No dia do orgasmo escrevi uma matéria da Folha de São Paulo falando sobre como o gozo não é sinônimo de prazer e qualidade sexual. Quando a gente foca no orgasmo, fazemos dele um objetivo, uma métrica padrão. Dirigir toda nossa sexualidade em direção a essa meta pode gerar frustração e limitar nossas perspectivas, vontades e experiências.
“Às vezes a pessoa deflagra essa descarga da energia sexual, mas é quase um orgasmo mecânico. Você pode chegar ao orgasmo físico e ter a sensação que aquela relação não foi tão legal”, explica a Dra. Teresa Embiruçu.
O Dr. Osei Akuamoa, médico urologista que também já colaborou com o PDH, relata que “o universo de disfunções erétil e ejaculatória entre os homens é muito grande. Temos dados de que 40% dos pacientes que iniciam as atividades sexuais enfrentam alguma dificuldade, e isso tem muito a ver com os conceitos de performance e de masculinidade”.
Pensando em como isso acontece na vida real, conversamos com Rodrigo Rabelo, co criador do grupo Respeito Todo Dia. Rodrigo tem 40 anos, é casado e está há 16 anos junto da companheira. Ele conta que, quando era mais novo, carregava esse conceito de “quanto mais vezes melhor”, chegando a fazer apostas e a tentar quebrar “recordes”:
“Sinceramente, não foi bom, foi estressante, cansativo. Depois de um tempo, com a idade, você entende que não é uma questão de alta performance. Se antes eu tentava várias, hoje é uma. Mas com certeza essa uma é de maior qualidade. Eu gosto muito mais do ato em si. Para mim o foco é o caminho, não a chegada.”
Ao pensar no sexo como um ato de um roteiro padronizado e pronto a ser repetido diversas vezes, tentamos corresponder a um padrão e, caso esse padrão não sirva para nós (e não vai servir para todas as pessoas, dado que estamos em um universo com 7 bilhões de indivíduos com diferentes gostos, corpos e sentimentos) surge um sensação de falha, de frustração.
Uma parte significativa das disfunções ou insatisfações sexuais dos homens não estão relacionadas a um problema físico e, sim, a uma resposta comportamental: ansiedades, medos, inseguranças, pressa… Tudo isso impacta o prazer, a ereção e o gozo.
Quanto mais se alimenta o sentimento de pressão, de cobrança, de medo; quanto mais se foca no gozo e no tempo, outras partes importantes do exercício sexual ficam de lado.
Nessa pressão, fica de lado o espaço para o desfrute do corpo, dos outros sentidos, de uma variedade de toques e carícias, falta tempo para o relaxamento, para uma troca de afeto, de confiança, falta espaço para comunicação, para surgirem ideias e fantasias novas, que nada tem a ver com o roteiro inicial, padronizado.
Repensar a nossa relação com nosso próprio orgasmo é importante para cultivarmos prazeres mais autênticos, menos presos às normas das masculinidades. Mas fazer isso na prática não é fácil e também não existe receita mágica.
Se tivéssemos um manual de “como fazer” estaríamos substituindo um roteiro por outro e o objetivo não é esse. Queremos multiplicar as possibilidades desenvolvendo dinâmicas menos rígidas e mais adaptáveis à combinação de duas pessoas ali envolvidas.
Não vamos te dar receita, mas podemos te dar uma dica, um ponto de partida. Um exercício prático para você testar, experimentar, ver se gosta e o que funciona para você. É mais sobre ampliar repertório e menos sobre ser bom em outro tipo de performance:
Tente fazer esse exercício:
Experimente ao longo de uma, duas ou três relações sexuais, tirar o foco da finalidade “gozar”. Você não vai se esforçar para isso: nem para chegar, nem para retardar a chegada. Se permita sentir e explorar os toques e carícias sem canalizar isso para um ápice. Se o gozo não é a finalidade, ele também não é o ponto final. Se ele vier, não dê o ato por encerrado, continue com o proveito de outros sentidos: massagens, beijos, apertos, conversas ao pé do ouvido.
O ato vai se finalizando conforme o ritmo e o desejo das duas pessoas for abaixando. É legal tentar seguir o exercício por mais de um ato sexual, porque, muitas vezes, na primeira vez que tentamos, ainda estamos muito preocupados em não estar “fazendo certo”, estranhando o novo território. Nas segunda e terceira, o conforto tende a ser um pouco maior.
Vale também conversar com a outra pessoa antes da tentativa. Como estamos coletivamente focados no gozo, a falta do gozo de um pode gerar ansiedade no outro. Sem diálogo pode acontecer tanto uma falta de sincronia no sentido de você não quer gozar, mas a outra pessoa passa a fazer de tudo para desencadear esse gozo, quanto no sentido de gerar uma insegurança sobre a falta do gozo ser sinal de que há algo errado, de que não foi agradável ou prazeroso para você.
Podemos dizer que este é um exercício de cuidado. Quando paramos para reavaliar nosso comportamento, descobrir o que poderia fazer bem pra gente, dar um tempo para cultivar uma relação mais gostosa com o nosso próprio prazer e com a troca com outras pessoas, estamos cuidando de quem somos e das nossas relações.
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