Nota da autora: este não é um daqueles artigos para te mostrar que as coisas vão de mal a pior — porque isso já sabemos. Esse é um texto-não-se-desespere, para dizer que, sim, é possível sair do olho do furacão gerado por um consumismo exacerbado. Ele também é um norte para quem quer começar a imprimir pegadas menos nocivas no planeta — e na própria vida — mas não sabe como. Portanto, não esmoreça nas primeiras linhas. Vai valer a pena. Prometo.

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A agricultura animal está destruindo os recursos naturais do planeta: é uma das principais causas do uso da terra e da água, além do desmatamento e da extinção de espécies.

Os abates de animais para consumo são cada vez mais violentos.

Neste exato momento, há escravos trabalhando para fazer suas roupas.

Somos campeões mundiais no uso de agrotóxicos para matar pragas das lavouras.

Fato consumado: é um mundo cruel esse que a gente vive e, embora haja bastante gente engajada num movimento revolucionário para torná-lo um lugar mais agradável, ainda há muito trabalho a ser feito.

As cartas estão postas na mesa e trucam, constantemente, nossa participação nesse cenário caótico. A gente já sabe que colabora para o impacto negativo no planeta e também para os efeitos nocivos na nossa própria saúde. A gente já sabe que poderia fazer melhor. Mas o dia a dia corrido não permite que a gente mude assim, de uma hora para outra, os hábitos alimentares. A grana apertada e a cifra maior das peças de slow fashion desanimam e nos fazem recorrer, novamente, às grandes lojas de departamento. Queremos consumir menos, mas os estímulos publicitários dizem sempre que precisamos de mais.

Não é que falta motivação, só não sobra tempo, planejamento ou dinheiro para colocar em prática tudo que já sabemos que tem de ser feito.

Mas será mesmo que só pode ser se for assim, uma mudança radical e imediata de vida? Será que temos de fazer esse movimento 8 ou 80 ou podemos transicionar, dando passos pequenos, mas firmes?

Eu acredito, sinceramente, que sim.

Esse guia é pra quem quer começar, mas não sabe por onde.

First things first: afinal, o que é consumo consciente?

Todo e qualquer consumo causa impacto — seja positivo ou negativo — na economia, nas relações sociais, na natureza e em nós mesmos. Quando temos consciência desses impactos e fazemos escolhas mais lúcidas na hora de comprar, na hora de usar e no momento de descartar o que não serve mais, podemos minimizar os impactos negativos e maximizar os positivos. Nas entrelinhas, é uma contribuição voluntária, cotidiana e solidária para garantir a sustentabilidade da vida no planeta.

E para fazer esse movimento girar, você não precisa começar dando passos maiores que a própria perna. Pequenas mudanças também têm influência no futuro.

Vamos lá?

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Entenda e se desfaça dos mitos

Consumo consciente é mais caro

Comecemos pelos alimentos. Uma pesquisa realizada pela Instituto Kairós concluiu que os preços dos alimentos orgânicos ou agroecológicos, na verdade, dependem mais do canal de venda do que da procedência do alimento. Assim, nos circuitos curtos de comercialização, existe uma tendência de preços mais justos, remuneradores para o agricultor e acessíveis ao consumidor.

Na prática, isso quer dizer que se você optar por comprar estes alimentos em canais alternativos — como Centrais de Abastecimento (Ceasa) e feiras orgânicas/ agroecológicas — você irá pagar até quatro vezes menos do que pagaria pelos mesmos itens em redes de supermercado. Uma iniciativa para diminuir os preços de alimentos ecológicos é o projeto Comunidades que sustentam a agricultura que transforma os consumidores em coagricultores, ao pagarem mensalmente para receber cestas de alimentos direto do produtor.

Já na moda, Giovanna Nader, consultora de fashion branding e cocriadora do Projeto Gaveta, diz que o problema não é o preço, mas o modo como nos acostumados a pagar um valor muito barato e injusto por uma peça.

No modelo de negócio das fast fashions e magazines, alguém não está sendo devidamente pago pelo trabalho, e esse alguém é o elo mais fraco, ou seja, a mão de obra. Se considerarmos o processo de produção de uma slow fashion, a sua preocupação em pagar corretamente seus funcionários, usar o tecido orgânico ou natural que não agride tanto o meio ambiente e sua pequena escala de produção, mudaremos nossa percepção de caro para justo. E vale ressaltar que peças de segunda mão são, em geral, mais baratas. Então apoiemos os brechós, as marcas de upcycling e as que usam tecidos descartados pela indústria para produzir suas peças.”

E, para mudar ainda mais nosso olhar, sugere:

Invista em peças de boa qualidade e durabilidade. Pense que com o valor que você paga em cinco calças jeans na fast fashion, que o tecido ficará largo e desgastado em algumas lavagens, você pode comprar uma de boa qualidade de uma marca slow fashion, direcionando seu dinheiro para marcas que questionam seus impactos no mundo”.

É difícil de encontrar

Essa é uma das desculpas mais constantes — e infundadas. Cresce exponencialmente o número de iniciativas, estabelecimentos, marcas e pessoas envolvidas com o consumo consciente.

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No universo alimentício, há um mapeamento precioso realizado pelo IDEC, com a geolocalização de mais de 600 feiras orgânicas e agroecológicas. Na moda, iniciativas como a +Alma reúnem num só lugar marcas que querem praticar o consumo consciente e que estejam conectadas com os três pilares do projeto: vegano, atemporal e feito no Brasil.

Mas, se a consciência sucumbir ou o dinheiro realmente não for o bastante e você quiser muito dar uma passada naquela loja que não é consciente, você pode ao menos certificar-se de que ela não está envolvida com a prática de trabalho escravo.

Moda sustentável não é bonita

Muitas pessoas já ouviram a expressão “bambolê de garrafa pet” para sugerir que algo produzido sustentavelmente não era bonito. Para Giovanna, o argumento não tem fundamento, já que “como no mercado da moda a estética vem em primeiro lugar, no slow fashion não poderia ser diferente. Não adianta nada o produto ser sustentável se ele não for desejado, com peças com bom acabamento e design diferenciado”. Além, claro, de ser necessário destacar que conceitos como moda e beleza são subjetivos e individuais.

Planeje-se. A pressa é inimiga do consumo consciente.

Sempre que a situação aperta, temos a tendência de recorrer ao cômodo. Nas entrelinhas do consumo consciente isso quer dizer, por exemplo, que na hora que você estiver com a mão na massa fazendo aquela receita e faltar algum ingrediente, é muito provável que você recorra ao mercado da esquina e que acabe comprando um item produzido de forma convencional. E quando isso acontecer, tudo bem. Estamos num processo. Nem sempre conseguimos equilibrar todos os pratos como gostaríamos. Mas, pra evitar que situações como essa ganhem frequência, podemos nos planejar semanalmente. Ter um planner digital ou em papel pode ser uma forma bem prática de começar a se organizar por aí.

Dê preferência para os alimentos agroecológicos

Alimentos orgânicos são ótimos para nossa saúde, já que, em sua produção, não são utilizados venenos fertilizantes químicos ou sementes transgênicas. Mas os agroecológicos trazem, para além desse cuidado, um olhar para a dimensão socioeconômica, focando na produção de base familiar e na valorização de saberes e tradições do cultivo. Então, sempre que puder, opte pela agroecologia e pelo sustento de uma rede ainda mais completa de benefícios para as pessoas e para o planeta.

Troque consumo por autoestima

Quando estamos tristes, carentes, ansiosos, inseguros muitas das vezes recorremos às compras para tapar esse buraco. Acontece que é uma felicidade que não se sustenta: aquela roupa nova não vai devolver seu amor próprio, seu contentamento ou a plenitude. É uma sensação fugaz de preenchimento. Por isso, a ideia é trocar o consumo por autoestima e conectar, de novo, nossas vontades com nossas necessidades, com nossos desejos mais autênticos.

Outro método eficaz é lançar mão de três perguntas básicas antes de colocar a mão no bolso: O que vou comprar? Quando vou comprar? De quem vou comprar? Esses questionamentos simples servem como filtros para compras por impulso.

Pense no descarte.

Consumir não é apenas comprar. Depois que a utilidade de determinado produto passar, sua embalagem seguirá pelo mundo. Por isso, nada mais justo que pensar também nas consequências de seu descarte.

Dicas importantes:

Na hora da compra, dispense embalagens e sacolas

Sacos, papéis e caixas, na maioria das vezes, acabam nos lixos, poluindo solo, lençóis freáticos, mares e oceanos. Além disso, também exigem muita matéria-prima para sua fabricação e não têm serventia após o uso. Para substituí-los, aposte em embalagens reutilizáveis ou em ecobags para suas compras.

Repense e reduza

Somente reciclar o que usamos não é o suficiente para solucionar o problema, se levarmos em conta que cada brasileiro produz, por dia, cerca de 600 gramas a 1 quilo de lixo — e apenas 2% da coleta domiciliar é reciclada. Precisamos, a partir de agora, reduzir nossos resíduos. Repensar o desperdício e reutilizar ou achar novas utilidades para o que seria descartado são passos iniciais importantes para esse processo.

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É um caminho longo, mas possível. Não tem cartilha, acordos escritos em pedra ou punições severas para quem, vez que outra, sucumbe ou desvia do trajeto. Estamos juntos — e aprendendo.

Para nos inspirar, listo aqui um punhado de perfis que têm olhado com cuidado e dedicação para o consumo consciente. São eles: Roupa Livre, Luiza Voll, Fê Canna, Projeto Gaveta, Positiva, Vai lá SP — e outras regiões —, Menos 1 lixo, Fe Cortêz, The Veggie Voice, Giovanna Nader.

Tem sugestões para esse guia prático? A caixa de comentários está aberta. Vejo você por lá.

Gabrielle Estevans

Gabrielle Estevans é jornalista, editora de conteúdo e coordenadora de projetos com propósito. Certa feita, enamorou-se pela palavra inefável. Desde então, também mantém uma lista de pequenas coisinhas indizíveis.