Já diferenciamos meninos de homens e agora vamos ver quem realmente entende da coisa.

Vamos falar de um drink tão polêmico que mais se parece com um sistema político por suas diversas facções, porém numa coisa todos concordam: o clássico Dry Martini tem alma e vida própria.

Sabemos bem que aqui no Brasil não podemos discutir sobre política, futebol e religião já que nunca se chega a um consenso. Principalmente quando a discussão surge numa mesa de bar.

E vou além! Ao atingir determinado grau de conhecimento e sofisticação sobre mixologia, eu incluiria a receita do Dry Martini como mais um item dos que não se deve discutir. A sua criação completa um século este ano e não existe uma receita “oficial” para o drink. Sendo assim, acompanhe aqui no vídeo como eu gosto de prepará-lo.

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Origem do drink

Uma das histórias contadas em bares através do mundo, diz que certa vez estava o incomparável escritorpinguçobon vivantErnest Hemingway discutindo sobre drinks com alguns amigos, quando alguém o questionou qual a receita correta do Dry Martini, ele respondeu:

“Se você estiver perdido na selva africana ou no deserto do Saara, não se desespere. Comece a preparar um Dry Martini e eu lhe garanto que em menos de 5 minutos vai aparecer alguém dizendo que a dosagem de gim e vermute está errada!”

Proporcionando prazer a personagens reais e da ficção ao longo destes 100 anos, o Dry Martini, inspirou escritores, diretores, pintores, músicos, poetas e bêbados em geral. Porém todos eles tinham algo em comum: sabiam apreciar a complexidade de aromas e sua preparação, que pela personalidade do drink tornou-se um verdadeiro ritual.

Pessoalmente posso confirmar que meu prazer em fazer e degustar um Dry Martini começa no exato momento em que reúno os ingredientes no balcão.

Sabendo que a receita é controversa, obviamente sua história também tende a ser. Mas não é por isso que não falaremos da versão mais aceita e difundida.

A origem mais aceita é que o Dry Martini surgiu de uma adaptação do Martinez, drink muito popular na Califórnia, a pedido do calvinista self-made-man John Rockfeller, fundador da primeira companhia de petróleo dos EUA, a Standard Oil.

O Martinez, conhecido como o Grande Avô do Dry Martini, era feito com bitters (licor de ervas amargas tipo Campari ou Angostura), licor de maraschino, Old Tom Gin e vermute.

Em 1910 o distinto trilionário Rockfeller pediu ao bartender Martini di Arma Taggia, do Knickerbocker Hotel in New York, que misturasse meio a meio de London Gin, o vermute francês Noilly Prat e bitters de laranja para enriquecer o aroma.

Após mexer os ingredientes com bastante gelo, serviu-o coado na taça clássica de cocktail. Como já sabemos que o aspecto visual de um drink é extremamente importante para completar a experiência, considero o Dry Martini a experiência perfeita no ciclo visão-olfato-paladar.

Receita do Dr. Drinks para um bom Dry Martini

Você vai precisar de:

  • Uma taça de Martini previamente gelada
  • Gin (de preferência London Dry Gin. Em casa uso Tanqueray, mas como filmamos no QG do Papo de Homem prefiro deixar um gin mais comum na dispensa pra não correr riscos de ele “evaporar”)
  • Vermute (é comum usar um vermute seco, mas como a receita é minha preferi fazer com branco)
  • Gelo
  • Azeitonas verdes
  • Palitos de dentes

Ponha bastante gelo na coqueteleira (aconselho a fazer no freezer, pois ele precisa estar o mais seco possível) e sirva três onças de gin, aproximadamente 90 mL. Após, despeje um leve traço de vermute, feche a coqueteleira e balance “no tempo de uma valsa”, como disse Nick Charles (William Powell) no filme The Thin Man, de 1934.

Quando gelar a parede da coqueteleira é hora de servir. Despeje o drink na taça coado sem gelo algum, espete uma azeitona com um palito de dentes e mergulhe-a na taça. Para dar um charme a mais, esprema uma casquinha de limão sem a polpa sobre a taça. Isso enriquece ainda mais o aroma desse drink, que tem um sabor bem complexo e um final simplesmente inacreditável. Se quiser você pode usar a casquinha de limão como guarnição do drink no lugar da azeitona.

As polêmicas do Dry Martini

Nunca em toda história da coquetelaria um drink causou tanta confusão por sua diversidade. Se preparar um Dry Martini é um ritual, ao longo destes 100 anos pipocaram novos rituais, frutos da manifestação da individualidade perante um clássico. Batido, mexido, com vodka, com muito vermute, com pouco vermute, sem vermute algum, acho que será impossível definir um Dry Martini.

Um barman no passado disse que a proporção certa de vermute para um bom Dry Martini era apenas fazer a sombra da garrafa de vermute tocar o gin, ou seja, o drink era gin puro. O que prova mais uma vez que não há um consenso sobre sua receita, mas sim sobre quem as bebe.

Um drink com alma

Um Dry Martini representa muita coisa a quem sabe a diferença entre fazer um drink e misturar bebidas. Uma delas é a beleza da simplicidade: dois ingredientes que combinados provocam uma viagem transcendental que nos leva até um momento de êxtase ao sentir os sabores e aromas na boca, que deixa saudosa lembrança ao final do gole.

Outro aspecto interessante do Dry Martini é que só as pessoas de paladar muito apurado reconhecem seu valor. Pois conseguem identificar e apreciar os sabores e aromas do gin e a discreta elegância do vermute.

Um drink que é unidade de tempo

O Dry Martini é a expressão viva do sonho americano, ele representa todo sucesso do empreendedorismo de Rockfeller. Nos anos 70 os executivos americanos criaram o Three Martini Lunch, uma espécie de almoço prolongado para que desse tempo de tomar três martinis, mas que na verdade envolvia altas rodadas de negociações entre grandes empresários da época.

Jimmy Carter, então candidato a presidente e governador do estado da Geórgia, condenou o Three Martini Lunch por entender que ele era privilégio de poucos e também por ser contra o consumo de álcool durante o dia de trabalho. Seu oponente, Gerald Ford, ganhou muitos simpatizantes ao dizer que o Three Martini Lunch era uma expressão da eficiência americana.

Link YouTube | Vodka Martini, Shaken, Not Stirred

O próprio criador de James Bond, Ian Flemming, era um grande apreciador de Dry Martini. Porém seu personagem de maior sucesso ficou marcado no mundo da coqueteleria por sua variante do Dry Martini feita com vodka, que também fica deliciosa, porém menos aromática.

Bond é um personagem da ficção, mas que descreve muito bem o que se aplica no mundo real: a sofisticação faz sucesso com as mulheres. Alguém já viu algum filme onde Bond fica sozinho? Pessoas com gosto requintado são vistas com outros olhos, “nascem” de forma elevada em seu círculo. E o Dry Martini serve muito bem para demonstrar essa sofisticação através de suas sutilezas.

Até onde ir

Por ser uma bebida muito forte, não é aconselhável passar do 3º. Entre outros motivos porque seus reflexos ficarão seriamente comprometidos devida alta graduação alcoólica do gin, mas também porque você pode acabar chamando urubu de “meu louro” e aí já viu: no dia seguinte a ressaca será dobrada quando você olhar pro lado e ver uma estranha ao seu lado enquanto se pergunta: “o que foi que eu fiz?”

Por isso fica aqui meu conselho: jamais tome um Dry Martini antes de dirigir e mesmo que não esteja dirigindo, não consuma mais que 3. E tenha certeza de que no 2º o mundo lhe parecerá bem mais intertessante…

Bebedores famosos de Dry Martini

  • Winston Churchill
  • Truman Capote
  • J. Robert Oppenheimer
  • F. Scott Fitzgerald
  • Ernest Hemingway
  • Cary Grant
  • Franklin Delano Roosevelt
  • Richard M. Nixon

Evidências culturais

Além dos filmes de James Bond, podemos encontrar Dry Martinis por muitos filmes de Hollywood, principalmente os mais antigos, eis alguns que valem citar:

  • Casablanca (1942): Richard Blane ( Humprey Bogart) toma alguns martinis entre uma taça e outra de vinho em seu Rick’s bar
  • The Thin Man (1934): Nick (William Powell) ensina um barman o ritmo com o qual se fazem drinks: “You see, the important thing is the rhythm. You always have rhythm in your shaking. Now a Manhattan you shake to a foxtrot. A Bronx to a two-step time. A dry Martini you always shake to waltz time.”

Também na literatura tivemos centenas de incidências do Dry Martini, mas esta é a que me chama mais a atenção. Buñuel descreve com riqueza de detalhes seu ritual para fazer um Dry Martini em “Meu último suspiro”:

“Meu drinque favorito é o dry martíni. Considerando o papel primordial que ele desempenhou nesta vida que relato, vejo-me obrigado a dedicar-lhe uma ou duas páginas…
(…) Compõe-se essencialmente de gim e gotas de um vermute, de preferência Noilly Prat.
Convém que o gelo utilizado esteja bem frio, bem duro, para não soltar água.
Guardo tudo que é necessário no congelador na véspera do dia em que espero meus convidados, os copos, o gim, a coqueteleira. Tenho um termômetro que me permite certificar-me de que o gelo está numa temperatura de cerca de vinte graus abaixo de zero.
No dia seguinte, sobre o gelo bem duro despejo algumas gotas de Noilly Prat e meia colherinha de café angustura. Agito tudo, depois jogo fora o liquido. Preservo apenas o gelo, que carrega o ligeiro vestígio dos dois perfumes, e sobre o gelo despejo o gim puro. Sacudo um pouco mais e sirvo.
É só isso, mas é insuperável!”

Em que time eu jogo

Agora que vocês já conhecem um pouco mais sobre o maior clássico da coquetelaria mundial, digam pra mim o que acham desse drink, de sua personalidade e de que facção vocês fazem parte. Digam também qual seu ritual para fazer um bom Dry Martini e o que ele lhe proporciona após o gole.

Dr. Drinks por um dia

Mandem fotos ou vídeos dos drinks que vocês têm criado, pois estou fazendo um post especial só com receitas de leitores e quero muito conhecer o que vocês andam aprontando.

Quem quiser seguir o Dr. Drinks no twitter, meu perfil é @juniorwm. Eu compartilho muita coisa sobre bebidas e drinks lá, esteja à vontade. Além do twitter, vocês podem entrar em contato comigo através do meu e-mail que é drdrinks [arroba] papodehomem.com.br.

Tenho recebido muitos, mas muitos e-mails mesmo e por isso peço a compreensão e paciência de vocês. Aos poucos estou respondendo a todos.

Um beijo e até semana que vem!

Junior WM

Um grande apreciador de história e histórias. Vive a vida de forma que seja lembrada como honrada e humana. Ama os prazeres da vida e sua família. Escreve sobre passar pelo mundo com dignidade e alegria. Contribui com a revolução digital por acreditar em seu caráter humanitário e num mundo melhor.

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