Sempre que um crime capta especialmente a atenção e a emoção de todos, me espanto com algumas reações. Que possamos nos sensibilizar com a dor do outro é esperado e louvável, mas o que as pessoas chamam por aí de sede de justiça tem mais a ver com desejo de vingança.

E se, ao invés de simplesmente punir aquele que nos causou dano, pudéssemos focar na vítima, tentando restaurar o estado anterior das coisas? Quem sabe até com a participação de quem causou o prejuízo, de forma a recuperá-lo também? Essa é a ideia por trás do conceito de Justiça Restaurativa:

“A Justiça Restaurativa é um novo modelo de Justiça voltado para as relações prejudicadas por situações de violência.
Valoriza a autonomia e o diálogo, criando oportunidades para que as pessoas envolvidas no conflito (autor e receptor do fato, familiares e comunidade) possam conversar e entender a causa real do conflito, a fim de restaurar a harmonia e o equilíbrio entre todos.
A ética restaurativa é de inclusão e de responsabilidade social e promove o conceito de responsabilidade ativa. É essencial à aprendizagem da democracia participativa, ao fortalecer indivíduos e comunidades para que assumam o papel de pacificar seus próprios conflitos e interromper as cadeias de reverberação da violência.”
Fonte: Programa Justiça Para o Século 21

O que se busca é ir além dos papéis tradicionais de vítima e criminoso. É reconhecer que estamos todos confusos e que esses papéis não surgem do éter, do mundo metafísico, de um mal abstrato ou cartunesco.

“A maldade não é algo inerente às pessoas, assim como a gripe não é inerente ao doente. Somos vítimas não exatamente uns dos outros ou de agentes do mal, mas da nossa própria inabilidade, do nosso nervosismo, ignorância, orgulho, preguiça, ciúmes, ansiedade, raiva, tristeza, depressão.
O dito mal é como um surgimento circunstancial e relacional, uma coisa que paira no ar e se instala logo que há chance. E o dito bem, também.” –Fábio Rodrigues

Que a Justiça Restaurativa não seja confundida com moleza, bondade, permissividade ou tática para reduzir a reincidência criminal. Muitas vezes o sistema tradicional de punição é necessário, nem que seja para tirar da sociedade alguém que está causando mal aos outros – e, em última análise, a si mesmo.

Mas passada a etapa da punição – ou, quem sabe, antes dela – podemos ter a sorte de reconhecer que restaurar é melhor do que simplesmente punir.

Que confrontar o criminoso com a vítima oferece a ele a experiência moral de tomar contato real com o sofrimento causado. Ou alguém acha que jogá-lo num inferno vai fazê-lo refletir sobre algo?

E também que confrontar a vítima com o criminoso permite a ela a experiência do perdão, ou pelo menos, reconhecer que o mal não é algo abstrato que pode acontecer sem aviso, algo bem mais assutador do que o mal humano, passível de manifestação em todos nós. Basta um momento de descuido.

Dito isso, seguem três boas iniciativas de Justiça Restaurativa no Brasil e uma na Índia. Critique-se o quanto quiser, não consigo ver esses projetos como piores do que deixar seres em risco apodrecerem sozinhos.

1. Detentos do RS são contratados por fábrica de estofados

Trinta e quatro detentos de duas unidades prisionais do Rio Grande do Sul encontraram, na fabricação de pufes, o caminho da reinserção social. É o resultado de convênio entre a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e a MMTA Indústria de Móveis, empresa gaúcha que montou unidades fabris no Presídio Regional de Santa Cruz do Sul e na Colônia Penal Agrícola de Charqueadas.
A iniciativa vai ao encontro dos princípios do Programa Começar de Novo, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que busca conscientizar a sociedade sobre a importância do acesso de detentos e ex-detentos ao estudo e ao trabalho para a prevenção da reincidência criminal.
(Fonte)

2. TJSP usa Justiça Restaurativa na ressocialização de jovens

Em vez de ser internado, o adolescente pode reparar de alguma forma o dano que cometeu à família. O acordo também prevê que o jovem tome parte em ações que previnam a reincidência dele em atos infracionais e que promovam a sua integração social e familiar. “Com isso evita-se maior envolvimento do adolescente com o sistema de justiça juvenil e preserva-se sua primariedade, sendo-lhe juridicamente vantajoso”, afirmou o magistrado responsável pela iniciativa.
(Fonte)

3. Leitura pode reduzir penas de detentos em SC

A Vara Criminal de Joaçaba deu inicio ao projeto Reeducação do Imaginário, que consiste na distribuição de obras clássicas aos presos da comarca, para leitura e posterior cobrança de pontos em entrevistas com o juiz e seus assessores. Os participantes que demonstrarem compreensão do conteúdo poderão ser beneficiados com a remição de quatro dias de suas respectivas penas.
O primeiro módulo do projeto consiste na leitura da obra “Crime e Castigo”, de Fiódor Dostoiévski. No segundo módulo, para o qual já existe etapa de aquisição de livros, os apenados lerão “O Coração das Trevas”, de Joseph Konrad. Depois virão obras de William Shakespeare, Charles Dickens, Walter Scott, Camilo Castelo Branco e outros autores, todos recomendados por intelectuais do calibre de Otto Maria Carpeaux, Olavo de Carvalho, Harold Bloom e Mortimer J. Adler.
Os livros serão adquiridos em edições de bolso, diretamente com verbas de transação penal destinadas ao Conselho da Comunidade, que juntamente com o Presídio Regional de Joaçaba participa do projeto encabeçado pela Vara Criminal.
“O projeto (…) visa a reeducação do imaginário dos apenados pela leitura de obras que apresentam experiências humanas sobre a responsabilidade pessoal, a percepção da imortalidade da alma, a superação das situações difíceis pela busca de um sentido na vida, os valores morais e religiosos tradicionais e a redenção pelo arrependimento sincero e pela melhora progressiva da personalidade, o que a educação pela leitura dos clássicos fomenta”, afirma o juiz Bragaglia.
(Fonte)

Iniciativa Indiana: Documentário | Doing Time, Doing Vipassana Full

O documentário mostra a experiência de Kiran Bedi, que, ao ser apontada como Diretora Geral de Prisões em Nova Delhi, implementou um projeto orientado para transformar a violenta prisão Tihar em um local mais pacífico. Além disso, nos conta a história de presos que passaram por intensas transformações ao encarar a pena não como um ponto final, mas como o início de uma nova trajetória.

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O sucesso no emprego de técnicas de meditação foi tão intenso que o Governo Indiano expandiu a iniciativa, que atraiu também o interesse de outros países.

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Sobre meditação e os benefícios do treinamento da mente, também temos alguns artigos e vídeos relacionados.

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Reabilitação me parece bem mais produtivo do que a simples condenação.
Como veem a Justiça Restaurativa? Conhecem algum projeto parecido?

Tiago Xavier

Tiago Xavier é atleticano e bacharel em direito. Nessa ordem. Twitta pelo <a title="Tiago">@tcxavier</a>."