Sylvester Stallone esboçou uma tentativa de avançar com a franquia do Rocky no comecinho dos anos 90, com o tenebroso Rocky V. Seu pupilo, que chegou à derradeira década do século 20 ainda usando mullets, acaba derrotado pelo próprio treinador em uma briga de rua.
Já em 2006, resolveu encerrar de maneira menos horrenda a bonita história começada em 1976, quando Rocky – Um Lutador, ganhou o Oscar de melhor filme enfrentando oponentes tão grandes quanto os de sua franquia, dentre eles o Taxi Driver (do Martin Scorsese) e Todos os Homens do Presidente (com Robert Redford e Dustin Roffman). Rocky Balboa fechou o ciclo de lutas impossíveis, mas enfrentadas pelo garanhão italiano que sabia bem que não importa o quanto você bate duro, mas sim quanto você aguenta apanhar e seguir em frente. E se tem um cara que aguenta apanhar, esse é Sylvester Stallone.
Sua filmografia tem altos e baixos. Tem também baixíssimos. Tem alguns fundos de poço e tem redenções. Uma delas é a financeira, quando, depois de tentar desenterrar o próprio Rocky e o Rambo, ele criou uma nova franquia milionária, a d’Os Mercenários.
Então, com a vida ganha de novo, por que não apostar mais uma vez na série de filmes de boxe?
Em Creed, agora vemos um Rocky mentor – não apenas treinador – de um jovem lutador, Adonis Johnson, filho do Apollo Creed fora do casamento.
Disso, há duas maneiras de assistir ao filme:
Maneira 1 de assistir Creed – Nascido para Lutar: na defensiva
Você pode ir assistir ao filme para caçar pelo em ovo e, pelo que eu vi, vai achar a peruca toda. O novo filme tem falhas comuns a esse tipo de história, habituais na franquia Rocky. Relações aparecem e desaparecem como num passe de mágica, pontas que você achava que seriam amarradas permanecem lá sem um nó. Tudo em prol do que precisa ser feito, de onde se precisa chegar, de como causar aquela comoção, a catarse das dificuldades superadas.
Há trechos estéticos meio bregas, provavelmente relevados de acordo com a expectativa alta quando o filme ainda estava escrito em roteiro. “Cara, isso aqui, quando a gente filmar, vai ficar demais”. Não ficou.
Dá para entrar na sala do cinema e retrucar as falas, as aproximações, a maneira com que coisas dão certo e dão errado, a facilidade com que a história é levada do ponto A ao ponto B. Mas, gente, não tem luta mais chata nesse mundo do que essa de ficar de guarda levantada sem dar espaço, sem haver entrega.
Mas Ryan Coogler é um ótimo diretor. Mantém a narrativa com essas brechas de ingenuidade dos anos 70 e 80, e coloca junto nova essência para contar uma história nos dias de hoje. Se lá, em 1976, Rocky fora feito para representar o motivacional positivista para a classe trabalhadora americana pós Vietnã, hoje Adonis Johnson mostra um negro que não veio de baixo, mas um cara com desejo solo. O de saber se ele pode ser o que todos dizem que ele não pode ser.
Maneira 2 de assistir Creed – Nascido para Lutar: guarda aberta, pronto para o coice
A entrega. Se você comprar de início, vai ver uma obra muito respeitadora e com uma ideia brilhante: juntar refação, reinício e homenagem, tudo junto. Creed refaz a história original, dá início ao que pode ser uma nova franquia e presta homenagens o tempo todo, sem deixar de contar a própria história, sem deixar de botar o que deve ser dito hoje.
Temos o mesmo plot do primeiro Rocky, como se a história estivesse prestes a se repetir. Adonis Johnson não é um negro que veio de baixo e, na necessidade, viu-se na posição de aguentar porrada em detrimento ao talento. Ele teve uma vida confortável, um emprego em ascendência que dava orgulho a sua mãe, grana no bolso, conforto, uma vida promissora em Los Angeles.
O que move o nosso protagonista aqui não é o american way of life de conquistar o mundo do zero, mas o oposto, a necessidade de ir lá para baixo para provar que não é só mais um garoto de Hollywood.
Se entrar de cabeça na história, as pequenas imperfeições não duram, a beleza da história sendo recontada de maneira completamente diferente, costurando trechos iguais com rumos distintos vai sendo realçada, a estética das lutas gravadas com as novas tecnologias. Aplausos para segunda luta do filme, uma sequência de dois rounds gravados numa única tomada, moderno, preocupante, recolhido, seco.
E Balboa. Agora é a vez dele de ser o velho Mickey. A toquinha na cabeça, os gritos nos treinos. Sylvester Stallone ganhou essa semana o Globo de Ouro de melhor ator coadjuvante pelo papel e lindamente agradeceu, ao final, ao Rocky Balboa por ser o melhor amigo imaginário que ele teve. Stallone sabe bem o que fazer com a personagem, joga emoção e a gente cai, joga alívio cômico e a gente cai. A gente ri e chora facinho facinho com eles dois, grandes companheiros já de 40 anos.
A melhor parte de Creed é ver pupilo e mestre aprendendo, ambos, cada uma com sua luta. Ver um bi-campeão mundial dos pesos pesados ainda necessitando de aprendizados é muito benéfico, coloca Balboa em uma posição ainda relevante e, ao mesmo tempo, lhe dá uma despedida digna, honesta, necessária.
Desse jeito, dá pra sair do cinema com os braços doendo de tanto se defender ou com os olhos inchados de pancada de lágrimas. Daqui, ainda vai levar uns dias pra sair o roxo da cara.
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