Muitos vão estranhar o propósito deste artigo, afinal, trata de um esporte pouquíssimo conhecido no Brasil.

Ao mesmo tempo, este esporte proporciona fortes emoções para seus conhecedores, e, como poucos, nos traz uma seleção que tornou-se uma lenda, com suas marcas registradas e façanhas.

Me refiro ao rugby e à Seleção da Nova Zelândia, conhecida como All-Blacks, alusão ao uniforme todo preto que usam nos jogos.

Mas de onde surgiu tanto fascínio em torno desse nome?

O rugby, apesar de pouco conhecido no Brasil (para quem não sabe, nós temos sim uma seleção nacional, mas é saco de pancada dos chilenos, paraguaios, uruguaios e argentinos), é bastante difundido no mundo.

É o principal esporte da Oceania, onde países pequenos como Tonga e Fiji possuem fortes times nacionais; tem ampla difusão na Grã-Bretanha e França, e também a seleção da África do Sul é fortíssima.

Mas os All-Blacks sempre se destacam, por seu estilo feroz e agressivo, e durante anos dominaram – e ainda dominam – mundialmente o esporte. Seus jogadores encaram o desafio como uma guerra, e parte disso pode ser explicado numa única palavra: Haka.

Espírito de Guerra

Haka é o nome genérico dado à dança dos maoris, o povo que ocupava as ilhas neozelandesas quando os ingleses chegaram. Para os maoris, a dança complexa do Haka é uma expressão da paixão, vigor e identidade da raça, de certa forma, a boa performance ajuda a manter a reputação tribal.

E os jogadores dos All-Blacks não fogem à regra, pois antes de qualquer jogo, desde o início do século, fazem a dança do Haka em frente aos adversários. Os estádios silenciam para ouvir. Os jogadores adversários se perfilam, em pose desafiadora, para fazer frente.

Pode-se observar nos rostos e gestos dos neozelandeses a expressão da paixão invocada, do espírito de guerreiro que o Haka incorpora em quem o pratica.

E assim os All-Blacks se tornaram notórios ao longo dos anos, tornando-se uma equipe pra lá de temida e vitoriosa no mundo do rugby.

Existem diversas versões do Haka, mas a mais clássica delas é a “Ka mate”, cuja origem data de 1810, quando o chefe tribal Te Rauparaha, estava sendo perseguido por inimigos, e milagrosamente escapou, escondendo-se em uma saia de mulher. Ao sair, havia um homem a sua espera, mas era um chefe amigo, e vendo isso, Te Rauparaha fez o Haka, celebrando a vitória da vida sobre a morte, o que serve de inspiração para os All-Black.

Ka Mate

A tradução do “Ka mate”

Ringa pakia! (Bata as mãos nas coxas)
Uma tiraha! (Estufe o peito)
Turi whatia! (Dobre os joelhos)
Hope whai ake! (Deixe o quadril seguir)
Waewae takahia kia kino! (Bata o pé o mais forte que puder)

Ka mate, ka mate (Eu vou viver, eu vou viver ?)
Ka ora, ka ora (Eu vou morrer, eu vou morrer ?)
Tēnei te tangata pūhuruhuru (Este é o homem peludo que está em pé aqui)
Nāna nei i tiki mai whakawhiti te rā …(Que trouxe o sol e o fez brilhar)
Ā upane, ka upane (Um passo para cima, outro passo para cima)
Ā upane, ka upane (Um passo para cima, outro passo para cima)
Whiti te rā, hī! (O sol brilha)

Há também outra versão do Haka feita pelos All-Blacks, chamada “Kapa o Pango”, onde o destaque fica para o arrepiante gesto final, simulando o corte da garganta do adversário. Algumas outras seleções nacionais, como a de Tonga, fazem um tipo local de dança pré-jogo, o que ás vezes gera duelos interessantes.

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Kapa o Pango

All Blacks x Tonga

Fatos pouco vistos em outros esportes, e que fazem de um simples time uma lenda, ocorreram com os All-Blacks. Por exemplo, eles foram a causa do boicote de 33 países africanos aos Jogos Olímpicos de 1976 em Montreal no Canadá.

Isto porque a rivalidade centenária com o time da África do Sul fez os All-Blacks irem jogar neste país no ano de 1976, em pleno vigor da política racial do apartheid sul-africana, onde era proibido participar de eventos esportivos neste país. As torcidas pedem silêncio na hora que os neozelandeses vão fazer o Haka, e em algumas vezes que não o fizeram, ocasionaram protestos.

Ou a história incrível de Jonah Lomu, um dos maiores jogadores da história recente dos All-Blacks, e o maior “artilheiro” da história da Copa do Mundo de Rugby. A ascensão meteórica de Lomu o tornou responsável por uma revolução no rugby, que finalmente teve um superstar. No auge de sua carreira, Lomu teve diagnosticada uma doença chamada Síndrome Nefrótica, que acomete os rins, e promove a perda exagerada de proteínas.

Praticamente em insuficiência renal, Lomu precisou submeter-se a hemodiálise, que causou danos nervosos severos em suas pernas e pés. Foi avisado pelos médicos que poderia acabar numa cadeira de rodas se não se submetesse a um transplante renal, o que foi feito em 2004. Imediatamente, como bom guerreiro All-Black que era, Lomu anunciou que retornaria ao rugby.

Precisou superar o veto de comissões anti-doping a um dos medicamentos que tomava para evitar a rejeição ao rim transplantado, uma contusão séria no ombro e uma fratura no tornozelo, mas no presente momento, está em atividade aos 32 anos, e pretende jogar a Copa do Mundo de Rugby de 2007 pelos All-Blacks. Se isto não é fibra de guerreiro (maori), não se sabe mais o que é.

Mauricio Garcia

Flamenguista ortodoxo, toca bateria e ama cerveja e mulher (nessa ordem). Nas horas vagas, é médico e o nosso grande Dr. Health.