De onde vem nossa orientação sexual? Escolhemos de quem gostamos? Homossexualidade é natural?

DISCLAIMER: Este texto deve ser lido com muita calma, e com bastante atenção.

A natureza e o sexo sem fronteiras

Por mais que intolerantes condenem a homossexualidade como algo anti-natural, eles não poderiam estar mais errados. A homossexualidade já é conhecida em muitas espécies (de 450 a 1500 animais, referindo-se a vertebrados ou animais em geral) e ocorre tanto entre machos quanto entre fêmeas.

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É, até o rei das selvas tem seus “momentos”…

O carneiro montanhês, conhecido como bighorn, forma sociedades apenas de machos que praticam de sexo anal a lambidas genitas seguidos de ejaculação, e quem não participa fica fora da sociedade. Girafas, golfinhos, orcas e baleias cinzentas fazem orgias sem fêmea nenhuma participar.

E não é uma exclusividade deles. Fêmeas de macaco japonês fazem sexo muito mais frequentemente entre elas do que com machos, e empregam muito mais posições sexuais. Para elas e para fêmeas de macacos bonobo, sexo entre fêmeas é uma das melhores maneiras de se enturmar.

Tão íntimo quanto catar piolhos, e com a vantagem de que os genitais são muito mais sensíveis, dando bem mais prazer. Aliás, macacos bonobos são atletas sexuais ativíssimos, troque aperto de mão ou beijo no rosto por sexo e você vai ter uma noção de como eles se relacionam – aproveite para esquecer também a idéia de que humanos são os únicos animais que sentem prazer ou são providos de clitóris.

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Imagem meramente ilustrativa, uma vez que não foram encontradas fotos de macacas-japonesas no ato.

À primeira vista, o comportamento homossexual é prejudicial, ou pelo menos contra-adaptativo, uma vez que diminui as chances do indivíduo se reproduzir. De novo, se você não captou, é prejudicial no sentido evolutivo, que afinal é o que estamos discutindo, ok? Se é contra-adaptativo, deveria ser excluído pela seleção natural. Mas se esse fosse o caso, isso não seria tão comum.

Sobram duas opções:

1. O comportamento pode ser neutro, uma consequência de outra característica selecionada – como uma ereção que temos quando vemos imagens pornográficas.

2. Ou pode ser adaptativo, e ser preservado porque possui algum valor para o indivíduo ou para o grupo. Nem sempre o que é bom para espécie é bom para você – e por bom aqui, entenda evolutivamente apenas – uma abelha operária que não se reproduz não passa seus genes adiante, mas ajuda a abelha rainha a se reproduzir, e perpetua os genes através dela. Trata-se da seleção baseada em parentesco.

Um comportamento neutro – neutro porque não é no seu – é o que acontece em leões marinhos. Machos adultos frequentemente estupram machos jovens durante a época reprodutiva. Não há nenhuma vantagem para os jovens, que inclusive tentam escapar (em vão), nem para os adultos, que estão simplesmente com muito tesão e acabam descontando em quem deu bobeira. Uma espécie de pedobear marinho.

O valor da homossexualidade

O comportamento homossexual pode ter várias funções que conferem valor positivo – evolutiv… ah, você já captou. Pode servir como prática sexual entre os jovens. Ou quando não há parceiro do sexo oposto disponível, basta pensar naquelas espécies em que um macho fica com quase todas as fêmeas, o que você acha que os outros fazem? Em alguns casos, pode ser mais do que prática. Para os besouros, copular com outros machos aumenta o sucesso reprodutivo, talvez por que um macho substitua os espermatozóides do outro ao fazer isso.

Também pode servir para estreitar relações sociais. Tanto relações de dominância como de confiança. No caso das macacas-japonesas, os machos são migrantes e as fêmeas são fixas nos grupos, de forma que, ao terem relações, elas estão cimentando um vínculo de confiança e proteção mútua dentro do grupo entre quem convive junto a maior parte do tempo.

Em um estudo com albatrozes-de-laysan na ilha de Oahu, Havaí, foi observado que pelo menos 30% dos ninhos eram formados por pares de fêmeas. Embora os casais macho fêmea tivessem mais filhotes nascidos dos ovos (o que indica que mais ovos foram fecundados), o número de filhotes nascidos criados até o vôo foi o mesmo.

O fato de o filhote ser criado só por fêmeas não interferiu nas chances dele crescer.

Os casais de fêmeas foram notadamente estáveis,  pelo menos metade deles se manteve unida durante os 4 anos do estudo, e um chegou a ser acompanhado por 19 anos. Pares de fêmeas parecem ser uma alternativa reprodutiva. Ao invés da fêmea sozinha não se reproduzir, se junta a outra e ambas depositam ovos no ninho. Apenas um dos ovos vai ser criado, já que o número normal é um ovo por ninho nesta espécie, mas metade de chances de se reproduzir é muito mais do que zero. [1]

Neste trabalho, ambos sexos são iguais, e para determiná-los os animais foram capturados e sexados. Isso levanta a questão de quantas outras aves onde macho e fêmea são iguais não têm casais assumidos como heterosexuais, que na verdade não o são.

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O casal de penguins machos Silo e Roy do zoológico do Central Park, cuja vida afetiva movimentada é bem
acompanhada pela imprensa
.

E os humanos, como ficam? Homossexualidade pode ser geneticamente determinada ou não?

No caso dos outros animais, é necessário levantar uma diferença. Geralmente a relação homossexual não implica em orientação sexual. Machos e fêmeas se relacionam com o próprio sexo e com o sexo oposto, de acordo com a época ou o contexto, não há necessariamente uma preferência única. O que sugere um valor neutro ou pouco adaptativo.

Já em humanos, onde o comportamento é muito mais complexo e fortemente influenciado pela cultura, é comum vermos uma orientação sexual estreita. Ou o sujeito gosta de homens ou gosta de mulheres. Isso indica que nossa classificação pode ser culturalmente enviesada, ao invés de héteros e homos, nossas preferências sexuais devem variar de apenas o sexo oposto a apenas o próprio sexo, com vários meio termos que se perdem quando instituímos uma orientação sexual fixa.

Algumas evidências apontam que sim, a homossexualidade pode ser herdada, pelo menos no caso dos gays. Estudos familiares mostram que é mais provável que um homem seja gay se o irmão dele for, principalmente se for irmão gêmeo (e lésbicas também, neste caso).

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O que você acha mais provável, que tenhamos só dois extremos ou todo um gradiente de preferências?

Antes que você pense na criação como o fator determinante, já que irmãos geralmente dividem o mesmo lar, essa relação só aparece por na parte materna da família. Gays tem mais parentes gays por parte de mãe do que de pai.

Também há um viés em relação aos irmãos, eles são frequentemente os caçulas e possuem mais irmãos mais velhos do que irmãs. Mas o que faria com que a homossexualidade fosse herdável, se ele traz uma desvantagem para o portador (diminuindo as chances dele ter filhos, e dificultando sua transmissão)?

Supondo que exista um gene que determine a orientação gay (mais adiante discuto as chances disso ser verdade), ele deve beneficiar alguém para que seja passado adiante. Uma situação pode ser o valor do heterozigoto, ou seja, a vantagem está no portador de apenas um alelo da característica, e o portador de dois alelos é prejudicado – de novo, em termos evolutivos.

Como recebemos material genético do pai e da mãe, seria o caso de um homem portador do gene “gay” de apenas um dos pais ser beneficiado, enquanto o homem que herda o gene de ambos sai em desvantagem. Outra pode ser o benefício para apenas um dos sexos, uma competição de interesses. Se for uma característica presente no cromossomo X por exemplo, ela pode trazer vantagens para mulheres, que portam duas cópias do cromossomo (XX), enquanto nos homens , que portam uma só (XY) é desvantajosa.

Uma evidência a favor de algo bom para um dos sexos é uma pesquisa que investigou a fecundidade de mães de filhos gays. As mães de filhos homossexuais têm mais filhos. Reforçado pelo fato de haver uma relação com a parte materna da família, pode ser que mães com um cromossomo X dá uma propensão a mais filhos, mas em contrapartida aumenta as chaces dos filhos serem gays, compensa a menor fecundidade deles. [2] A família de gays também parece ser mais numerosa. [3]

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Já foi levantada a hipótese de que irmãos mais novos seriam mais propensos a ser gays por causa de uma reação imune da mãe. Anticorpos contra o cromossomo Y que ela não possui, seriam produzidos progressivamente mais a cada filho. A hipótese da mãe mais fecunda também pode produzir esse efeito, uma vez que um grande número de filhos nascidos é uma condição necessária para o surgimento da imunidade, mas faltam estudos comparando mães fecundas e orientação sexual do filho (o inverso) por ordem de nascimento para testar a hipótese.

Falar em um gene para determinado comportamento é sempre um problema. O que vemos geralmente é uma associação, algo como os portadores de tal alelo (variante de um gene) são estatisticamente mais propensos a tal coisa, ou apresentam tal característica mais frequentemente. Da maneira como nosso cérebro funciona, estabelecendo conexões e respondendo a estímulos externos, o fenótipo, que é a expressão física de um gene, é sempre variado.

Não é algo como a cor de cabelo. Assim, embora encontremos alguns alelos mais presentes em homossexuais [2], seria o caso de o portador ter mais propensão a essa orientação sexual, nada como tem o gene tal é isso.

Os trabalhos que viram estas diferenças explicam apenas uma parcela das orientações sexuais, aplicam-se a 20% dos gays. Não explicam os outros 80%, nem as lésbicas. Embora alguns modelos matemáticos possam esclarecer o caso dos homens. Com a diversidade de comportamento que temos, a grande influência cultural que sofremos e a complexidade do nosso cérebro, dificilmente haverá uma explicação definitiva. E nem precisa haver.

Em drosófilas, a mosca-das-frutas, um único gene pode explicar a orientação sexual. Ele é expresso em alguns neurônios do cérebro, e pode ser montado de duas formas diferentes, uma nos machos e outra nas fêmeas. A forma de montar depende dos pedaços do gene que são usados para fazer a proteína que ele codifica.

Quando a versão masculina dos genes foi inserida em fêmeas, elas passaram a cortejar e tentar copular com outras fêmeas. E o inverso também, machos com a versão feminina do gene buscaram outros machos. Lembre-se, em drosófilas, que possuem um cérebro e um comportamento muito mais simples do que o nosso.[4]

E como se comporta o cérebro?

Técnicas de imageamento de atividade do cérebro mostram que as respostas fisiológicas são diferentes de acordo com a orientação sexual. Homens hétero e mulheres homo apresentaram atividades nervosas parecidas. Ambos são assimétricos e usam mais o lado direito do cérebro, já tido como maior e mais usado em homens. Enquanto mulheres hétero e homens homo apresentaram atividade simétrica, com ambos lados sendo usados, algo já tido como característica feminina. [5] Vários outros estudos listados na ref [5] apontam para mais diferenças no cérebro de acordo com o sexo e opção sexual.

Também foi encontrado um maior número de conexões e mais atividade na amígdala de gays. Ela está associada ao centro de recompensa e essa variação pode explicar porque gays são um grupo mais propenso à dependência química. [6]

Em ratos e macacos, a exposição a diferentes hormônios como testosterona e estrogênio durante a gestação mostra que o balanço hormonal possui grande influência na opção sexual. O que provavelmente acontece por haver uma alteração na formação do cérebro durante o desenvolvimento. Isso não quer dizer que homossexuais têm essa orientação por causa de um desenvolvimento diferente. Quer dizer que o cérebro deles funciona de maneira diferente dos heterossexuais do mesmo gênero, e mudanças artificiais são capazes de reproduzir isso.[5]

Essa diferença de cérebros sugere que a orientação sexual não é aprendida, e sim fruto de atividade nervosa já formada. O estudo de atividade e desenvolvimento cerebral está apenas começando a desvendar diferenças de gênero e orientação sexual, e muita coisa ainda não foi descoberta.

Notas:

Para uma discussão sobre as implicações de a orientação ser ou não uma opção, fica a dica do ótimo texto do filósofo Hélio Schwartsman, O Armário de Darwin:

“O raciocínio que parece motivar o LGBT é mais ou menos o seguinte: se o homossexualismo tem raízes biológicas, ele não pode ser qualificado simplesmente como “opção”; seria antes  uma “orientação”, a qual, se não constitui um destino fatídico, de algum modo participa da natureza do indivíduo, não podendo ser modificada a seu bel-prazer. O objetivo é combater os discursos francamente homofóbicos que definem o homossexualismo ou como uma escolha moralmente errada ou como uma doença que possa ser curada através de terapia ou exorcismos.

Para começar, a ciência está calcada em hipóteses que podem por definição ser refutadas a qualquer momento. Vamos supor que o fundamento lógico para eu recusar a discriminação  contra gays resida na “evidência científica” de que o homossexualismo tem componentes genéticos. Imagine-se agora que alguém demonstre de forma insofismável que tais evidências estavam erradas. O que ocorre neste caso? A discriminação fica legitimada?”

Recomendo uma olhada em dois livros para entender o papel da homossexualidade em animais. Como ambos custam mais do que $100, deixo aqui links para o Googlo Books, assim você avalia se realmente valem o que custam:

Homossexual Behavior in Animals. An Evolutionary Perspective.” De Volker Sommer e Paul L. Vasey. Este livro é mais um compêndio de comportamentos, que discute as implicações evolutivas.

Evolution Rainbow. Diversity, gender and sexuality in nature and people.” De Joan Roughgarden. A autora é uma professora transsexual de Stanford que, ao se descobrir mulher, passou a questionar o significado e a abrangência da homossexualidade na natureza. Ela discute que a seleção sexual está errada por não responder a existência de sexo não reprodutivo. Pessoalmente, acho que ela está certa em levantar o questinoamento, mas isso não quer dizer que a seleção sexual não permita situações como as que discuto ao final do texto.

Aliás, homofobia parece ser mais frequente em homossexuais.

Para um review bem completo sobre o tema, que só fui ver depois que preparei o texto todo e traz boa parte do que juntei na unha (pelo menos confirma que minhas fontes são boas), veja este artigo (o acesso é restrito a assinantes, mas quase tudo já está aqui no texto mesmo):

Same-sex sexual behavior and evolution

Para os curiosos, a Wiki também tem uma lista bem completa de comportamentos, com várias referências.

Fontes:

[1] Young, L., Zaun, B., & VanderWerf, E. (2008). Successful same-sex pairing in Laysan albatross Biology Letters, 4 (4), 323-325 DOI: 10.1098/rsbl.2008.0191

[2] Camperio-Ciani, A., Corna, F., & Capiluppi, C. (2004). Evidence for maternally inherited factors favouring male homosexuality and promoting female fecundity Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 271 (1554), 2217-2221 DOI: 10.1098/rspb.2004.2872 (pdf)

[3] King, M., Green, J., Osborn, D., Arkell, J., Hetherton, J., & Pereira, E. (2005). Family Size in White Gay and Heterosexual Men Archives of Sexual Behavior, 34 (1), 117-122 DOI: 10.1007/s10508-005-1006-8

[4] RYNER, L. (1996). Control of Male Sexual Behavior and Sexual Orientation in Drosophila by the fruitless Gene Cell, 87 (6), 1079-1089 DOI: 10.1016/S0092-8674(00)81802-4 (pdf)

[5] Savic, I., & Lindstrom, P. (2008). From the Cover: PET and MRI show differences in cerebral asymmetry and functional connectivity between homo- and heterosexual subjects Proceedings of the National Academy of Sciences, 105 (27), 9403-9408 DOI: 10.1073/pnas.0801566105

[6] Reece, A. (2008). Appetitive and addictive factors pertinent to analysis of neuroscience studies of sexuality Proceedings of the National Academy of Sciences, 105 (46) DOI: 10.1073/pnas.0807879105

Atila Iamarino

Doutorando pela USP, biólogo viciado em informação e ciência. Autor do excelente blog <a>Rainha Vermelha</a> e editor do <a href="http://scienceblogs.com.br/">Science Blogs Brasil</a>