Futebol não é uma questão de vida ou morte; é mais importante que isso.
A frase é do ex-técnico inglês Bill Shankly. E tem sentido.
Quando eu era garoto, na década de oitenta, eu não tinha nenhum amigo que não torcia para time de futebol. Um ou outro gostavam de times de outros estados, porque um dos pais era de lá ou porque já haviam morado lá. O tempo passou. E na adolescência uns poucos amigos aficionados na NBA como eu era tinham seu time de futebol e um de basquete na liga americana. O meu era o Miami Heats. Mas mesmo decorando os nomes de todos os jogadores da Liga, ainda tínhamos um time de futebol.
Mas hoje em dia isso mudou.
Hoje em dia é comum os jovens com menos de 35 anos não terem times de futebol. E mais: abominarem o esporte. Há pouco tempo mesmo li um texto que praticamente chamava de imbecis todos nós que torcemos, morremos e choramos por nossos times. Essa é mais uma daquelas modas dos intelectuais da seção de “Filosofia e Auto Ajuda” das livrarias. Virou moda falar que futebol é alienação, que eles estão ganhando dinheiro enquanto nós nos descabelamos pelos nossos times e outras baboseiras intelectualóides. Dentre os argumentos usados pelos filósofos de livros de aforismas estão absurdos como “os times mudaram, então o Fluminense de hoje não é o mesmo Fluminense que cinquenta anos atrás”, “enquanto eles ganham dinheiro você está aí se matando”, e a minha preferida: “eles não estão nem aí pra você”.
Eles ganham dinheiro como a sua banda preferida ganha dinheiro enquanto você fica aí fazendo propaganda dela de graça. Ou como seu autor preferido ganha dinheiro enquanto você o idolatra.
Qual a diferença?
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E não me venham citar Seinfeld ou outros intelectuais e famosos que também pensam assim. Do meu lado tenho Carlos Drummond de Andrade, Luiz Fernando Verissimo, João Cabral de Melo Neto e o Mestre Nelson Rodrigues. Todos geniais escritores e todos fanáticos não só pelos seus times, mas por futebol. Isso fez de algum deles um imbecil? Um escritor pior? Não. Todos eles eram escritores tão geniais que não abriam mão de sua humanidade, como fazem alguns autores que querem parecer “sérios” e acabam fazendo papel de bobos. Isso de criticar o popular para parecer erudito faz tanto sentido quanto se achar de direita só porque não gosta da esquerda.
Futebol para quem gosta. Mais do que questão de vida ou morte. Muito mais. Como disse o Nelson Rodrigues, você não escolhe o Fluminense, o Fluminense escolhe você. E assim é com qualquer torcedor de verdade. Torcer é não conseguir ter nem simpatia por outro time. É não conseguir torcer por outro time nem se ele jogar contra um combinado de nazistas com deputados federais. Torcer de verdade é cumprimentar um estranho na rua só porque ele está com a camisa do seu time, e passar longe do que está com a camisa do time rival. É ir dormir sem acreditar naquilo quando o seu time perde um campeonato, e acordar torcendo pra ter sido um sonho, e continuar assim durante dias.
Torcer é defender seu time mais do que você defenderia a você mesmo, é se sentir parte do seu time, é não conseguir rir de uma piada com o seu time mesmo se ela for engraçada. É se pegar cantando o hino do seu clube sem motivo, é não ser capaz de sequer encostar na camisa do rival e, se encostar, limpar as mãos depois como se as tivesse afundado em esterco de porco. É se sentir mal em sequer falar o nome do rival e não entender como pode ter gente que torce para ele! É torcer para o seu time mais do que para a seleção do seu país. Torcer de verdade é torcer para o seu time em campeonatos de botão, bocha, gamão, xadrez, corrida de cavalo, onde quer que tenha alguém o representando.
Torcer de verdade é não conseguir entender como alguém pode não torcer para o seu time.
Ser fanático pelo seu time não te faz melhor que ninguém, mas tampouco te faz pior. E nós não somos fanáticos pelo nosso time. Nós somos o nosso time. Torcer por ele é torcer por nós mesmos. Chorar por ele é chorar por nós mesmos. A vitória dele é a nossa vitória.
Explicação para isso? Quem liga?
Já dizia Nelson Rodrigues:
Eu vos digo que o melhor time é o Fluminense. E podem me dizer que os fatos provam o contrário, que eu vos respondo: pior para os fatos.
Os fatos refutam o fanatismo pelo futebol? Pior para os fatos.
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