Há pouco mais de 15 anos, no dia 1º de junho de 1997, a jornalista e vencedora do Pulitzer Mary Schmich soltou em sua coluna no Chicago Tribune um texto chamado “Os conselhos, assim como a juventude, provavelmente desperdiçados com os jovens“. Talvez você não reconheça este texto pelo título, mas sim pelo apelido: “Use filtro solar”.
O texto, que não é de sua autoria, mas sim um discurso de graduação, foi musicado pelo cineasta Baz Luhrman, ficou em primeiro lugar nas paradas da Inglaterra e da Irlanda, virou um singelo vídeo que se dispersou pela internet, foi traduzido e regravado por Pedro Bial a pedido da DM9DDB e, por fim, ganhou uma paródia de Rafinha Bastos.
Reparem: ascensão, apogeu e queda de um compilado de bons conselhos.
Nossa relação com os conselhos é conflituosa. Sabemos dá-los aos montes, ouvi-los de vez em quando, mas quase nunca os colocamos em prática. A isso, os psicólogos dão o nome de egocentric bias (“tendência egocêntrica”, em tradução livre), que nada mais é do que a certeza de que eu sei mais do que você. Em outros termos,
Quem raios você pensa que é para me dizer como eu devo viver minha vida?
Mas esta certeza é incorreta. Há algo chamado impact bias (“tendência de impacto”), termo que designa a forma superestimada como prevemos reações emocionais em relação aos nossos próprios atos.
Em miúdos, um exemplo: você e seus amigos estão no bar e encontram um grupo de meninas. Fazem amizade. Bebem. Riem. Você percebe que uma das meninas – justamente a que tem aliança de noivado – te dá uma atenção maior. Parecem íntimos naquela noite. Você pensa: devo ou não investir? Começa a pensar que, se tentar algo, ela pode aceitar as investidas, acabar na sua cama, se apaixonar por você, terminar o noivado, querer uma vida a dois e uma casa com cercas brancas no interior; também pensa que você não quer nada disso e a foda pode lhe custar a vida, pois o ex-noivo dela pode ser um trafica colega de cela do Jader e aí fodeu.
Você pensou todo um futuro sem nem cogitar: será que ela realmente está a fim de alguma coisa? Ou é apenas simpática?
Nessa hora, faz toda diferença um amigo dar a sua visão das coisas. Jogar a real e dizer “vá com calma”. Afinal, o seu amigo não está emocionalmente ligado a isso.
“Meu filho, leve um casaquinho porque tá frio”
Curiosamente, aceitamos conselhos de coração aberto quando quem aconselha não tem a mínima ligação conosco.
Quando a mãe diz “meu filho, leve um casaquinho porque está frio”, ignoramos; quando o Dr. Love aconselha o leitor a lavar o pau depois de sexo anal, achamos um puta conselho. Quando o pai diz como você precisa amadurecer, ele é apenas um cuzão; quando o Nelson Rodrigues diz, é genial.
Por que isso acontece? Porque, quando somos íntimos do conselheiro em questão, sabemos suas fraquezas, suas falhas, e não o julgamos apto a dar pitaco na nossa vida. O que é, obviamente, um erro. Quem melhor para nos aconselhar que pessoas que sabem nossos podres, nossas falhas de caráter, e podem prever algumas de nossas reações?
O erro está em subestimar as palavras alheias. É creditar a si mesmo uma inteligência infalível, uma esperteza além da realidade. É imaginar que se pode viver sem conselhos. Pessoas de fora podem dizer melhor o que se passa aqui dentro.
Senhoras e senhores do PdH de 2012, se eu pudesse dar um conselho em relação ao futuro, diria: “aceitem mais conselhos”.
Leia mais:
- Egocentric bias na Wikipédia
- “How to overcome egocentric bias“, artigo no PsyBlog sobre tendência egocêntrica
- “When guessing what another person would say is better than giving your own opinion“, estudo científico sobre aceitação da opinião alheia
- “The impressive power of stranger’s advice“, artigo no PsyBlog sobre conselhos de estranhos vs. conselhos de pessoas íntimas
- “The surprising power of neighborly advice“, estudo científico sobre conselhos de pessoas estranhas
- “The cyber-saga of sunscreen song“, artigo no Washington Post sobre como um discurso de graduação se tornou uma música fodona
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