Um pouco antes da largada em Spa (domingo, às 9h), o PdH lembra a história de Dick Seaman, o piloto que corria pela equipe alemã Mercedes-Benz.

Não chovia mais em Spa-Francorchamps desde a décima volta, mas partes da pista ainda estavam molhadas. Nesta mesma volta, Richard “Dick” Seaman havia tomado a ponta. Prestes a completar o giro número 22, o líder erra o contorno da La Source, é jogado para fora da pista e seu carro pega fogo. Morreria por volta da meia-noite.

Seaman tinha 26 anos de idade. Um jovem e impetuoso inglês, de uma família muito rica, tão mimado quanto autoconfiante. Contra a vontade da família, havia entrado cedo no mundo das corridas, onde impressionou Alfred Neubauer, que o contratou como piloto da Mercedes em 1937.

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Dick, durante o GP que o mataria, em Spa, 1939

Se havia algo que desagradava mais sua família do que sua associação com o automobilismo, era sua associação com o nazi-fascismo. De ambos sua mãe, Lillian Beattie-Seaman tentou dissuadi-lo, mas Dick não cresceu ouvindo “nãos”. No aniversário de vinte anos, pediu a Lillian uma casa de campo, e ganhou. A família havia chegado a dar um avião de presente ao jovem, para que esquecesse os carros. Não funcionou. Quando um telegrama de Neubauer chegou endereçado ao filho, Lillian tentou escondê-lo.

Pouco antes de assinar com a Mercedes, já estava fascinado com a Alemanha nazista – claro, do que na época sabia-se sobre ela. Convenhamos, alguém que cresceu rodeado pela decadente aristocracia britânica, que conhecia uma Europa de feridas mal cicatrizadas, mesmo que bem educado, era uma presa fácil dos discursos exaltados do Führer. Estando os departamentos de competição das “flechas de prata” submetidos ao governo, suas relações com o Terceiro Reich se acentuaram.

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Sua velocidade, e a atitude de desafiar os limites impostos que trazia de fora das pistas, chamaram a atenção da equipe e da opinião pública. O ponto alto de sua carreira foi a vitória no GP da Alemanha de 1938, a primeira de um inglês em um evento importante em quinze anos. Diante de uma multidão de alemães, o piloto não se conteve: subiu ao pódio executando a saudação nazista.

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Richard Seaman alinhado para o GP de Donington de 1937, em seu país

Conforme as tensões políticas do continente se acentuavam, Seaman acumulava cada vez mais contradições. No último dezembro de sua vida, casou-se com a bela Erica Popp, filha de um diretor da BMW, que estava em Spa para ver o marido correr em 25 de junho – poucos meses antes da Guerra. Ambos se completavam. Compartilhavam os mesmos gostos pelo joie de vivre, pela Alemanha, pelos filmes americanos. Mortalmente ferido, dirigiu-se à esposa: “Acho que você vai ter de ir ao cinema sozinha”.

Na cama, pouco antes de morrer, pediu desculpas a Rudi Uhlenhaut, engenheiro-chefe da Mercedes. “Eu estava correndo demais para as condições [da pista]. Foi tudo minha culpa. Eu sinto muito”. Uma imensa coroa de flores foi mandada a seu funeral.

O remetente: Adolf Hitler.

Daniel Médici

<strong>Daniel Médici</strong> é estudante de jornalismo e editor do blog <a>Cadernos do Automobilismo</a>."