Muito já se falou aqui no Papo de Homem sobre casamento, namoro, ménage etc. Mas e quando você mora com outras pessoas dentro de uma mesma casa, dividindo contas e situações que muitas vezes se comparam às de um casamento, mas tudo isso com pessoas que só têm em comum com você o fato de morarem debaixo do mesmo teto?
Com base na minha experiência em morar quase dez anos em repúblicas de estudantes, gostaria de compartilhar com vocês um pouco da minha visão sobre a grande arte de dividir um espaço com pessoas. Muitas ou poucas.
Cama, mesa e banho
Um dos espaços mais importantes da casa, e que muitas vezes não recebe tanto cuidado quanto deveria, é o quarto. É o local de repouso, e qualquer um que já tomou um porre no sábado à noite e teve que passar o domingo inteiro literalmente no escuro, com as cortinas fechadas, sabe do que estou falando.
Se você não dividir quarto com alguém, aquele vai ser o seu único espaço individual na casa. Em outras palavras, ali você será o rei. Se estiver apertado e não der tempo de limpar o quarto ninguém vai cobrar isso de você, se precisar ficar até as 5 da manhã fazendo um trabalho, não vai incomodar ninguém com a luz acesa. Enfim, você será o único responsável pelo cafofo.
Mas quando se é estudante universitário, a vida não é tão fácil. Muitas vezes a solução para aliviar custos é dividir o quarto com outra(s) pessoa(s). O que pode se tornar um problema. Coisas como ronco, falta de limpeza, desencontros de horário, e (principalmente) algum dos que dividem o quarto ter namorada, podem ser sérios problemas para manter a viabilidade do recinto em comum. Conheço um amigo que dividiu quarto com outro por um tempo em uma república, e eles tinham um acordo: caso um dos dois precisasse usar o quarto para prolongar a noite com a garota, um bilhete ficava do lado de fora na maçaneta da porta do quarto. Numa noite meu amigo pegou uma garota, os dois foram para a casa dele, e ele se esqueceu de colocar o bilhete do lado de fora. Bom, o final do episódio você já deve ter imaginado. Nada impede que você converse e peça o quarto emprestado para um encontro, tudo vai depender da sintonia entre vocês e da disponibilidade dele ou sua de passar a noite no sofá ou em outro lugar. Enfim, nesses casos a melhor vai ser o consenso.
Se você não dividir o quarto, os espaços comuns mais importantes da casa serão a cozinha e o banheiro. Em ambos, a premissa é a mesma: todo mundo vai precisa usar, então cada um tem que fazer a sua parte, contribuindo para manter a limpeza e funcionamento dos recintos. Ou em outras palavras: usou, lave; sujou, limpe. Alguém depois de você vai precisar usar.
Se a opção for o esquema de limpeza coletiva, ou seja, todo mundo fazer a limpeza junto é importante ter uma escala. Por exemplo: na primeira semana esses dois limpam, na semana seguinte esses outros dois, e assim por diante. E no caso de você não poder participar da limpeza na sua vez, troque de lugar com alguém que possa nesse dia, e substitua-o no dia dele. Isso evita aborrecimentos, e não passa de um ato de cortesia básico que eu nem deveria estar citando. Mesmo assim, caso nada funcione para manter a casa limpa, a melhor opção é contratar uma empregada. É um gasto a mais, mas assim todos terão certeza de que o trabalho será feito no dia marcado e muito possivelmente melhor do que vocês teriam feito. Falo por experiência própria.
Pegar emprestado e repor
Esse é um ponto delicado, mas quando você mora com mais gente é quase inevitável que em algum momento de fome extrema, chuva torrencial, chegada de uma festa lá pelas tantas da manhã, preguiça ou qualquer outra ocasião em que as circunstâncias pesarem, você pegue algum objeto ou comida emprestado do seu companheiro de república. Eu particularmente não vejo problema nenhum em pegar emprestado. Apenas cabe citar o básico novamente: a prioridade é repor aquilo que você pegou o mais rápido possível. De preferência antes mesmo que a outra pessoa perceba que você pegou. (Se você souber que isso não será possível, avise o quanto antes que pegou emprestado, está devendo e vai repor logo.) Mais uma vez, é tudo questão de diálogo e da abertura que você já conquistou com a outra pessoa para fazer isso.
Festas e eventos similares
Ah, a grande vantagem de morar de galera. As festas, os almoços coletivos, os “esquentas” pré-balada e outros eventos do tipo. O fato de você morar com mais pessoas quase sempre significa que o número de outras pessoas que você vai conhecer aumentará. Principalmente se as pessoas que dividirem o mesmo teto com você não estudarem e/ou trabalharem no mesmo lugar que você.
Os rangos coletivos são ótimos, pois ali todos contribuem com alguma coisa. Uns cozinham, outros se responsabilizam por lavar a louça, e ao final tem-se um grande almoço, e aquele domingo que poderia ter sido chato e monótono se passou ao som de muitas risadas. Aqueles que moram a muitas horas de viagem da sua família sabem o quanto isso pode ser importante.
As festas são mais complicadas, pois o número de pessoas em geral é grande e a quantidade de sujeira deixada depois é proporcionalmente igual, quando não maior. Uma boa ideia é pedir para a galera contribuir com uma grana que será destinada a pagar uma aparição especial da tia da limpeza no dia seguinte. Isso evita uma dor de cabeça adicional à da ressaca. Outra coisa importante é a vizinhança – troque uma idéia com eles antes do evento, avisando que a música vai estar um pouco mais alta que o normal até um pouco mais tarde que o normal (meça palavras: nós sabemos que ela vai estar muito mais alta, até muito mais tarde) Assim você possivelmente evita o aparecimento da polícia quando a festa estiver no auge. Aliás, aproveite o papo com os vizinhos e já estenda o convite!
Reunião da casa ou só bom senso?
Quando se trata do que fazer e do que não fazer nesses espaços comuns, muitos amigos e amigas falam sobre como é importante ter bom senso. Em minha opinião o bom senso obviamente é essencial, mas na maior parte das vezes minha experiência mostra que ele nem sempre resolve tudo sozinho. Afinal, pessoas com hábitos e história de vida diferentes nem sempre têm subentendidas as mesmas coisas, o mesmo “bom senso”. Não há uma bússola moral universal. Sendo assim, é bom colocar o bom senso em pauta, não deixar nada subentendido.
Resumindo em uma regra: diálogo
Em uma palavra: diálogo. Conversar e expor claramente o quê você gosta e o que o lhe incomoda no comportamento do outro é muito importante, seja para evitar futuras discussões desnecessárias sobre um mesmo tema, seja para não ficar com a velha atitude de jogar a poeira para debaixo do tapete. Esse tipo de coisa nos permite aprender a lidar melhor com as críticas, deixar de lado o comportamento mimado de achar que tudo tem de ser do jeito que nós queremos.
Se eu tivesse de eleger uma única regra para todas as coisas envolvendo a administração de uma casa para muitas pessoas, certamente seria essa.
Morar em uma república não é só dividir um espaço físico, mas uma oportunidade para crescer enquanto ser humano. Você aprende sobre as diferenças, sobre como pode ajudar o outro, sobre como não ser tão egoísta. Aprende a se organizar melhor, já que outras pessoas dependem de você diretamente. Enfim, aprende a olhar mais para além de você mesmo. Relacionar-se com quem é parecido conosco é muito fácil, o desafio é construir uma forma lúdica e ao mesmo tempo honesta o suficiente para poder beneficiar e interagir com aqueles que pensam diferente de nós. Nós podemos desenvolver essa visão e maneira de se posicionar em qualquer lugar, no trabalho, na banda de rock ou no relacionamento com a namorada. Mas certamente elas ficam muito nítidas e podem nos fazer avançar mais rápido em uma situação como essa, dividindo o mesmo teto com alguém diferente. Afinal, como o próprio nome diz, a república é o espaço onde o exercício da democracia deve acontecer.
P.S.: Esse texto é dedicado à tod@s aqueles com quem tive a oportunidade de conviver nesses 10 anos nas repúblicas em que morei. Obrigado por essa convivência!
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.