Todo mundo adora falar que gosta da verdade. Ou que odeia mentira.
“Não suporto que mintam para mim”, diz aquela garota com quem você ficou algumas vezes e que é só mais uma na sua agenda telefônica. Ela fala isso por dois motivos: por não suportar a mentira [isso é verdade] e para que você saiba que, se for pego mentindo, não terá mais aquilo que te chamou a atenção nela à disposição.
Tem um tempo que twittei a seguinte frase: “porque todo mundo adora falar que não suporta mentira. mas quem é que suporta a verdade?”. E isso sim, é verdade, mesmo que uma amiga tenha discordado veementemente. Não discordo dela, as pessoas podem se julgar preparadas ou dispostas a ter a verdade jogada na cara.
Mas vamos pensar pelo lado prático e realista: ninguém está pronto para a verdade. E como gato escaldado tem medo até de água fria, depois da primeira vez que você escutou um fato inquestionável, daqueles que te fazem baixar a cabeça e sentir o estômago ser recheado de nós, quem é que escolhe ser alvejado de novo?
Vamos lá, cara, dê o braço a torcer e admita. Eu sei. Sim, eu sei que a verdade deveria ser a nossa melhor melhor amiga, que mentira tem perna curta, que faz crescer o nariz, que destrói a confiança que as pessoas depositam em você. Tudo isso é público e notório, não dá para escapar. Sim, é verdade. Mas pensa bem: você já parou para pensar em quanta coragem é necessária para se falar a verdade? E em como nós somos (ou vamos nos tornando) covardes com o passar do tempo? Não faz mal admitir. Não é feio nem arranca pedaço. Para encarar a verdade, velho, tu tem que ter as manhas.
Suponhamos um relacionamento. Melhor, suponhamos uma one night stand. Festa da empresa, aquela guria do comercial que você só viu uma vez na vida está com cara de manguaça, mas com o tipo de decote que fez a fama dela por todos os andares da firma. Por uma eventualidade, conjuntura astral, ironia divina, ela te dá bola. E tu vai lá e cata (tá aqui uma verdade: em festa de empresa, com todo mundo virado pudim-de-cana, são poucos os bravos seres que se aventuram a conquistar alguém, seja homem ou mulher).
Catou, beijou, mostrou pra toda a macharada do local que foi você que conseguiu pegar a guria do comercial tão famosa pelo seu decote arrebatador. “Vamos pra minha casa?” A moça mal consegue balbuciar um sim. Na sua casa, um sexo de bêbado. Na manhã seguinte (um sábado, graças a deus), fora a ressaca, ela vem com a célebre jogada do “nossa, como você me comeu bem. Diferente de tudo que já tinham feito comigo até hoje”. Há chances reais de que você tenha mandado bem, mas se formos considerar que a festa da firma foi open bar e que você não lembra direito se o nome dela é Amanda ou Matilde, não confia muito no teu taco não. É cascata. Mas você vai questionar o fato? Vai perguntar o que ela gostou mais? Não. Você sorri, dá um beijo na moça e segue a vida.
Outro exemplo? Vamos de outro exemplo. Você tem uma namorada. Gosta dela. A ama. Quer ficar com ela pra sempre. E um dia, vai sozinho numa festa de casamento de um amigo distante, por qualquer motivo que seja. E lá, calha das damas-de-honra estarem carentes e precisarem de atenção. E uma delas se engraça pro teu lado. Você, que foi com a sua cueca mais feia para a festa só para garantir que realmente não teria o desprazer de tirar a roupa para ninguém, é atacado pela dama de honra. Que está sóbria, não bebe nem nada. Você, você só tomou dois copos de cerveja, não pode nem dizer que foi culpa do álcool. Um abrir e fechar de olhos e a língua dela está fazendo jus aos segredos de liquidificador do Cazuza na tua orelha de chifrador. O resto a gente bem sabe. No outro dia… “Oi, amor, como foi a festa de casamento?”, “Ah, normal…”. Mentira. Você mentiu. Claro que mentiu, você sabe disso, sua respiração sabe disso, a sua testa suada sabe disso, a sua cabeça sabe disso e é por isso que você aparece com mil e um mimos pra sua amada no encontro seguinte. Você finge que engana, ela finge que acredita.
Se o cara tem guts ele vai lá e fala: “seguintes, eu gosto mesmo é de você, mas a dama-de-honra me atacou e quando eu vi já estava entregue aos prazeres da carne”. Se ele tem guts “tortas”, abraça a falta de vergonha na cara e segue feliz. Acontece todos os dias.
Isso são só exemplos. E pior, generalizações. Claro que há gente diferente. Homens e mulheres. Claro. E claro que há situações bem diferentes destas. Há aquelas em que você não precisa mentir e diz a verdade de peito aberto e com um sorriso no rosto. A mentira, pode admitir aí dentro de você, é só um escape pra covardia que a gente carrega lá no fundo, escondida entre a cafajestagem e a cara-de-pau. É feio, imoral e não sei se engorda. Mas está aí para que todos vejam. Porque uma coisa é querer sempre a verdade, outra coisa é dar conta de lidar com a coisa.
“Por que você está me deixando?”, pergunta a incauta mocinha. E aí, o rapazote vai responder o quê?
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