A frase do título é de Paulinho, Paulinho dos Baiano e os Novos Caetanos, grupo que Chico Anysio montou na década de 70 para cantar o sertão, o sertanejo, a ironia e coragem [tudo com muito humor].

Por todos os lados existem heróis. Nem todos voam, soltam teias, esmagam ou tem armaduras. Alguns só andam de skate.

“E que atos heróicos alguém pode praticar com um skate?”

Antes que você pense que estou falando de Scott Pilgrim, peço que você veja o vídeo abaixo, estrelado por Kilian Martin e dirigido por Brett Novak.

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A dúvida persiste? Imagino que não.

Durante um certo período, o rapaz do vídeo acima – que foi gravado no deserto de Mojave, na Califórnia – foi o herói de três sujeitos que se aventuravam por São Paulo tentando domar tábuas estreitas de madeira com rodas mais estreitas ainda fixadas a elas. Nós, cada um a seu tempo, desistimos dos skates. Kilian não.

Como ele fala para a reportagem que acompanha o vídeo gravado com apoio da Mercedes Benz, andar de skate é “uma forma de arte. Para muitos skatistas é tudo competição. Eu me vejo como ambos, atleta e artista”.

E num mundo cada vez mais como o conhecemos, ser artista e atleta é concentrar em si duas das mais genuínas manifestações do que é ser herói.

Quando meus amigos e eu babávamos com as manobras de Kilian pelas ruas de Madrid, o que mais nos chamava a atenção era a naturalidade como tudo aquilo acontecia. Ele executava coisas que não podiam ser chamadas de manobras. Coisas que não poderíamos repetir nunca. Não parecia haver esforço. Parecia uma simples manifestação de um talento.

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Sabe a sensação que nos toma conta quando percebemos o encontro do ser com o seu fazer? Como quando ouvimos Miles Davis tocando trompete, ou vemos Stoya desenvolta em cena, ou tentamos contar as passadas de Usain Bolt?… Kilian tem no skate a tradução do que o trouxe ao mundo. Para ele, o skate é um veículo de expressão, um meio, uma mídia.

Ele pula, gira em muitos sentidos, divide seu equilíbrio entre duas pranchas, sobe e desce obstáculos, vai e volta muitas vezes. Alguns tocam música, outros transam e atuam, alguns poucos correm 100m muito abaixo de 10s. Kilian anda de skate. De todos os jeitos. Do jeito que quase ninguém tem coragem de tentar. De um jeito que nos levou a consagrá-lo nosso herói.

E diante dessa manifestação, a frase de Paulinho volta a fazer sentido: herói é o cabra que não teve tempo de correr. Nosso herói skatista não pode correr de seu destino, ele o levou às ruas de Madrid, ao estrelato no YouTube, às críticas de outros atletas e ao deserto de Mojave.

Para onde o levará depois?

Pedro Jansen

Acredita que o caos alimenta a vida e que ter baixas expectativas é a melhor maneira de se surpreender todos os dias, com as menores coisas.