras nações que disputam a competição foram ampliando o leque de alternativas empregados pelos brasileiros por aqui também.
Para entender um pouco melhor tudo isso e também para já entrar no clima da Libertadores, ouça abaixo os principais gritos de cada uma das 32 torcidas que estão disputando a Libertadores a partir dessa fase de grupos. A coletânea é um resultado do trabalho da equipe do Trivela, com grande ajuda da plataforma FanChants.
No fim, espero que se você é torcedor de um dos participantes da Libertadores desse ano, esteja tão empolgado quanto eu para essa edição e que seja capaz de viver essa emoção em sua plenitude, indo ao estádio, cantando, vibrando, perdendo a voz e até fazendo uma viagem internacional, se for possível e se seu time estiver indo longe.
Mas se você não for, espero que um dia você entenda essa paixão louca que sentimos pelo futebol e que, um dia, você ame alguém como um torcedor sul-americano fanático ama a Copa Libertadores da América.
***
Mais que um jogo é uma coluna de autoria de Breno França publicada quinzenalmente às terças-feiras que usa acontecimentos esportivos para propor reflexões sobre aspectos de nossas vidas.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.